Capitulo 2

Lavínia abre os olhos devagar. A luz fraca da televisão machuca sua visão, e ela fecha os olhos novamente. Respira fundo e sente uma dor quase insuportável percorrer todo o corpo.

Ela abre os olhos de novo e, desta vez, observa o quarto à sua volta. Percebe que está em um hospital e, ao olhar para o lado, vê sua mãe deitada em uma cama de acompanhante. Sabe como são os hospitais públicos da cidade e esse claramente não é um.

Pensa várias vezes se deve acordar a mãe ou não, mas decide deixá-la dormir, até porque está quase caindo no sono novamente.

Com a mente ainda confusa, tenta se lembrar do que aconteceu e como foi parar ali, mas o esforço causa uma dor de cabeça intensa. Levanta o braço e tenta levar a mão até a têmpora, mas a dor pelo corpo aumenta, fazendo-a gemer alto, acordando a mãe.

- Filha... Filha, graças a Deus você acordou!

A mãe pula da cama e liga a luz do quarto, fazendo os olhos de Lavínia queimarem. Sai do quarto e chama uma enfermeira. Assim que ela chega, começa a fazer muitas perguntas, mas a única que Lavínia consegue responder é sobre a dor.

- Por favor, preciso de um remédio.

- Onde dói mais?

- Não sei... Acho que a cabeça e o pé...

Ela fala com muito esforço, sentindo a garganta seca.

- Já vou te dar um remédio. Aguenta mais um pouquinho, tá bom?

A enfermeira diz enquanto ajusta algo no soro.

- O que aconteceu? Há quanto tempo estou aqui?

A enfermeira a encara, a preocupação estampada no rosto. O médico chega e examina suas costas e o pé. Assim que termina, a enfermeira explica que Lavínia não lembra do que aconteceu.

- Tudo bem, não tem problema. A pancada na cabeça foi muito forte. É normal que você não lembre de tudo nos primeiros dias, mas não se preocupe, a memória vai voltar aos poucos e logo você vai se lembrar de tudo!

Ele fala com um sorriso, tentando acalmá-la.

- Pancada? Que pancada, doutor? O que aconteceu?

- Filha, você cai da escada na casa do senhor Morgan...

Sua mãe diz, segurando levemente sua mão.

- Caí? Eu caí da escada? Ai, minha cabeça... Não lembro de nada...

Ela diz, a voz embargada. Começa a sentir que algo está errado, e isso a desespera. O médico pede calmantes e remédios para dor, e logo Lavínia cai em um sono pesado, sem sonhos.

Quando acorda novamente, vê Allister conversando com sua mãe. Eles estão um pouco afastados, sem perceber que ela acordou. Ela aproveita para ouvir a conversa e tentar entender o que acontece.

- Não se preocupe, dona Maria. Ela logo poderá ir para casa. Mas não esqueça o que combinamos: ela ficará na minha casa por uns dias, pelo menos até conseguir comer sozinha.

- Agradeço sua gentileza, mas tenho certeza de que ela ficará melhor em casa, com a família...

- Dona Maria, eu me sinto responsável pelo que aconteceu, então, por favor, deixe-me fazer minha parte para aliviar minha consciência.

Allister fala, e seu rosto transparece uma preocupação genuína. Uma preocupação que Lavínia sabe que é falsa, ela conhece muito bem aquele homem e sabe o quão bom ator ele é.

- Eu não vou...

Ela fala no impulso, chamando a atenção de ambos.

- Filha, há quanto tempo você está acordada?

- Acabei de acordar, mãe!

- Como está se sentindo?

Allister se aproxima, curioso.

- Dolorida e confusa. O que aconteceu, Allister?

Ela pergunta de forma seca. Nunca se atreve a falar assim com ele, mas sente raiva apenas de vê-lo, mesmo sem saber o motivo.

- Você cai da escada. A culpa é minha. Te apresso para se despedir de um convidado; você torce o pé e acaba caindo escada abaixo.

- E o corte na cabeça?

- Perto do final da escada há uma mesa de centro de vidro. Ao tentar se levantar depois da queda, você fica zonza e cai de costas sobre a mesa.

Ele responde de forma tão rápida que Lavínia sente a mentira. Sua mãe também percebe algo errado, mesmo sem demonstrar — talvez por isso não aceite que ele a leve para a fazenda novamente.

- Entendi. Pelo jeito, não terei alta tão cedo, não é?

Ela pergunta, quebrando o clima tenso do quarto.

- Parece que não, mas não se preocupe. Assim que sair, terá toda a assistência necessária para se recuperar.

- Eu não vou para a fazenda... Vou para casa com minha mãe!

Maria solta um suspiro de alívio ao ouvir a filha.

- Depois conversamos sobre isso. Agora preciso sair. Volto mais tarde!

Ele não dá tempo de rebater, pega o sobretudo e sai do quarto apressado.

- Mãe, há quanto tempo estou aqui?

- Uma semana. Os três primeiros dias você passa em coma induzido, e nos dois seguintes fazem testes enquanto você dorme e acorda.

- Eu me machuquei muito?

- Sim... Seu pé está quebrado, precisaram operar duas vezes: uma vez no pé e outra na cabeça. Fazem uma cirurgia de emergência para drenar um hematoma que pressiona seu cérebro. É sério, Lavínia. Muito sério. Colocam você em coma induzido por três dias para que o cérebro possa se recuperar sem riscos.

- Meu Deus, mãe... O que o senhor Morgan lhe contou?

- A mesma coisa que contou a você. Não dá detalhes, apenas diz que você sofreu um acidente e me trouxe para o hospital. Não sai daqui até confirmarem que você não corre risco de morte. Arcou com todas as despesas, mas...

Maria se cala, encarando a filha.

- Mas o quê, mãe?

- Tem algo errado nessa história... Quando ele me busca em casa, está imundo: pés sujos, descalço, calça puxada até perto dos joelhos, camisa preta coberta de terra seca e cabelo cheio de folhas e galhos. Achei que te encontraria assim também, mas você está impecável, com cheiro de shampoo caro e perfume que não é seu. Suas roupas só me entregam no dia seguinte, limpas e cheirosas. Sabe o mais estranho? Você cai em uma mesa de vidro, mas não tem um único corte...

Lavínia fica em silêncio. Isso é pior do que imagina.

- Não sei o que acontece, mas tenho certeza de que não é uma simples queda. E agora ele insiste em levá-la para a fazenda. Não vou permitir, não mesmo!

Ela olha para a mãe, visivelmente abalada, com olheiras profundas, mãos tremendo levemente, denunciando cansaço.

- Vou lembrar o que acontece. A senhora ouviu o médico: a perda de memória é temporária.

- Eu sei... E ele também...

Maria sussurra, como se tivesse medo de alguém ouvir.

- Como assim, mãe?

- Filha, você não acha estranha essa insistência para ficar na fazenda? Será que ele não quer garantir que você não se lembre de nada ou, se lembrar, não fale com ninguém?

Lavínia engole em seco.

- A senhora acha que ele quer me silenciar?

- Não sei, minha filha. Não posso afirmar sem saber o que acontece naquela noite, mas está muito estranho.

Lavínia se pergunta se Allister seria capaz de machucá-la. A resposta é: sim. Mas não pode deixar a mãe sequer imaginar algo assim.

- Mãe, fique tranquila. Conheço Allister. Ele realmente se preocupa. Talvez não tenha contado tudo porque quer que eu conte. Mas não se preocupe, confio plenamente no senhor Morgan!

Ela força um leve sorriso, tentando tranquilizar a mãe. O efeito funciona: Maria suaviza o olhar e sorri.

- Se você diz, eu acredito. Minha pequena jamais mentiria para mim!

Ela dá um leve beijo na testa de Lavínia, que morde a língua. Detesta mentir para a mãe, mas não vê outra saída.

O dia passa tranquilo e, perto da noite, Allister chega. Ele quer passar a noite com Lavínia para que Maria possa descansar em casa. No começo, a mãe se nega, mas Lavínia a tranquiliza, e ela aceita a proposta, saindo com a promessa de ligar se algo acontecer e de voltar ao amanhecer.

Assim que ela sai, Morgan se atira no sofá e a encara.

- O que foi?

Ela pergunta, desconfortável.

- Você não lembra de nada, mesmo?

Lavínia sente um arrepio percorrer a espinha.

- Não. O que exatamente preciso lembrar?

Ele a encara por alguns segundos. Quando parece que vai falar algo, a enfermeira chega no quarto, aplicando um remédio no soro de Lavínia. Ela começa a ficar sonolenta e adormece segundos depois.

No meio da noite, acorda confusa, tentando lembrar onde está. Olha para o lado e vê o abajur; depois, vê Morgan deitado na cama de acompanhante. Veste uma roupa simples: calça de moletom preta e camisa segunda pele justa, que evidencia os braços musculosos. Seu peito sobe e desce lentamente.

Lavínia observa melhor. Ele sempre tem características únicas: pele muito branca, veias visíveis, olhos profundamente pretos, dois abismos de arrogância e sedução. Sedução. Seu poder sobre as pessoas, principalmente mulheres.

Ela conhece seus truques: passar a mão nos cabelos incrivelmente pretos e sedosos e o sorriso de canto de boca, sua arma principal para quebrar o gelo. Mas com ela, já não funciona mais. Olha para o canto da cama e vê as cobertas enroladas.

"Esse homem não sente frio?"

Ela se pergunta, levantando os olhos para o rosto dele. Ela fica surpresa ao vê-lo acordado. Abre a boca para falar algo, mas percebe algo diferente: seus olhos estão totalmente brancos.

Como em um filme, a noite da festa vem à mente: ele se recusando a levá-la para casa, a estrada de chão vazia, os monstros e ele, Allister, transformado em uma daquelas criaturas.

O pânico toma conta de seu corpo. Sem saber de onde vem sua força, ela começa a gritar e tenta sair da cama.

Allister corre até ela e a segura. Ela se debate, mas ele é muito mais forte do que ela imaginava.

Logo, uma enfermeira chega e aplica algo no soro. Lavínia começa a perder as forças.

- Não se atrevam a contar isso para a mãe dela, entenderam? E preparem o terceiro andar. Vamos levá-la para lá!

Essa é a última coisa que Lavínia ouve antes de apagar novamente.

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