Capítulo 6

Serafina Gmork

Ai minha Deusa! O que faço agora?

Cubro meu corpo com o casaco fornecido por ele e me abaixo para tentar acordá-lo.

Todos parecem indignados com isso.

Sempre soube que a anciã era intransigente quanto as regras na alcateia, mas deixar um homem morrer por isso é ir longe demais.

Por toda cidade se ouve uivos em comemoração ao fim de mais uma caçada.

— Você fez a sua escolha e terá que arcar com as consequências, criança. — De joelhos no chão e com a cabeça do humano em meu colo, olho para cima. A anciã passa por mim com uma evidente expressão de lamento.

— A partir de hoje você não faz mais parte da família Gmork. Não se atreva a usar esse sobrenome. — Meu pai para ao passar por mim.

— Use o desse seu marido nojento — minha irmã debocha agarrada ao braço de Lucien, que apenas ri da minha situação. Em nada se parece o garoto pelo qual me apaixonei.

— Que decepção! — é a vez da minha mãe. Eles vão embora, assim como todos ali, que antes me deixam um olhar de pena e decepção.

Só restam ali, a floresta, o homem desmaiado e eu. Lamentar não estar nos meus planos, não agora. Nesse momento, preciso salvar esse homem, mesmo sabendo que isso vai dar uma tremenda confusão.

Lembro o que sei sobre os humanos. De acordo com o que aprendi, nosso sangue os cura. Não é nada mágico e instantâneo, mas cura mais rápido que remédios de farmácia.

Rapidamente, corto a palma da mão e abro a boca dele. Coloco o sangue. Nada acontece.

— É, isso vai acontecer. Seja o que a deusa quiser.

Me curso e deixo as presas da minha loba aparecer. Mordo seu pescoço. O sabor agridoce é tão bom. Mordo a minha própria boca e deixo nosso sangue se misturar. Não demora nem dois minutos para ele abrir os olhos.

— Desculpe, tive que fazer isso para te curar.

Ele franze as sobrancelhas, sem entender. E eu pego a sua mão e coloco sobre a mordida.

Seus dedos tocam onde o mordi por alguns instantes, depois seguem para o meu rosto.

— Não chore, minha salvadora.

Nem percebi que estava chorando.

— Você não vai me chamar assim quando descobrir a enrascada em que entrou.

— Falo sobre o lobo ou sobre aquelas pessoas?

— Ambos. — Dou um sorriso nervoso. — Eu vou explicar tudo. Só preciso de um lugar para cuidar do seu ferimento e te contar algumas coisas que te fará duvidar da minha sanidade.

— Nada mais me assusta, minha lobinha.

— Veremos. — Solto um suspiro de exaustão. — Preciso pensar onde posso te levar.

— Há um lugar nessa floresta que um amigo me deixa usar. Lá você pode se aquecer e se alimentar. — Acho que faço uma careta porque ele sorri. — É limpo e organizado, fique tranquila.

Fico envergonhada, mas confesso que nem pensei sobre isso. Facilmente me esqueço que ele é apenas um mendigo.

— Me leva de novo. Eu te guio.

— Gostou de ser carregado, né? Folgado! — Sai de cima. Empurro ele e me levanto.

— Eu estou ferido. — Olho sua cara mais sem vergonha. Ele pode ser um mendigo que está com trapos fedidos, mas não impede que seja o homem mais lindo que já vi.

— Vire-se — digo. Ele entende que quero tirar o casaco e se vira.

— Eu já te vi nua e já te vi se transformar, se lembra?

— É diferente. Eu estava mais preocupa com sua condição. Mas vejo que está bem demais, já fazendo comentários idiotas.

Ele ri.

Ignoro, tiro o casaco e me transformo.

Antes que ele se vire, meus olhos de lobo enxergam o casaco no chão. Só paro de olhar quando ele vem e pega o tecido do chão. Me pergunto se tem valor pessoal para ele. Comprarei outro, limpinho e cheiroso. Se ele aceitar, serei a base para que alcance seu potencial. Agora, se decidir que meu mundo e suas regras são demais, implorarei a deusa que não o castigue pelo que fiz ao optar salvar um humano, quando deveria caçar um elo do destino.

O homem sobe em meu corpo lupino e vai indicando o caminho. É bem suspeito. Ele parece conhecer a floresta como a palma da mão. Será que vive por aqui?

Ele me pede que pare perto de alguns arbustos densos. Paro e me abaixo para que desça.

Jura que vai testar minha paciência? Rosno para ele, que estava apenas me olhando, como se esperasse a transformação.

Sob meu olhar de raiva, ele me dá o casaco e se vira com um sorrisinho cafajeste.

Me transformo novamente e me visto. Ainda assim, o olhar que recebo é bem luxurioso.

— Pode parar de me olhar assim? Está me deixando envergonhada.

— Desculpe. É que me perco em tanta beleza.

Essa resposta só piora a vergonha. O pior é que ele me atrai. Isso ainda vai dar muita confusão.

— Mostra onde temos que ir. — Finjo ignorar que seu olhar continua fixo em mim.

— Já chegamos. — Para minha surpresa, ele enfia uma mão no arbusto e abre uma porta que estava muito bem disfarçada. Sorri em minha direção.  — Bem-vinda ao seu lar provisório, minha Luna.

— O que disse? — o encaro desconfiada. A vergonha some. Por que ele usou essa palavra? O que sabe sobre nós? — Quem é você? É mesmo apenas um mendigo?

Desde que o encontrei na floresta, pela primeira vez sinto medo. Quando eu era criança, meus pais sempre contavam histórias sobre humanos que descobrem sobre nossa identidade e tenta nos capturar para testes em laboratório.

A desconfiança me faz dar um passo para trás.

— Entre, vamos conversar. — Nego com a cabeça, pronta para me transformar e fugir. — Deve ter roupa aqui. Acho que consigo me expressar melhor se estiver vestida. Essas suas pernas... — Como eu continuo parada, ele insiste. — Por favor, confie em mim dessa vez.

Minha deusa! Eu devo me ferrar hoje porque estou cogitando a possibilidade de entrar nesse lugar desconhecido.

— Não te farei mal. Juro pelos meus preciosos pais que estão muito distante.

Me convenço. Nunca fui muito racional mesmo.

— Vá na frente.

Com uma expressão séria, ele entra pela passagem. O sigo. O lugar é só um espaço entre um arbusto e outro. É o que acho, até que ele abre uma segunda porta oculta.

— É melhor você ir na frente. Acredito que não vá querer descer lances de escadas comigo esperando embaixo porque eu sou um pobre mortal e vou olhar.

O sentido das palavras impactam me deixando vermelha.

— Imbecil! — desço rapidamente. E meu queixo cai.  — Uau!

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