Capítulo 3

Narrado por Mia Walker

Eu já tinha ouvido falar do inferno, lido sobre ele em livros, ouvido padres pregarem em igrejas lotadas. Mas nunca imaginei que o inferno pudesse ter cheiro de mofo, chão de terra batida e correntes frias que cortavam a pele. Nunca imaginei que o inferno seria solitário, cruel e silencioso como esse buraco onde eu estava enfiada. E que o demônio teria olhos tão azuis quanto o céu de inverno.

Minha infância nunca foi digna de contos de fada. Minha mãe morreu quando nasci, e o que sobrou para mim foi a presença fria de babás pagas e olhares carregados de indiferença do meu pai e do meu irmão mais velho. Cresci cercada de luxo, mas privada do que realmente importava: amor. E mesmo assim, mesmo agora, trancada nesse lugar imundo, algo dentro de mim insistia em acreditar que meu pai viria me procurar. Era irracional, talvez patético, mas era a única esperança à qual eu conseguia me agarrar.

Já tinha passado uma noite inteira e metade de um dia desde que aquele homem me arrancara da minha vida. Meus pulsos doíam de tanto puxar as correntes, meu estômago se contorcia em cólicas de fome, e meus lábios estavam rachados de sede. Ele havia me deixado aqui como quem esquece uma boneca quebrada em um canto escuro, sem comida, sem água, sem sequer olhar para trás. Eu estava exausta, mas o medo me mantinha acordada.

O ranger da porta me despertou de um torpor que não sabia ser sono ou desespero. A figura dele surgiu na penumbra, alta, ameaçadora, carregando uma vela acesa na mão. A chama tremeluzente jogava sombras dançantes nas paredes sujas, tornando tudo ainda mais macabro. Meu coração disparou, mas eu obriguei minha voz a sair.

— Qual é o seu nome? — perguntei, a garganta áspera como lixa.

Ele parou a poucos metros de mim, observando-me com aquela expressão de puro desprezo misturado com uma diversão cruel. A luz da vela iluminava metade do seu rosto, realçando a linha afiada do maxilar, os lábios curvados em um sorriso cínico.

— E por que diabos eu deveria te dizer? — retrucou ele, a voz grave e arrastada como veludo sujo.

— É injusto — rebati, tentando soar firme, mesmo que minhas pernas estivessem tremendo sob mim. — Você sabe meu nome. Eu mereço saber o seu.

Ele soltou uma risada baixa, debochada, que ecoou pelas paredes de pedra como um trovão sombrio.

— Boneca, o mundo nunca foi justo com você. Por que eu seria? — Ele deu um passo à frente, abaixando-se até ficar na altura dos meus olhos. — Mas, já que você pediu com tanto jeitinho... Mikhail.

O nome saiu dos seus lábios como uma sentença. Mikhail. Um nome bonito demais para um monstro como ele.

Tentei manter minha expressão neutra, mas era difícil diante daquele olhar predatório. Entre nós se desenrolou um diálogo estranho, quase sórdido, feito de farpas disfarçadas, provocações veladas. Eu evitava desafiá-lo diretamente. Não fazia parte de mim a natureza agressiva; minha defesa sempre foi a resignação silenciosa, a esperança estúpida de que, se eu me comportasse, as coisas não piorariam.

Mas no fundo eu sabia que ele não precisava de motivos para ser cruel. A maldade já corria em seu sangue.

Ele saiu tão repentinamente quanto entrou, deixando-me novamente sozinha no breu, a vela sendo a única testemunha do meu desespero. As horas passaram de forma indistinta, misturando-se em uma massa disforme de dor e cansaço, até que a porta rangeu mais uma vez.

Mikhail entrou, dessa vez com um sorriso que fez cada centímetro do meu corpo enrijecer. Na mão, além da vela, ele trazia algo que brilhou à luz: um canivete. Um arrepio percorreu minha espinha.

— Está na hora do seu castigo, boneca — murmurou ele, com uma doçura fingida que fez meu estômago revirar.

Tentei recuar, mas as correntes me mantinham presa como um animal encurralado. Ele se aproximou devagar, saboreando o medo que via nos meus olhos. Eu fechei as pálpebras com força, tentando me preparar para o que viesse.

O corte veio rápido, preciso, em minha coxa. Arregalei os olhos e soltei um gemido baixo de dor. Era suportável, como o arranhão de uma faca afiada. Eu podia lidar com isso. Eu podia aguentar.

Mas não foi o corte que me fez desejar morrer. Foi o que veio depois.

Mikhail inclinou a vela sobre a ferida aberta. A primeira gota de cera caiu com um chiado quase inaudível... e a dor explodiu como uma bomba dentro de mim. Gritei sem querer, a voz ecoando pelas paredes como um animal ferido. Era como se minha alma estivesse sendo arrancada do meu corpo em pedaços.

Ele sorriu. Um sorriso satisfeito, perverso.

— Tão sensível, boneca... — murmurou ele, pingando outra gota, e outra, e outra. Cada nova queimadura arrancava de mim uma súplica muda, uma lágrima teimosa.

Enquanto ele torturava minha pele, suas palavras escorriam como veneno:

— Você é mesmo linda... até chorando. Especialmente chorando.

Minha mente gritava para que eu o odiasse, para que me agarrasse ao nojo que sentia dele. Mas meu corpo... meu corpo era um traidor. Cada toque, cada palavra, cada olhar intenso, incendiava algo proibido dentro de mim.

O calor da vela parecia se espalhar para além do corte, aquecendo lugares que eu não queria que esquentassem. Eu odiava Mikhail com cada fibra da minha razão, mas meu corpo... meu corpo o desejava com uma força que beirava o insano.

Quando ele deslizou a mão áspera entre meus seios, o mundo inteiro pareceu parar. Meu coração bateu tão forte que doeu. Minha pele queimava de vergonha, de raiva... e de uma fome animalesca que eu não conseguia controlar.

Ele se inclinou até seu hálito quente roçar meu ouvido e sussurrou:

— Imagine o que eu poderia fazer se decidisse espalhar essa cera quente... por todo o seu corpinho...

Minha cabeça tombou para trás, em parte pelo desespero, em parte pelo prazer cruel que suas palavras prometiam. Minha intimidade pulsava violentamente, um tambor invisível clamando por algo que eu deveria odiar, mas que desejava como o ar que eu respirava.

Senti uma lágrima quente escorrer pelo meu rosto. Não era apenas dor física. Era o colapso da última muralha que eu havia erguido dentro de mim.

Mikhail se afastou lentamente, saboreando cada pedaço da minha humilhação como um gourmet que aprecia o prato mais sórdido.

— Você vai quebrar, boneca — disse ele, baixinho. — E eu estarei aqui para juntar cada pedaço.

Depois disso, ele saiu, deixando-me sozinha mais uma vez com minha vergonha, minha dor e o desejo sujo que ele havia plantado em mim.

Encolhi-me no chão sujo, tentando apagar a memória do toque dele, do calor dele. Mas era impossível. Mikhail estava dentro da minha pele agora. Dentro da minha cabeça. Dentro da minha alma.

E eu sabia, com o pavor crescente de quem entende que está perdida, que ele ainda não havia terminado comigo.

Não. Aquilo era apenas o começo.

O começo do fim de Mia Walker.

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