Por mais que eu tentasse me acostumar a esta casa, a verdade é que cada canto dela apenas reforçava o quanto eu estava presa. Eu queria sair daqui, mas só de me lembrar dos inúmeros homens armados lá fora, prontos para acabar comigo no menor movimento suspeito, percebia que qualquer tentativa seria em vão. Passei dias tentando bolar um plano de fuga, mas tudo sempre levava a um beco sem saída. O tempo foi passando, e minhas únicas companhias diárias eram a senhora Helena e Sofia, com quem criei um vínculo forte. Pelo menos ao lado delas eu me sentia um pouco mais segura. Eu ajudava nos afazeres sem ninguém precisar pedir. Cozinhava, lavava a louça, organizava a casa, fazia qualquer coisa para me manter ocupada e, principalmente, longe do Falcão. Ele era o único que me fazia sentir como se eu estivesse no lugar errado o tempo inteiro. A forma como me olhava, como falava, o jeito grosseiro e explosivo... Ele era intimidador, e eu tinha medo dele.
Por mais que minha mente trabalhasse dia e noite em um plano para fugir, era impossível. Ele era um homem perigoso, e tudo ao meu redor me lembrava disso. Sempre que me arriscava a espiar pela janela, via seus homens armados circulando pelo morro. Tentar escapar seria assinar minha sentença de morte. E eu não queria morrer. Então, tudo o que me restava era continuar vivendo um dia de cada vez, tentando não chamar atenção, tentando não provocar a fúria daquele homem que me enxergava apenas como uma dívida paga. Mas parecia que hoje o dia estava contra mim. Ao sair do quarto da senhora Helena, dei de cara com Falcão no corredor. Ele acabava de chegar, exalando um perfume forte e enjoativo, algo que misturava cigarro, álcool e uma fragrância adocicada, tornando tudo ainda mais sufocante. O cheiro era tão intenso que parecia grudar no ar ao redor dele, me fazendo querer dar um passo para trás. Meu corpo enrijeceu no mesmo instante, mas foi seu olhar que realmente me congelou no lugar. Falcão me encarou com aquele jeito preguiçoso e cheio de arrogância, um sorriso torto se formando em seus lábios enquanto sua presença preenchia o espaço estreito do corredor.
— Tá me devendo, loirinha. Vou ter que cobrar de outra forma, né?
Aquelas palavras caíram sobre mim como uma sentença, e sua voz grave reverberou na minha mente, ecoando sem piedade. Vou ter que cobrar de outra forma, né? A frase girava sem parar dentro da minha cabeça, cada repetição tornando o pânico ainda mais sufocante. Meu estômago revirou, minhas mãos tremiam, e antes que eu pudesse reagir, Falcão deu um passo à frente. O corredor já era pequeno, mas com ele se aproximando, parecia que o espaço se fechava ao meu redor. Sua presença era sufocante, sua postura predatória. Um arrepio gelado percorreu minha espinha, e o pânico me atingiu em cheio. O que ele queria dizer com isso? Meu corpo travou por um instante, mas assim que ele deu um passo na minha direção, a urgência de fugir tomou conta de mim. Girei nos calcanhares e saí correndo sem olhar para trás, disparando pelo corredor até meu quarto. Fechei a porta com força e deslizei até o chão, meu peito subindo e descendo em desespero. Meu coração batia como um tambor descontrolado, enquanto eu me encolhia num canto do quarto, tentando me convencer de que estava segura. Mas será que estava?
O tempo passou, e eu permaneci ali, abraçando meus próprios joelhos, até que um barulho na porta me fez erguer a cabeça. Quando Sophia entrou no quarto, meus olhos estavam marejados, mas ela nem percebeu de imediato. Estava linda. Usava um vestido midi que caía perfeitamente em seu corpo esguio, e seus cabelos longos desciam como uma cortina sedosa, dando a ela um ar ainda mais elegante. Se não fosse pelo medo que ainda me dominava, talvez eu tivesse conseguido sorrir ao vê-la assim.
— O que você está fazendo aí? — perguntou ao me ver sentada no chão, os braços ao redor das pernas e o olhar fixo no nada.
— Nada... Eu só estou pensativa. — menti, desviando o olhar.
Sophia cruzou os braços, arqueando uma sobrancelha, como se não acreditasse muito na minha resposta, mas logo seu rosto se iluminou com um sorriso animado.
— Levanta daí, hoje tem baile na comunidade e eu quero ir. — Sua empolgação transbordava, mas, ao contrário dela, meu corpo inteiro ficou tenso.
Só a ideia de sair daquela casa me aterrorizava.
— Eu não posso... E mesmo que eu quisesse, como sairia daqui sem morrer? — questionei, sentindo meu coração acelerar só de imaginar a cena.
— Você vai comigo, e se alguém questionar, eu minto. Digo que meu irmão te chamou. — Sua resposta veio rápida, como se tudo fosse tão simples.
Sophia não entendia. Para ela, o baile era apenas diversão. Para mim, sair significava me expor ao perigo.
— Vem logo! — Ela segurou minhas mãos, determinada, e me puxou para o banheiro. — Toma um banho rápido e vamos!
Sua animação era encantadora, quase contagiante, mas o medo dentro de mim falava mais alto.
— Sophia, eu vou morrer se colocar os pés fora desta casa. — minha voz saiu baixa, carregada de receio.
Ela suspirou, ajoelhando-se à minha frente e segurando minhas mãos entre as suas.
— Você vai comigo, Jade. Confia em mim. Por favor, vamos.
Engoli em seco. Meu instinto gritava para eu recusar, mas ao encarar Sophia, vi um brilho de expectativa nos olhos dela.
— Eu tô com um pressentimento ruim... Não quero ir. — confessei, sentindo um arrepio percorrer minha espinha.
— Eu sei que meu irmão te mantém presa aqui por causa daquela dívida, mas é só você não tentar escapar. — Seu tom ficou mais sério. — Se fizer isso, eu morro e você também. Falcão não perdoa ninguém.
Suas palavras me atingiram como um choque. Eu já sabia disso, mas ouvir em voz alta tornava tudo ainda mais real.
— É melhor você ir sozinha. Eu não vou arriscar. — murmurei, desviando o olhar.
Sophia fez um bico, e seus olhos se encheram de lágrimas.
— Por favor, Jade... — implorou, a voz embargada.
Suspirei pesadamente. Eu sabia que ceder era um erro, mas ver Sophia triste me deixou sem saída.
— Tudo bem... Mas promete que vamos e voltamos rápido? — perguntei, já arrependida da minha decisão.
O sorriso dela se alargou, e ela começou a pular de alegria, confirmando com a cabeça.
— Eu prometo!
Mesmo contra minha vontade, fui para o box. Tirei a roupa e deixei a água quente escorrer pelo meu corpo, tentando afastar o medo e o aperto no peito. Ouvi Sophia saindo do quarto, mas sua presença ainda parecia pairar no ar. Eu não deveria fazer isso. Algo me dizia que sair daquela casa era um erro. Assim que terminei o banho, vesti a toalha e saí do banheiro, encontrando Sofia já de volta. Nas mãos dela, um short jeans curtíssimo e um cropped jeans.
— Aqui, usa isso.
Olhei para as peças e engoli em seco. Meu estômago revirou.
— Sophia... Eu não sei.
— Vai ficar linda! Confia em mim.
Suspirei, pegando as roupas. Algo dentro de mim gritava que essa noite mudaria tudo. Terminei de me vestir e me encarei no espelho. O short era indecente, e o cropped deixava mais pele à mostra do que eu gostaria. Senti meu rosto esquentar. Eu nunca tinha usado algo assim antes, e aquilo só aumentava minha insegurança.
— Você tá maravilhosa! — Sophia elogiou, girando ao meu redor com um sorriso satisfeito. — Agora, vamos antes que mude de ideia.
Meu estômago revirou enquanto a seguia até a porta. O medo pesava nos meus ombros como uma corrente invisível. Saímos da casa sem que ninguém nos visse, mas assim que cruzamos o portão, um dos vapores que vigiavam a entrada nos notou. Ele era alto, forte, e tinha uma cicatriz na sobrancelha.
— Aonde pensa que vai, loirinha? — O tom de deboche me fez gelar.
Sophia, no entanto, sorriu com confiança.
— Falcão mandou a gente ir ao baile. — respondeu rápido, sem hesitação.
O vapor franziu a testa, claramente duvidando.
— Sério? Ele mandou? — cruzou os braços, analisando a gente.
Sophia bufou, revirando os olhos.
— Tá me chamando de mentirosa agora? Ele mandou a gente descer. Quer ligar e perguntar?
O cara hesitou. Eu não sabia se era o medo de contrariar Sophia ou se a simples ideia de questionar Falcão o fez ceder, mas ele soltou um suspiro e deu de ombros.
— Se ele mandou, problema de vocês. Vai logo antes que alguém resolva te encher o saco.
Sophia me puxou pelo braço antes que ele mudasse de ideia, e nós descemos a viela apressadas. Meu coração batia forte, e as minhas mãos estavam suadas. Assim que nos aproximamos do baile, o som das batidas do funk reverberava por todo o morro. O chão parecia vibrar com o peso da música, e as pessoas se amontoavam, dançando, bebendo e se divertindo como se o mundo não existisse fora dali. Sophia soltou um gritinho animado e logo desapareceu no meio da multidão, deixando-me parada feito uma estátua. Eu não sabia o que fazer. Mantive meus braços cruzados, tentando me encolher e não chamar atenção. Eu sentia olhares sobre mim, alguns curiosos, outros maliciosos. A música pulsava no meu peito, e o cheiro de bebida e cigarro impregnava o ar.
A cada segundo que passava, eu sentia que algo ruim estava prestes a acontecer. Conseguia ver Sophia se divertindo, enquanto o medo e o breve momento de liberdade me consumiam. Apesar disso, o medo ainda dominava meus pensamentos. De repente, senti uma mão forte segurar meu braço, e, ao olhar para o homem, percebi que ele era alto, mal encarado, com olhos sombrios que refletiam uma ameaça real. O medo percorreu meu corpo de imediato.
— Perdida no baile, loirinha? — questionou o homem, sem soltar meu braço. Tentei puxar meu braço de sua mão, mas não consegui.
— O que pensa que está fazendo? — questionei, sentindo um pingo de adrenalina percorrendo meu corpo.
— É abusada, hein? — ele disse, sorrindo maliciosamente. Logo, começou a me puxar para longe.
— Me solte, quem é você? Me largue! — gritei, tentando me soltar, mas sem sucesso. Aquele homem parecia determinado a me arrastar.
— Vamos nos divertir um pouco, loirinha, quero usar o seu corpo. — As palavras dele me causaram um enjoo profundo, e, em um reflexo involuntário, vomitei. Ouvi algumas pessoas reclamando da cena, o que causou uma breve comoção ao nosso redor, o suficiente para chamar a atenção.
— Vagabunda! — um tapa forte no meu rosto, vindo daquele homem desconhecido, fez a dor explodir em minha face. Ele aumentou a força com que me puxava.
— Jade! — a voz da Sophia cortou o ar. Imediatamente, virei o rosto e vi minha amiga, mas antes que pudesse reagir, ouvi o som de um tiro. O estrondo do disparo fez com que o ambiente ficasse em completo silêncio por um momento. Todos os olhares se voltaram na direção do barulho.
— Vamos nos divertir um pouco, loirinha, quero usar o seu corpo. — As palavras dele me causaram um enjoo profundo, e, em um reflexo involuntário, vomitei. Ouvi algumas pessoas reclamando da cena, o que causou uma breve comoção ao nosso redor, o suficiente para chamar a atenção. — Vagabunda! — um tapa forte no meu rosto, vindo daquele homem desconhecido, fez a dor explodir em minha face. Ele aumentou a força com que me puxava.
— Jade! — a voz da Sophia cortou o ar. Imediatamente, virei o rosto e vi minha amiga, mas antes que pudesse reagir, ouvi o som de um tiro. O estrondo do disparo fez com que o ambiente ficasse em completo silêncio por um momento. Todos os olhares se voltaram na direção do barulho. E lá estava ele, o diabo em pessoa. Falcão estava furioso. Seus olhos estavam intensamente fixados no homem que ainda me segurava, e seu semblante impassível refletia um poder absoluto.
— Solta ela! — Falcão gritou com autoridade, sua voz cortando o pânico no ar. Rapidamente, o homem me soltou, mas, antes que pudesse dar um passo, ouvi outro tiro. O impacto foi tão próximo que meu corpo se paralisou. Fechei os olhos instintivamente, e, quando os abri, vi um corpo caindo ao meu lado.
O som do corpo atingindo o chão foi o único eco que restou por um momento, enquanto eu permanecia ali, paralisada, com o medo se espalhando por meu corpo. O pavor não era mais só por mim, mas pela situação em que estava envolvida. Eu sabia que a violência ali era real, e não havia lugar onde pudesse me esconder. Eu sabia que o inevitável estava prestes a acontecer, e o pior ainda estava por vir. O ar ao meu redor parecia pesado, e a tensão crescente me fez sentir que o fim daquela noite seria bem diferente do que eu imaginava. Senti as mãos de Sophia nos meus braços, tentando me puxar, mas foi apenas por um segundo, até que os vapores de Falcão começaram a arrastar o corpo daquele homem, tirando-o do meio de toda aquela confusão. O caos ao nosso redor parecia ser em vão, e, no entanto, a sensação de impotência tomou conta de mim. Enquanto Sophia tentava me puxar para fora dali, o tempo parecia desacelerar. O pânico já tomava conta de mim, mas, antes que pudesse reagir, percebi que já era tarde demais. As mãos do Falcão, rápidas e implacáveis, se fecharam em meu pescoço. O aperto era firme e intransigente, e tudo o que consegui sentir naquele momento foi a pressão de suas mãos contra minha pele. O medo se instalou dentro de mim, um frio gelado tomando conta de cada nervo do meu corpo.