Capítulo 4

Narrado por Mikhail Petrov

O segundo dia amanhecia no cativeiro, se é que podia chamar aquela mansão velha e esquecida de algo tão sofisticado. O sol mal atravessava as janelas empoeiradas, e o silêncio era apenas quebrado pela respiração inquieta de Mia.

De onde eu estava, encostado na parede oposta, meus olhos não desgrudavam dela. O jeito como o corpo pequeno se encolhia no colchão improvisado, a pele clara marcada em tons vermelhos vivos — consequências da nossa última interação — me hipnotizava de uma maneira que eu odiava admitir. O calor subia pelas minhas veias feito veneno. Cada cicatriz, cada suspiro quebrado dela me instigava como gasolina sobre brasas vivas.

Maldição... Ela era bonita até mesmo na dor. E isso me irritava mais do que qualquer outra coisa.

Cruzei os braços, controlando a vontade absurda que ardia dentro de mim. Mia era um troféu de guerra, uma vingança contra o homem que me tirou tudo. Ela não era para ser desejada, não era para me fazer sentir nada além de desprezo e satisfação cruel. Mas a cada gemido contido, a cada movimento dela no sono conturbado, a batalha entre minha mente e meu corpo se tornava mais difícil de vencer.

A vela da noite anterior ainda queimava seus resquícios no canto do quarto, e o cheiro de parafina misturado ao suor impregnava o ar. Senti meu punho se fechar. Eu precisava sair dali antes que fizesse algo de que pudesse me arrepender.

Saí, batendo a porta atrás de mim com mais força do que deveria.

Caminhei até o térreo, onde o cheiro de mofo parecia menos opressor, acendendo um cigarro enquanto me deixava cair sobre o sofá rasgado.

Alguns minutos depois, ouvi o som do motor se aproximando na entrada. Mateo.

Levantei devagar, indo ao encontro do meu amigo. Assim que ele cruzou a porta, o peso da perda que compartilhávamos caiu entre nós feito uma bomba silenciosa.

— Está feito — disse ele, jogando as chaves sobre a mesa. — Dimitri está enterrado. Um cemitério local, nada que ele merecesse... mas foi o melhor que consegui.

Fechei os olhos por um instante, permitindo que a dor me atravessasse como uma faca. Dimitri deveria estar na Rússia, entre os nossos, não naquele buraco esquecido por Deus.

— Você fez o que pôde, irmão — murmurei, a voz rouca de raiva contida. — Obrigado.

Mateo assentiu, mas seu olhar, sempre tão firme, estava pesado.

— Sobre a garota... — ele começou, coçando a barba. — O pai dela... James Walter... ele nem sequer notou a ausência dela. Nem o irmão. Eles não moveram um dedo pra encontrá-la.

A informação deveria me deixar satisfeito, confirmar a ideia de que Mia era apenas mais um instrumento na minha vingança. Mas algo dentro de mim se retorceu. Como podia? Ela era sangue deles.

— Desgraçados — cuspi, jogando o cigarro longe. — Eles não merecem nem o ar que respiram.

Mateo apenas deu de ombros.

— Ela está nas suas mãos agora. — Ele sorriu de forma quase triste. — Tome cuidado pra não se perder no processo.

Antes que eu pudesse responder, um grito cortou o silêncio da casa.

Imediatamente, minha expressão mudou, endurecendo ainda mais.

— Você já pode ir — falei, seco.

Mateo, entendendo sem precisar de mais palavras, assentiu e desapareceu pela porta da frente.

Subi as escadas em passos pesados, a raiva me consumindo a cada segundo. Abri a porta do quarto com violência, vendo Mia encolhida no canto, os olhos arregalados e brilhando em lágrimas. O som da corrente batendo ecoou nas paredes.

Ela era frágil, quebrada... mas ainda ousava me desafiar com aqueles olhos.

Agarrei seu queixo com força, obrigando-a a me encarar.

— Que porra você quer agora, boneca? — rosnei, vendo-a estremecer.

Mia mordeu o lábio inferior antes de sussurrar:

— Eu... eu preciso usar o banheiro.

Minha mandíbula se contraiu. Maldito seja meu instinto de querer dar a ela qualquer respiro. Eu devia deixá-la ali, se mijando de medo, para aprender a nunca pedir nada.

Soltei seu rosto com brutalidade, dando um passo para trás.

— Você acha que tem o direito de exigir alguma merda aqui? — cuspi as palavras. — Acha mesmo que pode mandar em alguma coisa?

Ela ergueu o queixo, embora as lágrimas escorressem por suas bochechas sujas.

— Eu prefiro morrer do que continuar aqui — disse, a voz trêmula, mas decidida.

Soltei uma risada seca, cheia de crueldade.

— Isso aqui é apenas o começo, boneca. Você não tem direito a nada. Nem mesmo a morte, se eu não permitir.

O silêncio entre nós se tornou sufocante. A tensão era palpável, pesada como uma tempestade prestes a desabar.

Respirei fundo, tentando controlar a tempestade dentro de mim. Me aproximei novamente, dessa vez com menos violência, e me abaixei para ficar à altura dos olhos dela. Sussurrei, deixando cada palavra cortar o ar como uma faca:

— Seu pai sequer notou que você sumiu. Se você morrer aqui, Mia, não vai fazer falta a ninguém.

Ela piscou, as lágrimas borbulhando com mais força, mas não pela dor física. Era outra ferida que eu havia aberto. Uma mais profunda.

Abaixei a mão, soltando um suspiro pesado, um som mais de cansaço do que de raiva.

— Ele nunca notou a minha presença nesses vinte e um anos de existência mesmo — ela respondeu, a voz embargada, mas sem fraquejar.

Por um breve momento, algo dentro de mim rachou.

Minha mão, antes tão tensa, relaxou.

Nenhuma família é perfeita.

As palavras ecoaram em minha cabeça. Nenhuma família é perfeita, mas a que se constrói, essa sim, tem o poder de te salvar.

Eu e Dimitri tínhamos construído uma família juntos, um elo forjado no sangue e na dor. Algo que James Walter nos arrancou com as próprias mãos sujas.

Encostei a testa na dela por um breve instante, deixando o calor da pele de Mia me atingir, mesmo contra minha vontade.

— Família... — sussurrei. — Não é aquela que te dá o sangue. É a que escolhe lutar ao seu lado. A que não te abandona.

Levantei-me de súbito, recuando como se tivesse sido queimado.

Não podia me permitir suavizar. Não com ela. Não agora.

Antes que eu me arrependesse, saí do quarto, trancando a porta atrás de mim com um estrondo.

Mia ficaria ali. Isolada. Sozinha.

Assim como eu estive toda minha vida.

A diferença é que, para ela, talvez ainda houvesse salvação.

Para mim, era tarde demais.

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