Entrar pela porta da frente do hotel sem qualquer tipo de disfarce era algo quase antinatural para Melody. Se fosse sincera consigo mesma — e ela raramente era, pelo menos em voz alta — fazia muito tempo que não passava pela entrada principal de lugar nenhum.
Mas agora, ali estava.
O efeito foi imediato.
Melody sentiu os olhos da cidade como flechas em brasa contra sua pele exposta.
Inclinou o rosto na direção dela e sussurrou, com aquele tom que usava quando queria ser ouvido só por ela:
— Sra. Sinclair... erga a cabeça. Agora você tem o direito de andar de rosto erguido por onde quiser.
Ela não respondeu.
O peso era mais que simbólico. O queixo pesava como se segurasse o passado inteiro preso à garganta.
Duncan se aproximou mais uma vez. O hálito quente roçou a pele do pescoço dela com a intimidade de um gesto que ainda causava arrepios.
— Não me obrigue a carregar você até o quarto.
A ameaça era sutil, mas eficaz.
Ela o encarou, alarmada, enquanto seguiam em direção às escadas, os passos ecoando no chão de madeira como uma trilha sonora calculada.
— Você não se atreveria...
Ele não disse nada. Apenas a olhou com aquele jeito dele, que dizia tudo e mais um pouco. O tipo de silêncio que homens como Duncan dominavam com maestria.
Sem escolha, ou talvez porque começasse a entender que estava, enfim, escolhendo algo por si mesma, Melody ergueu o queixo.
Duncan assentiu com discrição.
O caminho até o quarto foi rápido, mas parecia ter durado anos. Cada degrau era uma confissão. Cada passo, um reconhecimento público.
— Isso é muito mais difícil que tanger o gado... — murmurou, a voz abafada pelo colchão. — Quando voltamos pra casa?
Duncan ficou em silêncio por um momento.
— Amanhã, nas primeiras luzes do dia — respondeu por fim. — A venda do gado deu bons lucros. Já paguei os peões de fora, e eles decidiram ficar mais um pouco em Belmonte.
— Quem volta conosco?
— Bill, Billy, Ralf e Cal.
Melody ergueu o rosto com uma sobrancelha arqueada.
— "Coisas de mulher"?
— É.
— Já parou pra pensar que a camisa que você tá vestindo agora foi feita com essas "coisas de mulher"?
Duncan cruzou os braços, os olhos verdes fixos nela com seriedade fingida. Mas o humor escapava pelas bordas do silêncio.
— Sempre são as coisas de mulher que fazem o homem se sentir inteiro.
Ela sorriu, de verdade dessa vez.
— Você está ficando bom nisso... — murmurou ela.
— Em quê?
— Em ser meu marido.
Duncan não respondeu.
Ela fechou os olhos.
Do lado de fora, a cidade seguia em alvoroço com os rumores.
Mas ele ainda não tinha terminado.
— Pensando melhor — começou Duncan, em tom quase distraído, como se estivesse comentando sobre o tempo ou sobre a qualidade do sabão do hotel — não vamos partir amanhã.
Ela abriu os olhos devagar, desconfiada.
— Como é?
Ele não olhou diretamente para ela. Estava observando o próprio chapéu, como se ali morasse a justificativa do universo.
— Vamos partir depois de amanhã. Você precisa de... tempo.
— Tempo?
— Pra lembrar como é conversar com gente. E não só comigo.
— Eu converso, Sr. Sinclair.
— Você resmunga. — Ele finalmente a encarou. — E murmura. E suspira. E olha pro chão como se ele fosse te salvar.
Ela cruzou os braços.
— Isso não é verdade.
— Você ficou três dias sem sair do quarto.
Ela virou o rosto, tentando disfarçar um sorriso.
— Era um carrinho de chá barulhento. Pensei que fosse um tiro.
— Um tiro... com pires e bule? — ele arqueou a sobrancelha. — Não insulte minha inteligência.
— Senhor, não insulte minha sensibilidade.
— Meu ponto é: conversar com um ou dois comerciantes na cidade não deve ser pior do que enfrentar um puma.
Melody bufou, sentando-se na cama com as pernas cruzadas.
— Eu não enfrentei o puma. Você atirou nele antes que eu descesse da árvore.
— Sim. Mas ficou la firme e forte defendendo minha menina aos berros.
Ela o olhou com fingida indignação.
— E se eu não quiser ficar?
— Então ficamos do mesmo jeito.
Ela o observou em silêncio por um longo momento.
— E você? — ela perguntou, baixando o tom. — Está confortável aqui?
— Eu?
— Então por que ficar?
Ele deu de ombros.
— Porque você precisa.
Ela sorriu de leve.
— Não é isso que os votos dizem.
— Ainda bem. Ou eu teria fugido da cerimônia.
— Covarde.
— Casado.
Silêncio de novo. Mas era um silêncio mais macio, menos pontudo.
— Tudo bem — ela cedeu, por fim. — Dois dias.
— Já é um começo.
— Você vai comentar sim.
— Claro que vou.
Ela se levantou devagar e caminhou até a penteadeira, observando o próprio reflexo.
Ou talvez... só talvez... aquele quarto de hotel, com cheiro de lavanda velha e lençóis usados, estivesse começando a parecer menos uma prisão e mais um entreposto.
— Posso te pedir uma coisa? — ela perguntou, sem se virar.
— Sempre.
— Quando voltarmos, eu quero... fazer algo no rancho. Algo que seja meu.
Duncan não respondeu de imediato. Apenas observou.
— Tipo o quê?
— Não sei ainda. Um galinheiro. Uma horta. Um canto com flores. Um espaço só meu.
Ele sorriu, discreto.
— Só não me peça pra cuidar de galinhas.
— Você vai cuidar.
— Não vou.
— Vai sim.
— Sra. Sinclair...
— Sr. Sinclair...
A pausa se prolongou, e então os dois riram.
A cidade de Belmonte podia espiar, cochichar e especular à vontade.
Eles tinham mais um dia para existir ali, entre o escândalo e a possibilidade.
Mais um dia para aprender, juntos, a serem vistos.