Narrado por Mikhail Petrov
O motor do carro roncava baixo enquanto eu observava a calçada do outro lado da rua. O final da tarde pintava Los Angeles com uma cor dourada que não combinava em nada com o que eu sentia por dentro. Apoiei o braço na janela aberta, o vento quente me acertando o rosto, enquanto meus olhos se fixavam nela. Mia Walker. Vinte e um anos. Estudante de literatura. Sem antecedentes criminais, sem ligações perigosas. Uma vida limpa, inocente... diferente de tudo que eu conhecia. Ela era, ironicamente, o oposto da podridão do sangue que corria em seu sobrenome. James Walker. O homem que matou meu irmão, mesmo sem sujar as próprias mãos. Meu peito ainda ardia com o gosto amargo da perda, mas enquanto via Mia caminhar pela rua, tão despreocupada, sentia uma outra coisa crescer dentro de mim. Algo quente. Algo sujo. Mateo tinha me avisado que seria assim. Disse que às vezes a vingança te arrastava para becos escuros da alma onde você nem sabia que podia chegar. E ali estava eu, observando uma menina-mulher que não tinha culpa nenhuma, pensando nas coisas que faria a ela. Mia ajeitou a alça da mochila no ombro e olhou o celular, rindo de alguma mensagem que recebeu. Inocente demais para este mundo. Inocente demais para mim. Eu deveria simplesmente puxá-la pela mochila e arrastá-la para o carro, mas havia algo perversamente delicioso em apenas observá-la por alguns minutos a mais, cultivando a tensão que rasgava minha sanidade. Ela seguiu para um beco estreito entre os prédios, encurtando caminho para casa. E foi ali que eu fiz minha jogada. Desci do carro, caminhei tranquilamente pela calçada, minhas botas batendo forte contra o chão de cimento rachado. Mia nem olhou para trás. Estava absorta demais no próprio mundinho. Me aproximei dela, rápido e silencioso. Quando estávamos quase lado a lado, murmurei, a voz carregada de veneno: — Algumas decisões mudam o rumo da nossa vida... ou a acabam. Ela parou, confusa, franzindo as sobrancelhas enquanto virava o rosto para mim. — O quê? — perguntou, a voz leve, sem um pingo de desconfiança. Minha mandíbula se retesou. Ela era mesmo ingênua. Aproveitei o segundo de distração para agir. Tirei o pano embebido em sonífero do bolso e, com a rapidez de quem já fez isso dezenas de vezes, tapei sua boca e nariz. Mia arregalou os olhos, debatendo-se, tentando gritar, mas sua força era pouca comparada à minha. Ela lutou, arranhou meus braços, mas já era tarde. Em questão de segundos, seu corpo amoleceu em meus braços. Segurei-a contra o peito, sentindo o calor suave dela contrastar com a frieza que eu carregava na alma. Ela era pequena. Frágil. Um brinquedo prestes a ser quebrado nas mãos erradas — e eu era exatamente isso. Olhei rapidamente ao redor. Nenhuma testemunha. Nenhuma câmera. Era por isso que eu escolhera aquele lugar, aquele horário. Planejamento era a diferença entre a vida e a morte. E eu não pretendia morrer antes de destruir a vida do homem que arruinara a minha. Levei Mia até o carro, depositando-a no banco de trás como se fosse um pedaço precioso de porcelana. Por um instante, hesitei, os dedos tocando de leve sua bochecha macia. — Isso vai ser um inferno — murmurei para mim mesmo, fechando a porta e acelerando para longe dali. A casa que escolhi ficava afastada, nas montanhas, cercada por árvores grossas e com a estrada praticamente abandonada. Era perfeita: isolada, fora do radar, sem sinais de telefone ou internet. Ali, ninguém ouviria Mia gritar, nem implorar. Dirigi em silêncio, ouvindo apenas a respiração irregular dela no banco de trás. Cada quilômetro que me afastava da cidade era como um peso caindo das minhas costas e outro, ainda maior, se acomodando no meu peito. Quando chegamos, estacionei o carro dentro da garagem abandonada e peguei Mia no colo novamente. O cheiro do sonífero ainda impregnava o ar. Levei-a até o quarto preparado: colchão no chão, correntes discretamente escondidas, a janela trancada com tábuas grossas. Um cativeiro digno do inferno que ela viveria. Deitei-a com cuidado, afastando uma mecha de cabelo do rosto dela. Mia se mexeu levemente, um gemido fraco escapando de seus lábios. — Dorme, anjo caído — murmurei, ajustando a corrente que prenderia seu tornozelo à parede. — Amanhã o seu pesadelo vai começar de verdade. Apaguei a luz e saí, trancando a porta atrás de mim. [...] O sol já rasgava o céu quando ouvi os primeiros sons. Batidas fracas. Um choro contido. Respiração acelerada. Abri a porta, deixando a luz fraca do corredor iluminar o quarto. Mia estava sentada no colchão, as pernas encolhidas, tentando entender onde diabos estava. Seus olhos castanhos, ainda pesados pelo efeito do sonífero, me encararam cheios de medo. — Onde... onde eu estou? — gaguejou, a voz trêmula. Inclinei o corpo contra a porta, cruzando os braços. — Num lugar onde ninguém vai te encontrar — respondi, a voz baixa, controlada. Ela puxou as pernas ainda mais contra o corpo, tentando se afastar de mim. — Você... você quer dinheiro? Meu pai vai pagar! — ela choramingou. Soltei uma risada seca. Ah, a ironia... — Dinheiro? — repeti, balançando a cabeça. — Não, Mia. Isso aqui não é sobre dinheiro. É sobre dor. Ela piscou, confusa, o pânico pintando seu rosto. — Por quê? Eu... eu não fiz nada! Me aproximei lentamente, cada passo meu fazendo Mia encolher ainda mais. — Às vezes, a gente paga pelos pecados que nem cometeu — disse, ajoelhando-me na frente dela, mantendo uma distância segura para que ela se sentisse ainda mais desesperada. Ela sacudiu a cabeça, as lágrimas já escorrendo pelo rosto. — Por favor... por favor, não me machuca — sussurrou, a voz quebrada. A raiva que eu sentia pelo seu pai queimava dentro de mim, mas ver aquela menina tão perdida, tão vulnerável, trouxe um nó estranho à minha garganta. Eu ri, não porque achava engraçado, mas porque se não risse, quebraria tudo ali mesmo. — Ah, docinho — murmurei, aproximando meu rosto do dela —, eu ainda nem comecei a te machucar. Ela tentou se afastar, mas a corrente no tornozelo tilintou, segurando-a no lugar. Mia olhou para a corrente como se só agora percebesse que estava presa. — Você é louco! Meu pai vai acabar com você! — gritou, tentando puxar a perna. Meu sorriso se alargou. — Seu pai? — sibilei. — Seu pai matou o meu irmão. Seu pai armou para ele. Fez com que o único sangue que eu tinha apodrecesse numa cela imunda enquanto ele ria de dentro da casa dele, com você, sua princesinha perfeita, vivendo uma vida sem preocupações. Mia parou de se debater. Apenas me olhou. Um olhar que misturava medo, confusão... e algo mais. Uma compreensão lenta, trêmula. — Eu não tenho culpa do que ele fez — murmurou. Acariciei o rosto dela de leve, a pele quente sob meus dedos ásperos. — Eu sei — sussurrei. — Mas sabe o que é mais divertido? É que eu posso fazer você pagar por isso mesmo assim. Ela gemeu baixinho, fechando os olhos. — Eu pensei em te matar rápido — continuei, a voz fria. — Um tiro. Talvez dois. Resolveria tudo. Mas então eu pensei... por que acabar com você tão rápido, se eu posso fazer você sofrer? Se eu posso brincar com você... quebrar você... pedaço por pedaço? Abri um sorriso sombrio. — Eu vou levar você ao limite, Mia. E quando você achar que não aguenta mais... eu vou trazer você de volta. Só pra quebrar de novo. E de novo. E de novo. Ela soluçou, cobrindo o rosto com as mãos. Aquilo deveria me satisfazer. Deveria apagar a dor. Mas em vez disso, só me fazia querer mais. Muito mais. Levantei-me, olhando-a de cima. — Dorme, Mia — disse, a voz rouca. — Amanhã o seu inferno começa. Fechei a porta devagar, trancando-a de novo. Encostei-me na parede do corredor, fechando os olhos. As imagens de Dimitri, sangrando naquela prisão de merda, invadiram minha mente. Isso era só o começo. E eu mal podia esperar para ver até onde Mia Walker conseguiria aguentar antes de quebrar por completo.Narrado por Mia WalkerEu já tinha ouvido falar do inferno, lido sobre ele em livros, ouvido padres pregarem em igrejas lotadas. Mas nunca imaginei que o inferno pudesse ter cheiro de mofo, chão de terra batida e correntes frias que cortavam a pele. Nunca imaginei que o inferno seria solitário, cruel e silencioso como esse buraco onde eu estava enfiada. E que o demônio teria olhos tão azuis quanto o céu de inverno.Minha infância nunca foi digna de contos de fada. Minha mãe morreu quando nasci, e o que sobrou para mim foi a presença fria de babás pagas e olhares carregados de indiferença do meu pai e do meu irmão mais velho. Cresci cercada de luxo, mas privada do que realmente importava: amor. E mesmo assim, mesmo agora, trancada nesse lugar imundo, algo dentro de mim insistia em acreditar que meu pai viria me procurar. Era irracional, talvez patético, mas era a única esperança à qual eu conseguia me agarrar.Já tinha passado uma noite inteira e metade de um dia desde que aquele homem
Narrado por Mikhail Petrov O segundo dia amanhecia no cativeiro, se é que podia chamar aquela mansão velha e esquecida de algo tão sofisticado. O sol mal atravessava as janelas empoeiradas, e o silêncio era apenas quebrado pela respiração inquieta de Mia.De onde eu estava, encostado na parede oposta, meus olhos não desgrudavam dela. O jeito como o corpo pequeno se encolhia no colchão improvisado, a pele clara marcada em tons vermelhos vivos — consequências da nossa última interação — me hipnotizava de uma maneira que eu odiava admitir. O calor subia pelas minhas veias feito veneno. Cada cicatriz, cada suspiro quebrado dela me instigava como gasolina sobre brasas vivas.Maldição... Ela era bonita até mesmo na dor. E isso me irritava mais do que qualquer outra coisa.Cruzei os braços, controlando a vontade absurda que ardia dentro de mim. Mia era um troféu de guerra, uma vingança contra o homem que me tirou tudo. Ela não era para ser desejada, não era para me fazer sentir nada além de
Narrado por Mia Walker O som enferrujado da tranca ecoou no pequeno banheiro quando Mikhail finalmente cedeu. Depois de horas — talvez dias, já tinha perdido a conta —, ele me permitiu usar o banheiro. Mas a sensação de alívio se dissipou rápido, substituída pela vergonha: ele permaneceu lá, me observando como uma águia faminta, cada movimento meu registrado naqueles olhos frios e afiados.Tentei ignorá-lo, embora a humilhação queimasse minha pele. As lágrimas ameaçaram brotar novamente, mas me recusei a dar a ele mais esse prazer. Concentrei-me apenas em terminar e me recompor da melhor maneira possível.Me aproximei do espelho quebrado pendurado na parede, encarando meu reflexo mutilado através dos cacos. Minha aparência era deplorável: os cabelos desgrenhados, a pele pálida com manchas vermelhas nos pulsos e tornozelos onde as amarras haviam mordido minha carne. Meus olhos, outrora vibrantes, pareciam vazios, apagados.Passei a mão trêmula pelo rosto, tentando encontrar algum traç
Narrado por Mia Walker Já era o terceiro dia no meu inferno particular.A noção de tempo havia se diluído entre paredes mofadas e o cheiro metálico de sangue impregnado em cada centímetro daquele lugar. As horas escorriam como tinta preta, e a luz do dia era apenas uma lembrança esquecida. Eu me sentia como um rato em uma gaiola invisível, sendo observado, testado… punida sem sequer saber por quê.Mikhail não me tocava mais com lâminas, mas suas palavras, seus olhares, suas ausências e presenças repentinas eram golpes silenciosos, desferidos com precisão cirúrgica. Cada silêncio dele era um grito abafado dentro de mim. A água vinha em goles contados. A comida, sempre fria, parecia só uma provocação. E o sono… esse era um privilégio que vinha acompanhado de pesadelos tão vívidos quanto a realidade.Acordei assustada, como das outras vezes. Encostei as costas na parede áspera, sentindo as farpas do concreto rachado rasparem contra minha pele. Meus olhos vagaram pelo cômodo escuro até o
Narrado por Mikhail Petrov Já era o quarto dia. Quatro malditos dias em que eu tinha me tornado um prisioneiro da minha própria armadilha. Ela continuava ali, deitada na cama, nua, os cabelos bagunçados caindo sobre o rosto, os pulsos ainda marcados pelo cinto. Tão frágil. Tão linda. E, ainda assim, tão perigosamente viciante. A mulher que eu havia prometido usar e destruir. Mas que agora... agora habitava meu inferno particular. Mia. Eu a havia corrompido. Tomado sua virgindade da forma mais brutal. Sem promessas. Sem romantismo. Só selvageria. Só domínio. E o mais desprezível de tudo... eu havia gostado. Porra, como eu havia gostado. Me sentei à beira do colchão, o cotovelo apoiado sobre o joelho, a cabeça mergulhada nas mãos. Eu podia ouvir sua respiração leve, lenta, quase inocente. Ela dormia como se não tivesse sido arrancada do mundo dela. Como se já tivesse se acostumado com a prisão que eu construí. Mas eu sabia que não. Aquilo era fingimento. Resistência. Ela era filh
Narrado por Mia WalkerMais um dia amanhecia naquele buraco esquecido por Deus, e, por um segundo, Mia acreditou que estava sonhando. A claridade tênue da manhã mal atravessava as cortinas grossas, e o silêncio era quase incômodo. Mas logo a realidade a alcançou, cortante como navalha. Mikhail entrou no quarto sem bater, como sempre fazia. Seus olhos carregavam uma expressão indecifrável, quase entorpecida, e sua voz veio fria e direta:— Levanta. Você vai embora hoje.Mia piscou devagar, tentando processar as palavras. Não sentia alegria, nem alívio imediato. Apenas uma pressão súbita no peito, como se algo estivesse prestes a ser arrancado à força de dentro dela.— Agora? — perguntou, a voz rouca do sono mal dormido.Mikhail não respondeu. Apenas a observou com aquele olhar de ferro fundido, duro e impenetrável. Ela se levantou em silêncio, ainda vestindo apenas uma camisa dele — a mesma que havia se tornado uma espécie de armadura improvisada nos últimos dias. A manga cobria parte
Narrado por Mikhail Petrov Matei um homem hoje.Não que isso seja novidade. É o que faço. É o que sou. Um fantasma, um sussurro entre assassinos, uma lenda silenciosa nos becos gelados da Rússia. Mas hoje... hoje foi diferente. Porque, ao puxar o gatilho, não senti o gosto da vitória. Não saboreei o alívio da vingança. Senti... vazio.Deixei Mia horas antes do disparo. Ainda podia sentir o cheiro dela no meu peito, na camisa que agora estava dobrada no banco traseiro da minha Porsche. Aquela garota maldita havia me desarmado, e isso me enojava. E me atraía.Mateo me ligou assim que deixei Mia em uma das ruas centrais de Los Angeles. O sol ainda nem havia esquentado o asfalto, e eu já estava de volta ao modo autônomo, frio, letal.— James vai estar no Tribunal de Justiça, às quinze horas. Tem uma entrada lateral reservada para figurões. Visitei um prédio a trinta metros dali. Vista livre, sem vigilância.— Posso fazer isso de olhos fechados — respondi. E podia mesmo. Já havia feito mu
Narrado por Mikhail PetrovO cheiro de óleo, pólvora e ferrugem impregnava o ar do porão. Uma sala enorme, com paredes de concreto rachado, estantes de metal abarrotadas de armas de todos os calibres e caixas marcadas com símbolos que o mundo nunca deveria conhecer. A luz amarelada piscava de tempos em tempos, criando sombras nas paredes que pareciam monstros se contorcendo no breu. Era o meu templo. Meu santuário. Meu esconderijo.Abaixei-me para examinar a mira de um dos rifles de precisão quando o celular vibrou no bolso da minha calça jeans surrada. O número na tela me fez franzir a testa. Nikita não ligava sem motivo. Peguei o telefone e atendi, sentindo uma tensão involuntária subir pela minha espinha.— Fala — minha voz saiu grave, seca.— Mikhail... — a voz do outro lado parecia hesitante, pesada — você precisa saber disso. É sobre o Dimitri.Fechei a mão em volta do telefone com força suficiente para fazer meus nós dos dedos ficarem brancos. Dimitri era tudo que me restava. M