Coisas de Mulher

Entrar pela porta da frente do hotel sem qualquer tipo de disfarce era algo quase antinatural para Melody. Se fosse sincera consigo mesma — e ela raramente era, pelo menos em voz alta — fazia muito tempo que não passava pela entrada principal de lugar nenhum.

Suas chegadas, nos últimos anos, tinham o hábito de serem silenciosas, discretas, quase clandestinas. Portas de fundos, corredores de serviço, cozinhas fumacentas ou estábulos em silêncio eram sua zona de conforto. A entrada principal era território de outras mulheres, daquelas que podiam ser vistas, olhadas, julgadas... desejadas.

Mas agora, ali estava.

No centro do salão de Belmonte, sob a luz clara de fim de tarde e o som súbito de silêncio, vestida com um vestido improvisado de noiva, segurando o braço de Duncan Sinclair.

Casada.

Assinada.

Nome trocado.

O efeito foi imediato.

Todos os olhares se voltaram como se alguém tivesse atirado uma moeda no chão de madeira encerada.

O burburinho cessou com uma precisão quase cruel, e no vácuo que se abriu, a presença do casal preencheu o salão inteiro.

A notícia do casamento do xerife havia corrido pela cidade como fogo em mato seco — rápida, destruidora, impossível de conter.

E ali estavam eles. Carne e osso. Papel passado e tudo.

Melody sentiu os olhos da cidade como flechas em brasa contra sua pele exposta.

Encolheu-se, quase imperceptivelmente, contra o braço de Duncan. O gesto era mínimo, mas ele percebeu. Ele sempre percebia.

Inclinou o rosto na direção dela e sussurrou, com aquele tom que usava quando queria ser ouvido só por ela:

— Sra. Sinclair... erga a cabeça. Agora você tem o direito de andar de rosto erguido por onde quiser.

Ela não respondeu.

Era um direito que não sabia mais usar. Talvez nunca tivesse usado de verdade.

Anos escondendo o corpo sob roupas largas, a alma sob silêncios. Meses se escondendo no rancho. Dias trancada naquele quarto de hotel, como se o mundo fosse algo que ela só observava pela janela.

O peso era mais que simbólico. O queixo pesava como se segurasse o passado inteiro preso à garganta.

Duncan se aproximou mais uma vez. O hálito quente roçou a pele do pescoço dela com a intimidade de um gesto que ainda causava arrepios.

— Não me obrigue a carregar você até o quarto.

A ameaça era sutil, mas eficaz.

Ela o encarou, alarmada, enquanto seguiam em direção às escadas, os passos ecoando no chão de madeira como uma trilha sonora calculada.

— Você não se atreveria...

Ele não disse nada. Apenas a olhou com aquele jeito dele, que dizia tudo e mais um pouco. O tipo de silêncio que homens como Duncan dominavam com maestria.

Sem escolha, ou talvez porque começasse a entender que estava, enfim, escolhendo algo por si mesma, Melody ergueu o queixo.

A mão que repousava no braço dele ainda tremia, mas agora era uma tremedeira de quem aprende a andar em pé pela primeira vez.

Duncan assentiu com discrição.

A aprovação dele era um tipo de abrigo.

O caminho até o quarto foi rápido, mas parecia ter durado anos. Cada degrau era uma confissão. Cada passo, um reconhecimento público.

Quando a porta finalmente se fechou atrás deles, Melody largou o corpo sobre a cama com um suspiro longo, como quem solta uma sela depois de um dia duro no lombo do cavalo.

— Isso é muito mais difícil que tanger o gado... — murmurou, a voz abafada pelo colchão. — Quando voltamos pra casa?

Duncan ficou em silêncio por um momento.

Parou diante da janela, como se observasse o movimento na rua — mas Melody sabia que ele só estava se dando tempo.

Aquela pergunta...

Ela não tinha ideia do quanto ele queria ouvi-la.

— Amanhã, nas primeiras luzes do dia — respondeu por fim. — A venda do gado deu bons lucros. Já paguei os peões de fora, e eles decidiram ficar mais um pouco em Belmonte.

Sem o gado, a estrada fica mais leve.

Podemos cavalgar com calma... até apreciar a paisagem.

— Quem volta conosco?

— Bill, Billy, Ralf e Cal.

A não ser que você queira ficar. Fazer compras. Jovem senhora talvez precise dessas coisas de mulher.

Melody ergueu o rosto com uma sobrancelha arqueada.

— "Coisas de mulher"?

Você quer dizer tecidos, rendas, linha, agulhas?

— É.

— Já parou pra pensar que a camisa que você tá vestindo agora foi feita com essas "coisas de mulher"?

Talvez até pela Ida... costurada com paciência e carinho pra fazer você parecer menos um cavalo bravo e mais um homem apresentável?

Duncan cruzou os braços, os olhos verdes fixos nela com seriedade fingida. Mas o humor escapava pelas bordas do silêncio.

— Sempre são as coisas de mulher que fazem o homem se sentir inteiro.

Ela sorriu, de verdade dessa vez.

Um sorriso pequeno, mas verdadeiro — o tipo de sorriso que se sente no peito, não no rosto.

— Você está ficando bom nisso... — murmurou ela.

— Em quê?

— Em ser meu marido.

Duncan não respondeu.

Apenas caminhou até ela, tirou o chapéu com uma lentidão cerimonial, e o pousou na cadeira como quem encerrava o dia.

Sentou-se ao lado dela na cama, sem pressa.

Ela fechou os olhos.

Ainda tremia um pouco, mas era um tremor diferente. Algo que nascia do alívio. Da presença. Do fato absurdo de estar viva e casada e, contra todas as probabilidades, não arrependida.

Do lado de fora, a cidade seguia em alvoroço com os rumores.

Do lado de dentro, pela primeira vez em muito tempo, Melody se permitiu um instante de paz.

Mas ele ainda não tinha terminado.

— Pensando melhor — começou Duncan, em tom quase distraído, como se estivesse comentando sobre o tempo ou sobre a qualidade do sabão do hotel — não vamos partir amanhã.

Ela abriu os olhos devagar, desconfiada.

O que quer que ele estivesse planejando, nunca era simples.

— Como é?

Ele não olhou diretamente para ela. Estava observando o próprio chapéu, como se ali morasse a justificativa do universo.

— Vamos partir depois de amanhã. Você precisa de... tempo.

— Tempo?

— Pra lembrar como é conversar com gente. E não só comigo.

— Eu converso, Sr. Sinclair.

— Você resmunga. — Ele finalmente a encarou. — E murmura. E suspira. E olha pro chão como se ele fosse te salvar.

Ela cruzou os braços.

— Isso não é verdade.

— Você ficou três dias sem sair do quarto.

Três. E eu vi você se esconder atrás de uma estante quando a camareira bateu na porta.

Ela virou o rosto, tentando disfarçar um sorriso.

— Era um carrinho de chá barulhento. Pensei que fosse um tiro.

— Um tiro... com pires e bule? — ele arqueou a sobrancelha. — Não insulte minha inteligência.

— Senhor, não insulte minha sensibilidade.

— Meu ponto é: conversar com um ou dois comerciantes na cidade não deve ser pior do que enfrentar um puma.

Melody bufou, sentando-se na cama com as pernas cruzadas.

— Eu não enfrentei o puma. Você atirou nele antes que eu descesse da árvore.

— Sim. Mas ficou la firme e forte defendendo minha menina aos berros.

Só por isso já ganhou direito a comprar tecido sem desmaiar.

Ela o olhou com fingida indignação.

— E se eu não quiser ficar?

— Então ficamos do mesmo jeito.

Eu sou seu marido agora. Posso me dar ao luxo de ser teimoso em dobro.

Ela o observou em silêncio por um longo momento.

Ele estava diferente desde o casamento — ou talvez não. Talvez ela só estivesse vendo com mais clareza.

Duncan nunca foi dado a grandes gestos. Mas havia uma firmeza ali, uma gentileza crua, que se tornava visível nas escolhas pequenas.

Como essa.

— E você? — ela perguntou, baixando o tom. — Está confortável aqui?

— Eu?

— Ele se recostou na cadeira, cruzando os braços. — Não. Odeio esse colchão. Não gosto do cheiro do corredor. E o cozinheiro exagera no vinagre.

— Então por que ficar?

Ele deu de ombros.

— Porque você precisa.

E porque é assim que funciona agora.

Você me aguenta quando eu estiver insuportável, e eu te seguro quando você quiser sumir.

Ela sorriu de leve.

— Não é isso que os votos dizem.

— Ainda bem. Ou eu teria fugido da cerimônia.

— Covarde.

— Casado.

Silêncio de novo. Mas era um silêncio mais macio, menos pontudo.

— Tudo bem — ela cedeu, por fim. — Dois dias.

Mas não me peça para comprar chapéus com penas ou espartilhos floridos.

— Já é um começo.

E se comprar fitas, prometo não comentar.

— Você vai comentar sim.

— Claro que vou.

Ela se levantou devagar e caminhou até a penteadeira, observando o próprio reflexo.

Ainda era ela — mas algo havia mudado.

Talvez a linha do pescoço estivesse mais reta.

Talvez o peso nos ombros estivesse um pouco mais leve.

Ou talvez... só talvez... aquele quarto de hotel, com cheiro de lavanda velha e lençóis usados, estivesse começando a parecer menos uma prisão e mais um entreposto.

Um lugar de passagem.

Antes do retorno.

Antes de casa.

— Posso te pedir uma coisa? — ela perguntou, sem se virar.

— Sempre.

— Quando voltarmos, eu quero... fazer algo no rancho. Algo que seja meu.

Duncan não respondeu de imediato. Apenas observou.

— Tipo o quê?

— Não sei ainda. Um galinheiro. Uma horta. Um canto com flores. Um espaço só meu.

Ele sorriu, discreto.

— Só não me peça pra cuidar de galinhas.

— Você vai cuidar.

— Não vou.

— Vai sim.

— Sra. Sinclair...

— Sr. Sinclair...

A pausa se prolongou, e então os dois riram.

Não alto, nem teatral — riram como quem alivia a tensão das costuras depois de um dia duro.

A cidade de Belmonte podia espiar, cochichar e especular à vontade.

Eles voltariam para casa.

Mas não amanhã.

Eles tinham mais um dia para existir ali, entre o escândalo e a possibilidade.

Mais um dia para aprender, juntos, a serem vistos.

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