Ela não pode ser sexy. Ela é uma mulher! Concentre-se, Jennifer. Minha voz interior, conhecida como consciência, me alertou.
— Se acontecesse um incêndio na minha casa, meu gato seria o primeiro suspeito. Com certeza trancaria a porta e fugiria com a chave.
— Verdade? — forcei uma risada. Era meio difícil manter uma conversa com ela. Afinal de contas, estava me sentindo culpada pela atração que começava a sair do controle.
— Sim, é diabólico. Olha só ele aqui — ela puxou um celular do bolso da jaqueta e me mostrou a foto do papel de parede. Um homem segurava um gato com a cara amassada. Esse deve ser o namorado. Pensei, enquanto olhava cuidadosamente a tela, ignorando o olhar maléfico do felino. — Ele parece meio bravo — falei. Ela guardou o celular no bolso com um sorriso.
— Totalmente. Mas esse gato aqui — ela moveu o corpo para frente, apontou para a reportagem, levemente roçou o braço na minha perna onde a revista estava apoiada e me olhou com uma espécie de… desejo? — É incrível.
Ai, meu Deus! Ela estava flertando comigo? Isso não pode estar acontecendo, isso não pode estar acontecendo. Repeti em pensamento algumas vezes e me ajeitei na cadeira, cruzando as pernas para o outro lado.
Não, ela não está te paquerando, sua idiota. Ela tem namorado! Você acabou de vê-lo na foto.
Minha consciência voltou a aparecer para avisar que talvez eu estivesse sendo um pouquinho exagerada. Então respirei fundo e tratei de me acalmar.
Ela não estava flertando comigo, certo?
— Você estuda aqui? — perguntei, numa tentativa de mudar de assunto. Provavelmente o certo seria ignorá-la, mas me sentiria mal se ela pensasse em mim como alguém que não consegue manter uma conversa saudável, mesmo sabendo da possibilidade de ter existido uma certa tentativa de flerte.
Você precisa aprender a ficar calada. Minha voz interior soou, sendo realmente muito chata.
— Não, estou aqui para ver minha… — ela começou a responder, mas foi interrompida por Izabel, a diretora, abrindo a porta. Assustei-me e pulei da cadeira como se estivesse fazendo alguma coisa muito errada. Felizmente, nenhuma das duas pareceu perceber.
— Jennifer, entre, por favor — Izabel me guiou para dentro. — Eu já chamo você —acrescentou para a moça, ao vê-la me acenar com a mão e um sorriso discreto que não consegui retribuir.
— Imagino que saiba o motivo de tê-la chamado aqui hoje, Jennifer — Izabel sentou-se atrás de sua mesa, enquanto eu me acomodava na cadeira em frente, tentando parecer confortável.
— Sinceramente, não. Recebi o e-mail de convocação, mas Júnior não soube explicar o que aconteceu — afastei a mulher dos meus pensamentos e respondi, lembrando-me da discussão no café da manhã.
— Júnior? — ela soou aparentemente confusa. — Não te chamei aqui para falar sobre Júnior. Na verdade, ele recebeu uma advertência por atrasar a entrega de um trabalho, mas já acertou a detenção com a professora de Química. Pedi para você vir porque precisamos conversar sobre a Maytê.
— O quê? — Maytê nunca havia tido problemas na escola. Ela fugia para longe de encrencas na mesma proporção em que Júnior corria diretamente para o meio delas.
— Alguns professores me procuraram e estamos preocupados com o comportamento apresentado nas últimas semanas — Izabel fez uma pausa. Abri a boca para perguntar qual seria esse tal comportamento, mas achei melhor deixá-la continuar. — Maytê se envolveu em três brigas no corredor, chamou a professora de História de “sapa velha”, tentou pular o muro da quadra e pichou letras de músicas em duas portas do banheiro feminino.
Uau! isso era totalmente perturbador vindo da Maytê. Ela nunca chamaria ninguém de “sapa velha”.
Primeiro, porque, quando discutia com Júnior, ela usava seu descomunal vocabulário de xingamentos e palavrões e, com certeza, definiria esse como uma ofensa infantil e sem criatividade.
Segundo, porque ela adorava todos os seus professores. Apesar de sua aparência de adoradora das trevas, minha filha era um doce de menina.
— Estou tão chocada quanto você, Izabel — o grau de intimidade adquirido com as dezenas de visitas àquela sala me consentia chamá-la pelo primeiro nome. — Por que não me avisaram antes?
— Chegou até meus ouvidos que você e seu marido estão se divorciando — ok. Intimidade é uma merda e também permite que as pessoas tenham esse tipo de informação sobre mim. — Nessas situações, algumas condutas como as da Maytê são comuns em até certo ponto. Decidimos, em equipe interdisciplinar, dar um tempo para ela se acostumar com essa mudança tão radical, mas, quando ela tentou bater em um colega porque entraram em divergência sobre o novo CD da Lady Gaga, percebemos que estava na hora de te chamar para nos ajudar a tomar as próximas decisões
Eu sabia que deveria ter colocado limites na Maytê quando a encontrei costurando um vestido feito de carne para o hamster de uma amiga participar de um concurso de fantasias!
— Você tem alguma sugestão de como devo agir? — aceitei a xícara de café que a secretária dela gentilmente me ofereceu e, por impulso olhei para a porta recém aberta. A moça não estava mais sentada na sala de espera. Fiquei um pouco desapontada; queria dar uma última olhada nela quando saísse.
— A recomendação é o encaminhamento para algum profissional adequado a esse tipo de situação. No caso, um psicólogo — ela me entregou um cartão com o telefone. — Há, nessa clínica ótimos profissionais. Eles já ajudaram muitos dos nossos alunos. A Maytê com certeza vai adorar.
Eu não tinha tanta certeza assim, mas aceitei a recomendação e, após alguns conselhos constrangedores sobre meu novo estado civil, aos quais reagi instintivamente com pequenos acenos de cabeça em sinal afirmativo, despedi- me com a promessa de marcar uma consulta ainda naquela semana.