A moto ronca sob meus pés enquanto desço a rua, os faróis cortando a escuridão como navalhas. Isabela se agarra a mim, a respiração dela quente contra minhas costas, tentando esconder o medo, ou o desejo, que a consome. Ela tenta parecer forte, mas eu sinto a tensão no corpo pequeno dela. Está assustada. Curiosa. E, principalmente, vulnerável.
Exatamente como eu queria. Paro a moto em frente à casa dela, desligando o motor com um gesto lento, quase preguiçoso. O silêncio da noite pesa ao nosso redor. A cidade lá fora vira ruído de fundo. Nesse momento, só existimos eu e ela. Desço da moto primeiro, e viro para encará-la. Ela hesita. Mas no fundo, já sabe que não tem saída. — Chegamos. — minha voz sai mais grave, carregada de uma promessa que ela ainda não entende. Isabela me olha, os olhos arregalados e confusos. A incerteza dela é como gasolina no meu sangue. Eu não penso em suavizar, em amenizar. Nunca fui feito para ser o porto seguro de ninguém. Eu sou a tempestade. Me aproximo, reduzindo a distância entre nós até que ela sinta minha presença como um peso. Minha mão alcança o queixo dela, levantando seu rosto com uma delicadeza que contrasta com toda a tensão que vibra entre nós. — Não precisa ter medo. — murmuro, e a palavra "medo" sai mais como uma provocação do que como conforto. Porque medo é bom. Medo mantém ela alerta. Medo vai fazer ela se lembrar que, a partir de agora, não tem mais controle. Ela me encara, os olhos tentando se manter firmes. Tenta resistir. Tenta ser forte. Mas o corpo dela a trai, a respiração acelerada, a leve mordida no lábio inferior, a mão tremendo de leve. Ela não está apenas aqui. Ela já é minha. Sem dar espaço para dúvidas, me inclino e a beijo. Um beijo bruto, cheio de posse, sem pedir licença. Nada de toques suaves ou ternura. Meu beijo exige, toma, marca. Sinto o choque inicial, o corpo dela endurecendo contra o meu, e então a inevitável rendição. Isabela tenta empurrar meu peito, mas a força dela é fraca, quase inexistente. A boca dela se abre sob a minha, faminta, desesperada, tão perdida quanto eu queria que estivesse. Minha mão desliza para a nuca dela, puxando com firmeza, dominando. A intensidade cresce, o calor entre nós se torna insuportável, como se o próprio ar estivesse em combustão. Quando finalmente me afasto, deixo nossos rostos próximos, nossas respirações misturadas. O rosto dela está corado, os olhos turvos, os lábios vermelhos e inchados. Ela tenta recuperar a pose, mas já era. — Isso não muda nada. — ela sussurra, a voz fraca, quase suplicante. Sorrio. Um sorriso lento, cruel. — Não, pequena. — minha voz é uma ameaça disfarçada de promessa. — Isso só vai ficar melhor. Porque eu não planejo parar. Eu mal comecei. (…) Dias depois... Os dias passaram como um borrão sujo, e, mesmo tentando, eu não conseguia tirar aquele maldito beijo da cabeça. Era como uma droga, e eu estava viciando sem perceber. Lucas tinha se infiltrado na minha pele, nos meus ossos, na parte mais suja da minha mente, onde a lógica não existia. Ele não apareceu depois daquela noite, mas isso não queria dizer que tinha ido embora. Eu sentia ele. Como uma sombra que nunca desgrudava, esperando a hora certa para se materializar. E isso me deixava em alerta, inquieta, vulnerável. Sentei no pequeno quintal da casa da minha tia, os fones de ouvido tentando abafar o caos do morro e da minha cabeça. A música? Um ruído inútil diante da confusão que ele tinha instalado dentro de mim. O sol morria no horizonte, pintando o céu com um vermelho sangrento. Bonito. Cruel. Exatamente como ele. O rangido do portão cortou o ar pesado, e antes mesmo de ver, eu soube. Era ele. Lucas. Encostado na grade como se fosse dono do mundo, e de mim também. Um cigarro queimava entre seus dedos, e os olhos negros, predadores, me fatiavam sem pressa. Ele se alimentava do meu desconforto. Do meu medo. Da minha excitação disfarçada. — Tá me evitando por quê? — a voz dele era um veneno lento, a fumaça saindo de seus lábios como uma provocação. Cruzei os braços, tentando criar uma barreira imaginária entre nós. — Não estou te evitando. — menti, a voz mais fraca do que eu queria. Ele riu. Um riso baixo, debochado, que fez algo dentro de mim derreter e me odiar por isso. — Sei. — deu uma tragada lenta, os olhos nunca deixando os meus. — Então por que foge toda vez que me vê? Lucas largou a grade e caminhou até mim, cada passo pesado, firme, como uma sentença. Não pediu permissão. Nunca pediria. No mundo dele, permissão era fraqueza. Eu deveria ter levantado, entrado, trancado a porta. Mas não consegui me mover. Parte de mim queria ficar. Parte de mim queria ver até onde ele iria. Ele se agachou ao meu lado, os cotovelos apoiados nos joelhos, o rosto perto demais. O cheiro de cigarro, couro e perigo me envolveu. — Você pensa no beijo? — ele perguntou, sem filtro, sem vergonha. Minhas palavras morreram na garganta. Negar seria patético. Admitir seria suicídio. — Lucas... — tentei dizer algo, qualquer coisa, mas ele cortou o espaço entre nós com um olhar tão intenso que minhas defesas desmoronaram. — Para de se enganar, Isabela. — a voz dele era baixa, ameaçadora de tão certa. — Você já é minha. Só tá tentando lutar contra o que já perdeu. O ar parecia pesado, sufocante. Eu queria gritar, queria dizer que ele estava errado. Mas nós dois sabíamos que seria mentira. Ele se aproximou mais, o calor dele queimando minha pele. — Se eu te beijar agora, vai me empurrar? — murmurou, os olhos cravados nos meus como um golpe. Eu deveria. Deus, eu deveria. Mas o silêncio que saiu dos meus lábios dizia tudo. Lucas sorriu, aquele sorriso cruel de quem sabia que venceu. Devagar, ele se levantou, esmagou o cigarro no chão com o pé, sem tirar os olhos de mim. — Ainda não tá pronta. — disse, a voz como uma promessa sombria. — Mas vai estar. E quando estiver... vai ser tarde pra correr. E então ele se virou, me deixando ali. Sozinha. Quebrada. Louca. Esperando pelo momento em que ele voltaria para terminar o que começou. (…) Saí do quintal da tia dela com um gosto de sangue na boca. Isabela me queria. Eu vi nos olhos dela, senti na pele. Mas aquela porra daquela menina ainda tentava lutar, como se tivesse alguma chance de escapar do que eu já tinha decidido. Que perda de tempo. Eu tinha paciência. Até quando me convinha. Acendi outro cigarro enquanto descia o beco estreito, meus olhos varrendo o morro feito uma besta à solta. Aqui, se tu vacila, tu morre. Simples. Um moleque passou correndo, descalço, chutando uma garrafa rasgada. Mais adiante, duas senhoras cochichavam na calçada, fingindo não ver a merda toda que rolava debaixo do nariz delas. A favela nunca dorme, nunca esquece. Cheguei na boca. O cheiro era o mesmo de sempre: maconha, pólvora e o suor nervoso dos soldados. Reconfortante, de um jeito podre e viciante. Meus homens estavam espalhados, atentos, armados até o dente. Passei no meio deles como um rei passando por súditos, e todo mundo sabia quem mandava ali. — Playboy! — Nego Rato abriu aquele sorriso largo, os dentes de ouro reluzindo como troféus sujos. — Tava sumido, porra! — Tava resolvendo uns negócios. — larguei o cigarro no chão e esmaguei. Meus olhos já estavam na mesa, pilhas de dinheiro, sacos de pó, armas desmontadas. Um cenário perfeito. Pardal, sempre ressabiado, se inclinou para frente. — E a carga? — murmurou, quase sem mexer os lábios. Me joguei na cadeira, abrindo as pernas, dono da porra toda. E era mesmo. — Chega amanhã. Quero todo mundo no esquema. Nenhum vacilo, ou eu mesmo vou arrancar a cabeça de quem errar. — Passei a língua nos dentes, saboreando a tensão que se espalhou no ar. — E se a polícia encostar... vocês sabem. Queima tudo. Queima todo mundo se precisar. Eu não volto pra cadeia. Nunca mais. Eles assentiram. Não precisava repetir. Quem trabalha para mim sabe: errou, morre. Sem segunda chance. Peguei uma nota no meio da pilha e comecei a dobrar, distraído. Mas minha mente? Estava nela. No corpo dela. No gosto dela ainda grudado na minha boca. Isabela era meu próximo vício, e eu nem fazia questão de lutar contra isso. Ela podia correr, podia se enganar. No final? No final ela ia rastejar de volta para mim. Como todas as outras. Mas com ela ia ser diferente. Com ela, eu ia fazer questão de quebrar cada pedaço antes de reconstruir do meu jeito. Do meu jeito ou porra nenhuma.