Mundo de ficçãoIniciar sessão
PRÓLOGO
CHARLOTTE BROOKS
O crepúsculo daquela terça-feira tingia a sala de estar com tons alaranjados e cinzentos, filtrados pelas cortinas de linho claro. Era o final de um dia que, para Charlotte, começara e deveria terminar na rotina acolhedora de seus vinte e cinco anos: o cheiro de café passado, os risos estrondosos de sua filha e a promessa silenciosa de um amor que julgava eterno.
Charlotte estava na cozinha, terminando de lavar a louça do jantar, quando a porta da frente se abriu com uma força incomum. Roman, seu marido, um advogado de sucesso de trinta anos, entrou sem o costumeiro beijo na testa ou o "cheguei" murmurado. Em vez disso, a tensão em seus ombros largos era quase palpável, e seus passos o levaram diretamente ao quarto principal.
Intrigada, Charlotte o seguiu, parando no batente da porta. O ar ficou gelado no instante em que ela viu o que ele estava fazendo: o tweed cinza do seu melhor terno, camisas dobradas com pressa e alguns livros de cabeceira sendo jogados sem cuidado em uma mala de rodinhas que ficava, geralmente, guardada no sótão.
"Roman, o que está fazendo?" A voz de Charlotte era baixa, um fio de seda que hesitava em se romper.
Ele mal olhou para ela, o rosto frio, esculpido em uma rigidez que ela nunca tinha visto. "Estou indo embora, Charlotte. Não funciona mais."
A frase a atingiu como uma onda de gelo. Ela cambaleou para dentro do quarto, as mãos apertando a bainha de sua blusa. "Não funciona? Do que você está falando? Nós... nós temos uma vida, Roman! Temos a Milli!"
Roman fechou a mala com um clique seco, o som soando como uma sentença final. Ele se virou para ela, e havia uma espécie de cansaço cruel em seus olhos. "Estou sendo honesto com você. Estou apaixonado por outra pessoa. Ela é daqui do escritório, é simples assim."
"Outra pessoa?" O coração de Charlotte despencou em seu peito, uma dor física e sufocante. Lágrimas grossas começaram a rolar pelo seu rosto, manchando sua pele pálida. Ela deu um passo à frente e tentou tocar seu braço, mas ele se afastou sutilmente. "Por favor, Roman. Pense de novo. Não jogue tudo fora! O que fizemos de errado? Eu te amo... Eu te amo mais do que tudo."
Seu súbito choro era um apelo desesperado que costumava derreter qualquer resistência dele, mas agora, Roman era feito de pedra. "Não há o que reconsiderar. Eu já decidi. Eu sinto muito pelo que está sentindo, de verdade. Mas a minha vida... ela está em outro lugar agora."
Nesse momento, uma pequena figura apareceu na porta do quarto. Milli, de seis anos, vestindo seu pijama de dinossauros cor-de-rosa, parou ao lado da mãe. Ela tinha abandonado os blocos de montar no tapete da sala e, sentindo a vibração da discussão, havia subido as escadas. Milli agarrou a perna de Charlotte, o pequeno aperto firmando a mulher trêmula.
Os olhos azuis e inocentes de Milli se fixaram na mala, depois no rosto severo do pai. "Papai, para onde você vai com essa mala grande? É uma viagem de castelo?"
Charlotte engoliu o nó que quase a sufocava. Ela se ajoelhou, o joelho doendo no assoalho, e puxou Milli para um abraço apertado, inalando o cheiro de sabonete e infância dos cabelos da filha. Roman, parado na porta, parecia um estranho.
"Não, meu amor, não é um castelo," sussurrou Charlotte, lutando para manter a voz firme, forçando um sorriso que não alcançava seus olhos inundados. "O papai vai fazer uma... uma viagem de trabalho muito, muito importante. Ele vai ter que ficar fora por uns dias, mas logo, logo ele vai voltar, tá bom?"
Milli olhou para Roman, esperando uma confirmação. Ele hesitou por um instante, o único lampejo de dúvida cruzando seus traços impassíveis, mas a urgência de partir o venceu. Ele não disse nada. Simplesmente pegou a mala e se dirigiu à porta.
"Eu ligo para vocês," Roman murmurou, um adeus frio e vago que nem sequer soou como uma promessa. Ele saiu da sala, atravessou o corredor e desapareceu pela porta da frente. Não houve um último olhar para a esposa que chorava, nem um aceno para a filha confusa.
Charlotte permaneceu ajoelhada, a abraçando a filha com uma força desesperada, como se pudesse protegê-la do mundo que acabava de desmoronar. O vazio deixado por Roman era um frio cortante, enquanto o único som que preenchia a casa era o soluço abafado de uma mãe e a respiração suave de uma criança.







