* Rafael narrando*
A luz do meio-dia invadia meu escritório, mas eu só enxergava um par de olhos azuis pairando sobre Manhattan como um fantasma. Quatro dias. Quatro dias desde que aquela mulher da cafeteria me deixara paralisado com um simples olhar — e eu, Rafael Hawthorne, que nunca hesitava em tomar o que desejava, havia engolido seco como um adolescente diante de sua primeira paixonite. A cidade pulsava sob meus pés, mas meu cérebro estava preso em loop: olhos azuis, rosas brancas, perfume de lavanda. Quatro dias. Quatro dias desde que aquela mulher desaparecera como fumaça após me deixar com um buquê caótico e uma frustração que me corroía as entranhas. Irma invadiu meu escritório como um furacão de eficiência. — As entrevistas para a babá começam em… — Cancele todas — cortei, sem tirar os olhos do relatório falso que fingia ler. — Mas as gêmeas… — Cancele! — Usei o tom que fazia os estagiários chorarem. — E chame o detetive Collins. Preciso que ele encontre alguém. Ela ergueu uma sobrancelha cinza. — A loira da cafeteria? — Não é da sua conta — rosnei, digitando furioso no celular: "Procure por F. Almeida, funcionária da Giulia's Garden. Todos os detalhes." — Hawthorne, você tá parecendo um tigre enjaulado. Vai me dizer que finalmente caiu de amores? — zombou, ajustando os óculos. — Amor é para idiotas — grunhi, virando a cadeira para a janela. — Mulheres são como vinhos: aprecio o sabor, mas não fico chorando quando a garrafa acaba. Desde aquela manhã, eu tinha revirado a cidade atrás da loira dos olhos de gelo azuis. Nada. Nenhum perfil social, nenhum registro na floricultura além do nome "F. Almeida". Até meu contato na prefeitura falhara. Ela era um mistério — e eu odiava mistérios. Flashback (Cafeteria, quatro dias antes): O choque foi físico. A mulher esbarrara em mim como um furacão de jasmim e nervosismo, rosas brancas desabrochando no chão entre nós. Ao me curvar para ajudá-la, o perfume dela me atingiu: algo entre lavanda selvagem e medo. — Não precisa se desculpar — disse ela, voz melódica com um sotaque sulista que fez meu sangue ferver. Quando nossos olhos se encontraram, senti algo raro: “desejo cru”, daqueles que não se saciam com uma noite qualquer. Seus lábios entreabertos, o pulso acelerado visível sob a pele clara… Eu conhecia cada sinal. Bastaria um sorriso, uma frase ambígua, e ela estaria na minha cama antes do pôr do sol. — Você trabalha na floricultura? — perguntei, erguendo uma rosa como se oferecesse um diamante. Ela recuou como se eu tivesse brandido uma faca. Os olhos azuis escureceram, “viram algo em mim”. Antes que eu pudesse decifrar, ela arrancou as flores de minhas mãos. — São para o Sr. Hawthorne — murmurou, e quando eu disse que eram pra mim, vi o seu choque, porém tirando as flores das minhas mãos, fugiu para o balcão. Fiquei paralisado. Ela não sabia quem eu era. Pela primeira vez em uma década, alguém me olhara sem ver cifrões ou poder — apenas um predador. E ela, a presa, perfeita escapara. Presente (Escritório): Irma suspirou puxando-me de volta ao presente, mas antes que ela pudesse sair, o interfone apitou. — Senhor Hawthorne, a candidata Flávia Carter está aqui. Insiste que marcou para… — Já disse para cancelar todas! — gritei, esmagando a caneta na mão. Quando a porta se abriu, porém o mundo desabou. Ela entrou como um fantasma, vestindo um vestido modesto e segurando uma pasta trêmula. O mesmo pescoço erguido como uma gata selvagem, o mesmo perfume. Seus olhos azuis encontraram os meus por um segundo — tempo suficiente para eu ver o pânico neles. — Você… — ela engasgou. — Srta. Almeida? Ou… Carter? — sorri, erguendo uma rosa branca que mantivera em minha gaveta desde o encontro. — Os… os dois — ela respondeu nervosa, enquanto apertava a bolsa contra o peito. “O jogo começou.” Pensei de forma cínica, após isso, Irma saiu, deixando-nos a sós. — Sente-se — ordenei, observando como ela se encolheu ao ouvir meu tom. “Atrizinha.” Todas faziam isso — fingiam timidez até estarem sob meus lençóis. Ela ocupou a cadeira como quem senta em brasas, as mãos trêmulas abrindo a pasta. — Meu currículo… experiência com crianças… Ignorei os papéis. Meus olhos vasculharam cada detalhe: a pulsação acelerada em seu pescoço, o jeito que mordia o lábio inferior nervosamente, a curva dos seios sob o tecido modesto. “Quer brincar de difícil? Vamos brincar.” — Por que fugiu da cafeteria? — perguntei, inclinando-me para frente até sentir seu perfume novamente.” Simplesmente adorável!” Ela engoliu seco. — Eu… não sabia que o senhor era… — Hawthorne. O CEO solteiro mais conhecido de Manhattan? — deixei a última palavra pairar como isca. Seu rosto corou. “Ponto para mim.” — As gêmeas são… especiais — disse, abrindo o iPad com fotos de Mel e Bia. “Vamos ver se ela morde a isca.” Ela olhou as imagens, e pela primeira vez, seus olhos iluminaram-se genuinamente. — Elas desenham dragões? — perguntou, apontando para os rabiscos de Mel. — Sim. Por quê? — Eu… também gosto de dragões — murmurou, tocando o pingente que carregava em seu pescoço em forma de dragão. “Ah, então é o gancho?” Sorri por dentro. “Dragões, cafeterias, fugas teatrais. Quer me conquistar pela asa emocional?” Naquele momento, o ar carregava o perfume dela, como algo totalmente primitivo e aparentemente disfarçado. Flávia Carter sentava-se à minha frente, as mãos sobre o currículo que eu não lia. — Experiência com crianças? — perguntei, sabendo perfeitamente que sua resposta não importava. Já decidira: contrataria qualquer outra, menos ela. Afinal precisava tê-la longe do meu lar. Para poder convidá-la para jantar em algum lugar onde meu nome não ecoasse nas paredes. — Cuidei de primos em Austin, e... Interrompi com um gesto. Seus olhos azuis piscaram, feridos. Precisava mantê-la longe da verdade que me queimava as entranhas: desde o encontro na cafeteria, sonhava com a curva de seus quadris sob aquele vestido ridículo. Em minha mente, já a imaginava na minha cama: cabelos loiros espalhados sobre meu travesseiro, unhas cravadas nas minhas costas enquanto a fazia gritar. Mas algo na forma que ela se encolhia, como se esperasse um golpe, me fez pausar.”Tática nova?” Mulheres adoravam isso — fingir-se de frágeis para desarmar. “Joguinho perigoso,” pensei, os cantos da boca erguendo-se num sorriso cruel. “Foge da cafeteria, aparece no meu escritório. Quer me caçar, um caçador?” Porém, antes que eu pudesse encerrar o interrogatório e dispensá-la, as gêmeas invadiram o escritório. Melissa agarrou-se à perna de Flávia antes mesmo de Rosália apresentá-la. —Tio Hawk, ela tem um dragão igual ao meu! — Berrou, agitando um desenho rabiscado e mostrando o pingente de Flávia. Beatriz examinou Flávia como um general avaliando tropas: — Você sabe fazer slime de glitter? Flávia ajoelhou-se, revelando um colo que me fez engolir seco. — Slime de glitter é meu superpoder — sussurrou conspiratória. — Mas vocês precisa jurar segredo. As duas cruzaram os dedos sujos de caneta. Meu último argumento desmoronou junto com a postura profissional. — Elas ficam sob sua responsabilidade até as 18h, disse abrupto, jogando meu cartão corporativo na mesa. — Há uma sorveteria no térreo. Enquanto saíam, ouvi Flávia perguntar: — Ele sempre faz cara de… — Peixe morto? Perguntou Mel. Flávia não falou nada, porém Bia respondeu: — É só quando está tentando não sorrir. Às 17h55 do meu posto de observação no 72º andar, vi elas voltarem pelo jardim vertical. Flávia carregava Bia nos ombros, ambas cantando alguma música infantil em português. Melissa dançava ao redor delas, as tranças desfeitas. Meu pulso latejou onde o relógio de Miguel costumava estar. — Senhor Hawthorne… — Irma entrou com um relatório, mas congelou ao ver minha expressão. — Ah. Ela ainda está aqui! Nesse momento, Mel irromperam no meu escritório antes que eu respondesse, jogando-se em meus braços com entusiasmo de cachorrinho molhado. — Flávia disse que dragões protegem as pessoas! Vamos adotar um de verdade, Tio Monstro? Flávia apareceu na porta, suada e radiante. Seu vestido agora tinha manchas de chocolate e algo que parecia tinta fluorescente. Nunca a vira tão... viva. Logo depois, Rosália também entrou com Pedro meu motorista e depois que as duas meninas se despedirem de mim e de Flávia com um abraço apertado, ela olhou para mim e Irma e perguntou de forma séria: — Senhor, eu preciso saber a resposta, pois eu… — O emprego é seu — disse abrupto, vendo-a piscar surpresa. — Mas… não viu meu currículo… — Não preciso — menti. Na verdade, queria ver quanto tempo levaria até ela "acidentalmente" aparecer em meu quarto. Ao se levantar, seu vestido roçou minha perna. Proposital. Todas faziam. — Começa amanhã — acrescentei, observando-a sair com passos rápidos. “Corre, coelhinha. Que lobo aqui adora perseguir.” Pensei de forma cínica. Enquanto a porta se fechava, Irma me ofereceu uma xícara de café. — Aposto dez dólares que ela dura muito mais que uma semana. — Vinte — retorqui, olhando a rosa branca murcha em minha gaveta. — E faço ela implorar pra ficaruito mais. Enquanto preenchia os papéis da admissão, meu e-mail para o detetive Collins piscou na segunda tela: "Relatório completo sobre Flávia Almeida Carter. Incluindo o incidente no Texas." Sorri ao perceber que agora tinha todos seus segredos na palma das minhas mãos. Até ler a linha final: "Assunto relacionado: David Moss. Última localização: Brooklyn." A xícara de café em minha mesa começou a tremer antes que eu percebesse que era minha mão. “Maldição ela tem um namorado?”*Flávia narrando* O despertador tocou às 5:32 da manhã — trinta minutos depois do horário que programou. Corri pelo apartamento minúsculo como uma barata envenenada, vestindo meias desiguais enquanto Susana roncava no sofá. — Vai dar certo —menti para o espelho embaçado do banheiro, onde escrevi "VC CONSEGUE" em batom vermelho na noite anterior. O metrô atrasou. A chuva transformou meu guarda-chuva de 5 dólares num esqueleto de nylon. Quando cheguei ao portão da mansão de Rafael, o relógio da torre marcava 8:17. “Sete minutos atrasada.” Ele esperava na entrada, trajando um terno que custava mais que meu ano de aluguel. Seus olhos escanearam minha roupa encharcada — blusa de renda barata colada aos meios seios, sapato com solado descolado — e suas sobrancelhas franziram-se em desaprovação. — Senhorita Carter — começou, voz mais fria que a chuva de abril — seu contrato menciona pontualidade como... — Eu sei. Desculpe. O metrô... — Desculpas são como rosas murchas — int
A manhã começou com Flávia espiando-me pela janela do quarto, como se tentasse decifrar meus movimentos. Enquanto passava pelo corredor, notei a porta do quarto dela entreaberta, assim como as das gêmeas. A babá já estava de pé, vestida e pronta para acordá-las. Desci para o café da manhã determinado a esclarecer certas regras. — Senhorita Carter — chamei, interceptando-a na sala de jantar — preciso conversar com você. Ela seguiu-me até o escritório com passos firmes, mas os olhos denunciavam uma inquietação contida. Sentou-se à frente da minha mesa, postura ereta, enquanto eu preparava as palavras. — Babás que desenham unicórnios em roupas manchadas não duram uma semana aqui — afirmei, cortando o silêncio. — Disciplina é essencial para minhas sobrinhas. Bagunça e sujeira não são arte, entendido? Antes que ela respondesse, a porta abriu-se com um estrondo. Bia entrava arrastando Mel pela mão, ambas de pijamas e cabelos despenteados. — Tio Hawk, você não vai mandar a Flávia e
*Flávia Narrando* No dia seguinte, após as atividades do colégio, levei as gêmeas para o jardim para elas ter uma atividade recreativa e mais saudável, ao entardecer entramos novamente era lindo ver o rosto delas corado de tanto brincar. Ao entrar no meu quarto, porém encontrei uma pilha de caixas de seda. Dentro, vestidos que pareciam feitos de sonhos — rendas francesas, sedas italianas, tudo em tons de azul que lembravam meus olhos. — Presente do senhor Hawthorne — Rosália apareceu na porta, evitando meu olhar. — Ele disse que… funcionários da família Hawthorne devem refletir seu padrão.Agarrei o tecido mais próximo, sentindo a maciez como uma afronta. As caixas de seda pareciam rir de mim, seus laços perfeitos eram uma afronta ao meu jeans rasgado. Abri a primeira: um vestido azul-marinho que custaria mais que meu semestre na faculdade. No fundo, sabia o que aquilo era: uma armadilha dourada. Rafael queria me transformar em uma de suas estátuas decorativas, controlável e bon
*Rafael Narrando* O sol ainda não havia rompido completamente o horizonte de Manhattan quando acordei, mas os primeiros raios dourados já riscavam os vidros fumê do arranha-céu vizinho. Sentei na cama, observando através da janela panorâmica como Nova York sussurrava seu mantra eterno: "Você não pode parar". Eu, Rafael Hawthorne, CEO da Hawthorne Enterprises, entendia aquele idioma melhor do que ninguém. Minha rotina era um ritual fúnebre desde que Miguel morrera. Três passos até o espresso machine italiano, dois comprimidos para a enxaqueca matinal, um olhar rápido para a foto emoldurada na estante: meu irmão e eu no topo do Rockefeller Center, sorrindo como dois piratas que haviam conquistado o mundo. Agora, só restavam as gêmeas. Mel e Bia. Seis anos de risos que ecoavam estranhos naquele apartamento de decoração minimalista, onde até os brinquedos pareciam organizados por um curador de museu. Vesti o terno sob medida como uma armadura. No espelho do banheiro, um estranho m
*Flávia narrado*Acordei com o susto do despertador ignorado. O coração disparou quando olhei para o relógio: 8:47 AM. “Merda, merda, merda”.Saltei da cama, os pés descalços encontrando o chão gelado do apartamento minúsculo que dividia com Susana. Enquanto vestia o uniforme verde da floricultura — ainda com cheiro de lírios secos —, uma memória invadiu minha mente sem pedir licença: Papai dançando com mamãe na cozinha de nossa casa em Austin, o rádio tocando "Stand by Me" enquanto Jony batucava nas panelas. Meu irmão mais velho sorria, erguendo a colher de pau como uma varinha. "Flavinha, vem cá ser nossa backup dancer!" A garganta apertou. Jony teria rido de me ver agora, correndo em Nova York como uma barata assustada. — Flávia! A Giulia vai acabar cumprindo o que disse, e vai te demitir por causa dos seus atrasos! — gritou Susana do banheiro, cuspindo pasta de dente. — Ela nunca mais falou isso… foi só aquela vez — respondi, amarrando o cabelo às pressas. Enquanto descia a