— Pai... por acaso... Você é gay? — perguntou minha filha com curiosidade genuína enquanto saíamos do aeroporto. — O quê? Por que acha isso, minha filha? — É que você é um homem jovem, bonito, rico... deveria estar pelo menos com uma namorada. Aos 37 anos, havia construído minha vida em torno de duas coisas: a empresa que comandava com mão de ferro e a filha que, após anos morando com a mãe na Europa, finalmente voltava para mim. Desde o divórcio conturbado, havia me tornado um homem metódico, controlado, avesso a riscos emocionais. Nunca imaginei que a chegada de Olivia mudaria tanto. Reformei a mansão, preparei cada detalhe para que ela se sentisse em casa, e agora ela me confrontava com perguntas sobre minha vida amorosa inexistente. Como explicar que depois da dor do fracasso conjugal, relacionamentos se tornaram apenas breves capítulos em minha vida? — Olivia, o pai tem seus encontros, mas você me conhece, sabe que gosto de manter minha vida pessoal discreta. O que ela não sabia era que minha rotina perfeitamente alinhada estava prestes a ser abalada. Primeiro foi o esbarrão com uma jovem de cabelos loiros no campus da universidade, depois a notícia que Olívia havia feito uma amiga, uma tal de Kira, e agora planejavam juntas uma festa em nossa casa. — Vamos fazer tudo direitinho. Quanto à agarração... bem, isso é inevitável. É o que os jovens mais fazem hoje em dia. É normal, pai! Fechei os olhos e pressionei o osso do nariz com os dedos, tentando digerir aquelas palavras. O que nenhum de nós poderia prever é que essa festa, essa amizade entre Olivia e Kira, mudaria tudo. Como poderia imaginar que uma jovem de 21 anos, espirituosa, de visão de mundo oposta à minha, mexeria comigo de maneira tão avassaladora.
Ler maisO telefone vibra na minha mão, interrompendo meus pensamentos enquanto reviso alguns textos da faculdade. Ao ver o nome da minha irmã, Alina, meu coração aquece. Atendo com um sorriso antes mesmo de dizer alô.
— Kira! , ela exclama com uma animação que faz meus lábios se curvarem automaticamente.
— O que foi, Alina? Está explodindo de felicidade. — brinco, encostando-me ao sofá.
— Fui pedida em casamento! — grita, e eu quase consigo ver seu sorriso reluzindo do outro lado da linha.
— Não acredito! Alina, isso é maravilhoso! — respondo, sentindo minha felicidade genuína por ela atravessar a voz.
— Ele preparou tudo com tanto carinho, Kira… Era o pôr do sol, flores, e ele até tocou nossa música no violão. Foi perfeito…
A voz dela se embarga um pouco, de pura emoção.
— Você merece tudo isso e muito mais, irmãzinha. Estou tão feliz por você.
Conversamos por mais alguns minutos, ela me conta detalhes sobre o anel, sobre como se sente. Falo o quanto estou orgulhosa e mal posso esperar para ser sua dama de honra. Por fim, ela desliga com um “te amo” emocionado.
Permaneço com o celular na mão por alguns segundos após a ligação terminar. O silêncio ao meu redor é quase gritante agora.
Levanto-me e caminho até o espelho na sala. Olho para mim mesma, com a mesma expressão que me vejo tantas vezes, mas hoje há algo diferente.
Alina sempre foi uma romântica incorrigível, mas eu… bem, eu me tornei o oposto. Desde que cheguei à América, tinha sonhos de conquistar minha independência, de construir uma vida onde eu não dependesse de ninguém para ser feliz. Mas, no fundo, sei que essa decisão de seguir sozinha não nasceu apenas do desejo de ser forte, nasceu também de uma dor antiga.
Meus pensamentos se voltam para ele. Sergei. Meu amigo de infância, que um dia foi tudo para mim… e, de repente, foi o que mais me machucou. É engraçado como o coração humano pode transformar carinho em ferida. Ele não me traiu de propósito, mas quebrou a confiança que eu havia colocado nele de maneira irremediável. E, depois disso, eu decidi que o amor não era mais para mim.
Eu suspiro, forçando um sorriso ao ver meu reflexo no espelho. Minhas mãos alisam os fios claros do meu cabelo, e vejo nos meus próprios olhos um brilho determinado.
— Vamos focar nos seus estudos, Kira. — Digo com firmeza. — Você vai ser a melhor psicóloga que já existiu na América!
Dessa vez, meu sorriso é sincero. Porque, sim, eu tenho uma missão maior. Quem sabe, um dia, o amor volte a fazer sentido… mas hoje? Hoje é o meu sonho que fala mais alto.
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O telefone ainda está em minha mão, a linha já cortada, mas parece que o eco da voz de Amélia continua reverberando na minha mente.
— Noah, Olívia decidiu que quer morar com você. É definitivo.
As palavras dela ficaram gravadas, como um carimbo incandescente na minha alma. Minha menininha. Minha Olívia. Finalmente.
Por um momento, a emoção me invade com tanta força que sinto meu coração acelerar. Vou tê-la aqui, sob meu teto, na minha rotina. Não vou mais depender de ligações e viagens de férias. Mas logo a enxurrada de sentimentos é seguida por uma onda de incertezas.
Me encosto na cadeira e respiro fundo. Minha casa… nossa casa… precisa ser diferente. Não é apenas uma mansão moderna e impessoal, é um lar que precisa acolher uma adolescente de 19 anos. Ela não vai querer paredes frias de vidro e uma decoração minimalista como eu gosto. Penso em um quarto com almofadas coloridas, prateleiras com livros, talvez algumas plantas. Dou uma risada nervosa. Desde quando eu sei o que uma adolescente precisa?
Levo a mão à nuca e fecho os olhos por um instante. Minha mente corre solta. Como vou lidar com isso? Ser um CEO de uma multinacional exige cada segundo da minha atenção, mas criar uma adolescente… isso é outro nível de desafio. Penso em como seria mais fácil se eu tivesse alguém ao meu lado.
Uma mulher.
O pensamento é abrupto e me pega de surpresa. Uma presença que equilibrasse as coisas, que conhecesse nuances que eu jamais entenderia. Mas não há ninguém.
Solto um suspiro longo e cansado. Não posso me dar ao luxo de pensar em romances, não depois de tudo que aconteceu.
Amélia…
O nome dela é um fantasma que às vezes ainda me persegue. Foi uma paixão que começou quente e rápida como um incêndio… e terminou em cinzas frias e um divórcio doloroso. Ela era bonita, charmosa e envolvente, mas será que eu a amei de verdade? Ou fui simplesmente enfeitiçado por algo que parecia perfeito aos olhos do mundo?
Meu peito aperta com a lembrança das discussões, das mentiras e da distância que se instalou entre nós muito antes do fim oficial. Eu me afastei para não me destruir e ela seguiu em frente sem olhar para trás.
Mas agora, isso não importa mais. Minha vida inteira está focada na empresa e na fusão com os coreanos. Cada decisão, cada reunião, cada acordo… tudo para consolidar o legado dos Fitzgerald. Mas nada disso se compara ao que sinto ao imaginar minha filha entrando pela porta da frente.
Minha menininha.
Respiro fundo, permitindo-me um sorriso breve e esperançoso. Ela está voltando. Não vou ser perfeito, mas vou tentar. Vou aprender o que for preciso para ser um bom pai.
O que eu não sei , e nem poderia prever, é que minha vida está prestes a mudar de um jeito que nenhuma reunião ou estratégia de negócios poderia antecipar.
Dois anos se passaram desde aquele dia em que Noah encontrou um par de sapatinhos cor de rosa dentro de uma caixinha. Desde então, muita coisa mudou. Mas o que permaneceu foi o amor e a bagunça deliciosa que tornava a casa dos Fitzgerald um lugar mágico.O jardim, agora mais florido do que nunca, havia sido redesenhado por Bento. Literalmente. Em uma tarde artística de “reforma criativa”, o menino de cabelos dourados e imaginação infinita decidiu que toda a cerca precisava de desenhos. Agora, dragões, fadas, foguetes e o retrato da família com Noah de capa e Kira de coroa, enfeitavam o perímetro da casa.Mas a verdadeira protagonista daquele lar atendia por um nome que derretia corações:Clara.Clara Fitzgerald tinha olhos azul-claros como o pai, um sorriso encantador como o do irmão e a personalidade… bom, essa era 100% Kira com uma pitada de caos do Bento.Com um ano e oito meses, Clara já sabia três palavras com perfeição: “não”, “meu” e “papai”. Esta última, ela usava com mais ch
O sol de fim de tarde banhava o jardim da casa de Kira e Noah com uma luz dourada e cálida. As risadas das crianças ecoavam entre as árvores, o cheiro de bolo de fubá recém-assado escapava da cozinha, e o som distante de uma música animada completava aquele cenário perfeito que parecia retirado de um conto.Três meses se passaram desde o casamento de Olivia e Henry. O casal agora vivia o doce começo de uma vida a dois. Olívia, com seu jeito prático e intenso, já planejava a próxima lua de mel, desta vez, para explorar as paisagens da Islândia. Henry dizia que só topava se ela prometesse não tentar montar em nenhuma rena, ao que ela respondia que não garantia nada, desde que fosse “uma rena consensual”.— Somos oficialmente viciados em casamentos, luas de mel e… sexo em lugares gelados, ela brincava com Sophia, que a ajudava a organizar tudo.Kaleb e Sophia, por sua vez, surpreenderam a todos com um anúncio singelo e emocionante durante um almoço de domingo. Estavam grávidos. O primeir
O sol da manhã seguinte entrou devagar pelo quarto, filtrado pelas cortinas brancas que dançavam com a brisa suave. O quarto ainda tinha cheiro de flores, de velas apagadas e da noite intensa que Noah e Kira compartilharam não apenas de corpos, mas de promessas silenciosas sussurradas entre lençóis e beijos.Noah foi o primeiro a acordar. Ainda nu, com os braços envolvendo Kira, a respiração dela mansa contra seu peito. Ele não quis se mover de imediato. Ficou ali por minutos preciosos, apenas a observando, os cabelos bagunçados sobre o travesseiro, os lábios entreabertos. Linda, sua.Mas o pensamento seguinte o fez sorrir.— Nosso filho deve estar acordando neste exato momento… e provavelmente tentando vestir o gato da Savannah com uma gravata borboleta. — murmurou, em voz baixa.
O sol amanheceu preguiçoso naquela manhã, mas os pássaros estavam em festa. A casa de campo, onde o casamento de Olivia aconteceria, fervilhava desde as primeiras horas. Eram flores sendo posicionadas, garçons correndo com bandejas, vestidos de madrinhas sendo ajustados e penteados sendo refeitos pela terceira vez.Kira acordou com o som dos passarinhos misturado ao leve ronco de Noah, ainda com o braço pesado sobre sua cintura. Sorriu ao sentir o calor dele. Passou os dedos pelo rosto do homem que amava e sussurrou:— Hora de acordar, policial. Hoje sua filha vai se casar.Ele abriu um dos olhos, sonolento.— Já? Achei que tivesse mais uns cinco minutos de sono e pelo menos um café na cama…— Se você conseguir
O céu já dormia em silêncio, coberto de estrelas preguiçosas, e a casa de campo parecia suspirar junto com a noite. O ar trazia o perfume das flores da cerimônia já montada no jardim, e uma brisa suave entrava pelas janelas abertas. Na varanda, Kira ainda estava nos braços de Noah, o corpo encaixado perfeitamente ao dele, como se pertencesse ali como se sempre tivesse pertencido.A videochamada com Bento havia terminado, mas a imagem do loirinho continuava viva nos pensamentos de Kira. Ela encostava o rosto no peito de Noah, ouvindo o coração dele bater com calma. As palavras do filho ainda ecoavam:“Mamãe, dorme abraçada com o papai por mim?”Foi então que Noah inclinou o rosto e murmurou no ouvido dela, com a voz rouca, cheia de um humor travesso que fazia sua pele arrepiar:— Olha… eu sou um homem de palavra, e agora tenho uma promessa muito séria a cumprir…Kira sorriu, fechando os olhos com o calor da respiração dele na pele.— Promessa?— Nosso filho exigiu que eu dormisse abra
O relógio já passava das dez da noite quando Kira afundou no sofá da varanda da casa de campo, envolta por uma manta fina e o vento suave que soprava entre as árvores. O casamento de Olivia seria no dia seguinte, e embora tudo estivesse correndo bem, com flores posicionadas, ensaio geral feito e até as alianças já guardadas em segurança , o coração de Kira estava inquieto.Noah apareceu minutos depois, com duas xícaras fumegantes nas mãos. Entregou uma a ela, inclinando-se para beijar sua testa.— Chá de camomila e maçã, pra tentar te acalmar. Você está igual formiga em panela quente desde que escureceu.Kira soltou um riso curto, mas seus olhos não escondiam o que sentia.— É a falta dele. Estou acostumada a dormir com a respiração do Bento no quarto ao lado, com ele invadindo nossa cama no meio da madrugada pra dizer que sonhou com um leão que falava francês…— E que exigia panquecas às quatro da manhã. — Noah completou, rindo também.Ela suspirou fundo, envolvendo a xícara com amba
Último capítulo