Ximena Valverde Eu pensei em passar uns dias na casa dos meus pais, porque talvez lá, Alejandro tivesse um pouco de vergonha de vir atrás de mim. No entanto, ele aprovou minha mudança para o hangar de voos fretados, e melhor do que ele me incomodar no meu trabalho, era ele vir aqui em casa e a gente pôr uma pedra no assunto. Quero dizer, uma pedra no nosso relacionamento, porque o assunto ia demorar muito para ser encerrado.E como era de se esperar, um barulho de chaves me chamou a atenção e fui verificar. Alejandro estava entrando na minha sala, mas eu não queria brigar. — Desculpa ter entrado, seu pai disse que iria trocar a fechadura, mas você não o fez, então… — ele pareceu sem graça ao notar minha presença assim, logo de cara.— Eu estava na Granafly quando o chaveiro apareceu. Ele ficou de voltar à tarde, mas até agora não veio. — respondi secamente. — Não precisa, vou deixar as chaves que você me deu aqui, e fica tranquila que não fiz cópia.— Está bem, é só isso?— Não. Ta
Ximena ValverdeAinda era cedo quando a campainha tocou. De pijama e com os cabelos presos em um coque frouxo, caminhei até a porta com certa estranheza. Não esperava ninguém, muito menos a essa hora da manhã. Ao abrir, dei de cara com um entregador uniformizado, segurando uma caixa grande com o selo da Granafly estampado na lateral.— Para a senhorita Ximena Valverde. — disse ele, me entregando a encomenda.Mesmo achando isso estranho, recebi e assinei o recebimento com uma pontada de curiosidade. Estava se aproximando o Dia do Trabalhador, talvez a empresa estivesse distribuindo brindes comemorativos, o que seria bem comum. Devolvi um sorriso simpático ao rapaz, agradeci e fechei a porta, levando a caixa até a mesa da sala.O pacote era maior do que eu imaginava e pesado demais para ser apenas uma lembrancinha, com algo sólido dentro. Talvez uma peça decorativa, uma porcelana ou até mesmo um kit de escritório. Com cuidado, fui até a cozinha pegar uma faca, cortei a fita adesiva do t
Alejandro Albeniz Ximena chorou muito até soluçar abraçada a mim, com a cabeça recostada no meu ombro e eu afagava os seus cabelos desgrenhados. Não tinha muito o que fazer, a não ser envolvê-la em meus braços e tentar passar um pouco de conforto.Apesar de que precisava entender o que se passava ali, tinha algo estranho envolvendo a minha vida e a da Ximena, eu não queria parecer um louco conspirador, mas esse desaparecimento do Lito e o animalzinho aparecer morto, não parecia natural, como muitas outras coisas. Ximena me falou que ela se distraiu no dia em que ela quase foi atropelada, no entanto, não via firmeza em suas palavras, era hora de parar de pensar que tudo isso era uma infeliz coincidência e procurar ajuda especializada.Ela pediu que eu aguardasse um minuto e foi para dentro do banheiro, pelo barulho da água caindo, devia estar tomando banho. Tinha certas horas que a água batendo no corpo nos relaxava, devia ser essa meditação que ela fazia. O senhor Pedro não estava e
Ximena ValverdeO senhor Pedro, meu pai, parecia mais o grilo falante da minha consciência naquele instante. De braços cruzados, apoiado no batente da porta, ele me fitava com aquele olhar carregado de decepção e paciência, o que de certa forma me irritava ainda mais.— Você está sendo injusta, Ximena. — disse ele, com aquela calma impressionante que só meu pai tinha em momentos como esse, mas com uma firmeza que pesava mais do que qualquer grito.Senti minha garganta secar. Fechei os olhos com força, apertando as mãos contra as laterais da coxa. Não queria ouvir aquilo. Não queria admitir que ele estava certo. Eu já carregava culpa suficiente para me consumir, não precisava que ele esfregasse isso na minha cara.— Você disse coisas horríveis para ele. — continuou meu pai, com aquela voz grave que parecia ecoar dentro de mim. — E pior ainda, coisas que nem você acredita de verdade.Abri os olhos de novo, forçando-me a encará-lo, mas era difícil. Cada palavra dele era uma agulha penetr
Alejandro Albeniz Quando saímos do tribunal, o calor sufocante do início da tarde parecia não me atingir. Meu corpo todo vibrava de uma energia diferente — não era apenas o alívio da absolvição, era algo mais, algo que vinha da mulher ao meu lado, segurando minha mão com tanta força quanto eu segurava a dela.Paramos no estacionamento e eu olhei em volta, meio perdido.— Vim de carona com o Sepúlveda... — murmurei, coçando a nuca.Antes que eu pudesse pensar em qualquer solução, ela balançou as chaves diante dos meus olhos, sorrindo com timidez.— Vim com o carro que você me deu.O impacto dessas palavras me atingiu como um soco no estômago. Um soco bom, cheio de esperança.Ela não precisava dizer mais nada. Estava ali. De verdade. Comigo.Sem conter o impulso, segurei seu rosto entre as mãos e murmurei, quase em reverência:— Você veio no carro que eu te dei… Ela sorriu. Aquele sorriso. O sorriso que eu achava que nunca mais veria.— Sim. E dessa vez, estou aqui de corpo e alma. —
Alejandro Albeniz Estar com ela de volta era como poder respirar depois de muito tempo sufocado. Eu sei, estava parecendo um maricas pensando de um jeito tão brega e clichê. Mas diziam por aí que o amor enbobecia a todos, então por mais que eu achasse isso uma idiotice, acreditaria nisso.Deixamos o quarto arrumado por cima, jogamos nossas coisas no carro — o carro que eu tinha dado para ela, e que agora parecia marcar o início de uma nova história — e seguimos para a casa dela.O caminho foi tranquilo, coloquei uma música para tocar, a fim de acompanhar esse nosso novo momento, nosso recomeço. E estávamos muito felizes, sorrindo, eu, como sempre, fazendo minhas piadinhas que arrancavam gargalhadas dela. E como eu amava aquele sorriso, aquela risada gostosa. Mas em determinado momento, quando nos aproximávamos de sua casa, um silêncio pairou no ar, como uma certa tensão. Não era desconforto; acredito que assim como eu, ela também estava sentindo o peso de tudo o que ainda precisávamo
Ximena ValverdeDesde o momento em que Alejandro me convidou para o jantar na casa do pai dele, uma parte de mim já sabia que aquela não seria uma noite agradável.Eu hesitei. Deus sabe que eu hesitei.Mas ao ver a esperança nos olhos dele — aquela esperança boba e sincera que ele sempre demonstrava quando se tratava de recomeçar — não consegui dizer não. Segundo Alejandro, o senhor Albeniz queria se reaproximar. Tinha pedido desculpas e queria me conhecer oficialmente como sua nora. No pai dele, Alejandro confiava.Em quem ele não confiava era na Mercês.Mas honestamente, eu tinha lá minhas dúvidas sobre os dois. Porém, segundo ele, ela fazia parte do pacote e eu tinha que suportar. Ainda que ele tenha dito isso em meio a um sorriso amargo.E lá estava eu, vestida de forma impecável — um vestido verde-escuro com alças grossas, um decote em formato de coração e a parte da saia meio rodada, com algumas pinças. Nos pés, um par de scarpin pretos e os cabelos soltos devidamente penteados,
Alejandro Albeniz UM MÊS DEPOIS Nada me tirava da cabeça aquela maldita gravação — ou melhor, a falta dela. Nesses dias que se passaram, tentamos pôr em prática o que havíamos combinado. O resultado não saiu da maneira que gostaríamos, a ideia de ir atrás do sistema de segurança dos vizinhos foi boa, mas um pouco tardia. Aqueles que tinham câmeras de segurança em suas fachadas, foram solícitos em ceder as imagens, o problema é que a grande maioria tinha um armazenamento amador com apenas 48h e tinha passado bem mais do que isso, fazendo com que as imagens fossem perdidas. Raiva. Frustração. Eram esses os sentimentos que me corroíam por dentro. No entanto, nem tudo estava perdido. Uma câmera mais ao final da rua, posicionada sobre um antigo prédio comercial, capturou algo: um carro desconhecido estacionado em frente à casa dela, parando por alguns segundos no portão antes de arrancar em disparada. O problema era que a imagem estava distorcida, granulada... quase inútil a olho