Capítulo 5

Narrado por Mia Walker

O som enferrujado da tranca ecoou no pequeno banheiro quando Mikhail finalmente cedeu. Depois de horas — talvez dias, já tinha perdido a conta —, ele me permitiu usar o banheiro. Mas a sensação de alívio se dissipou rápido, substituída pela vergonha: ele permaneceu lá, me observando como uma águia faminta, cada movimento meu registrado naqueles olhos frios e afiados.

Tentei ignorá-lo, embora a humilhação queimasse minha pele. As lágrimas ameaçaram brotar novamente, mas me recusei a dar a ele mais esse prazer. Concentrei-me apenas em terminar e me recompor da melhor maneira possível.

Me aproximei do espelho quebrado pendurado na parede, encarando meu reflexo mutilado através dos cacos. Minha aparência era deplorável: os cabelos desgrenhados, a pele pálida com manchas vermelhas nos pulsos e tornozelos onde as amarras haviam mordido minha carne. Meus olhos, outrora vibrantes, pareciam vazios, apagados.

Passei a mão trêmula pelo rosto, tentando encontrar algum traço da garota que havia sido. Da estudante universitária que passava horas em cafés baratos estudando literatura enquanto fingia que tinha amigos verdadeiros. Talvez nunca tivesse tido, apenas presenças temporárias que amenizavam minha solidão.

O estalo seco da voz de Mikhail me arrancou desse lamento silencioso:

— Já terminou, boneca? — a impaciência impregnava cada sílaba.

Assenti, incapaz de encará-lo. Assim que passei pela porta, meu corpo cedeu. Tudo girou. A parede fria foi a única coisa que impediu minha queda.

— Merda... — ouvi Mikhail praguejar, segurando meu braço com força desnecessária para me manter de pé.

A dor no estômago era insuportável, como se minhas entranhas tentassem se devorar em desespero. Minha voz saiu fraca, quase um sussurro:

— Se quer me matar... faça logo. Não precisa me torturar com fome.

Meus olhos buscaram os dele, desafiadores apesar do cansaço. Por um segundo, vi algo quebrar naqueles olhos gelados. Algo que ele rapidamente mascarou com indiferença.

— Já fiz coisas bem piores do que deixar uma princesa morrer de fome. — ele disse com um meio sorriso cruel. — Mas não hoje.

Ele me puxou pelo braço, me guiando através de corredores escuros até uma cozinha. Ou o que um dia foi uma cozinha. O lugar estava em total decadência — armários caídos, azulejos rachados, o cheiro de mofo impregnado em cada superfície.

Sentei-me numa cadeira velha que rangeu sob meu peso fraco. Observei Mikhail enquanto ele remexia em armários, tirando pedaços de comida como se fosse uma tarefa tediosa. Seus movimentos eram ágeis, calculados — um predador acostumado a sobreviver entre ruínas.

Minutos depois, ele jogou um sanduíche improvisado e um suco de caixinha à minha frente.

— Coma. — ordenou, a voz dura.

A fome era uma faca em minhas entranhas, mas mesmo assim hesitei. Parecia errado aceitar algo vindo dele. Ainda assim, murmurei um “obrigada”, a palavra saindo amarga.

Mikhail se encostou na bancada, me observando comer. Senti seu olhar queimando minha pele, como se cada mordida fosse uma humilhação para nós dois.

Quando terminei, enxuguei a boca com as costas da mão, tentando ignorar o calor incômodo que subia pelo meu pescoço.

Ele suspirou pesadamente.

— Eu não sei mais o que fazer com você, boneca. — sua voz era um sussurro áspero, carregado de uma frustração que parecia tão antiga quanto ele mesmo. — Se eu te mantiver aqui enquanto aquele desgraçado do seu pai ainda respira... vai acabar explodindo. E a explosão... — ele se curvou para frente, os olhos fixos nos meus — vai recair toda sobre você.

Engoli em seco. Algo na forma como ele disse aquilo fez minha pele arrepiar.

— Talvez... — comecei, a voz falhando — talvez eu já tenha vivido o bastante em infernos. Antes... e agora.

Minhas palavras pairaram no ar, pesadas e tristes. E, surpreendentemente, vi Mikhail endurecer o maxilar, como se tivesse sido atingido por algo.

— Não precisa me poupar. — acrescentei, encarando-o de frente. — Você me odeia tanto assim?

Ele deu uma risada baixa, sombria.

— Odiar você? — repetiu, como se saboreasse a ideia. — Você é boa demais, Mia. Inocente demais. Um anjo caído no meio do inferno. — sua voz baixou ainda mais, rouca. — Você é uma tentação para homens como eu.

Minhas sobrancelhas se arquearam involuntariamente.

— Homens como você? — perguntei.

Mikhail se aproximou, até que pude sentir o calor de seu corpo irradiando contra o meu. Se ajoelhou diante de mim, nivelando nossos olhos, a tensão cortante entre nós.

— Monstros, boneca. — sussurrou, sua mão deslizando lenta e deliberadamente sobre meu joelho, como se estivesse marcando território. — Monstros que te caçariam até no submundo.

Minhas pernas tremeram, mas não de medo. Havia algo ali, uma força primal, feroz, que me chamava para dentro dele. Era insano. Ele era meu sequestrador. Meu inimigo. E ainda assim... meu corpo traía toda a lógica, respondendo ao seu toque, à sua voz rouca.

Seus dedos subiram mais, ameaçando ultrapassar o limite do permitido, e minha respiração se acelerou. Meus olhos ficaram presos nos dele, como uma mariposa atraída pelas chamas.

— Você tem medo de monstros, Mia? — sua voz era puro veneno doce.

— Tenho medo... — admiti, a respiração trêmula. — Mas não deles.

— Então de quem? — ele perguntou, inclinando a cabeça, seus lábios tão próximos dos meus que senti o roçar de sua respiração.

— De mim mesma. — confessei, quase num sussurro.

Mikhail sorriu — um sorriso lento, perigoso, que me fez estremecer.

— Isso... — ele rosnou — é mais perigoso do que qualquer coisa que eu possa fazer com você.

Ele se levantou abruptamente, como se precisasse se afastar antes que perdesse o pouco controle que ainda mantinha. Eu fiquei ali, tremendo, a pele latejando onde ele me tocou.

Por um longo momento, o silêncio caiu entre nós, carregado de tensão. Então, ele falou:

— Não pense que sua bondade vai me mudar, boneca. — sua voz era uma lâmina fria. — Eu sou feito de sangue, aço e promessas quebradas. Não existe redenção para mim.

Eu o encarei, vendo além das camadas de brutalidade. Vendo o homem que amava seu irmão, que enterrou seu melhor amigo em terra estrangeira, que me alimentou quando podia ter me deixado morrer.

— Talvez... — sussurrei — talvez você esteja apenas procurando algo para te salvar também.

Ele congelou, seus olhos escurecendo. Por um segundo, pensei que ele fosse me agarrar, me esmagar em sua fúria. Mas, em vez disso, ele apenas virou as costas, os punhos cerrados.

— Termine de comer. — ordenou, a voz tensa. — Amanhã... vamos ter muito mais para discutir.

Eu sabia que era uma promessa sombria. Mas, pela primeira vez em dias, não me senti completamente sozinha.

Porque, no fundo, talvez meu monstro também estivesse perdido no escuro.

E talvez... eu quisesse me perder com ele.

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