Capitulo I- Hendricks Valentim

Ser o representante da família Valentim, não é nada ruim. Apesar da rotineira agenda cheia, normalmente dormir em um lugar e acordar em outro, não há muito o que reclamar, negócios sempre fazem parte da rotina de um mafioso, seja de armas, drogas, bebidas, mulheres sempre há negócios, restando pouco tempo para visitar o meu avô, o único familiar que realmente se importa comigo.

—  Como ele esta essa semana? —  Chego a mansão Valentim perguntando ao seu acompanhante pessoal. Não permito que abra a porta do carro, tenho mania de limpeza, neste exato momento não faço ideia onde ele tenha colocado essas mãos. —  Apresentou um pouco de cansaço ao caminhar pelo jardim, diminuímos a caminhada de uma hora para trinta minutos, senhor Hendricks. —  Lamento, chegar a idade de sessenta e sete anos não parece ser uma atividade fácil, para quem bebeu e fumou bastante na sua juventude, além de ter perdido noites.

—  A alimentação? —  A cada passo que dou em direção ao enorme saguão estilo xadrez, sou seguido. —  Muito pouco senhor, mudamos as opções seis vezes somente esta semana, mas nada o agrada. —  Olho para o andar acima da escada, a cada degrau sabendo sobre uma informação do meu avô, para chegar ao quarto lhe ver deitado na cama com os olhos atentos num livro, os óculos de aros grossos, sério, o semblante de homem impaciente, aquele que se encontrasse o autor agora, neste exato momento lhe faria perguntas diversas.

Os cabelos grisalhos despenteados, a cabeça redonda parte careca a frente, os olhos negros indo de um lado a outro, a até soltar um longo suspiro de indignação. — Lembrou-se que tem avô Hendricks? —  É um daqueles dias que ele realmente está mal-humorado, sorrio, os dias não têm sido fáceis, mas vê-lo é minha tarefa mais possível a fazer. – Nunca me esqueci ou esquecer-me-ei de ti, nono. – Aproximo e beijo a sua mão, o anel de ônix negra é uma herança do seu pai, para ele.

—  Neto ingrato, passo dias fadigado neste quarto, se saio deparo-me com dúzias de incompetentes a todos os lados desta casa. —  Nego brandamente, o ar do quarto é escuro, pesado, tenso, ser um Valentim não, é algo fácil. —  Se ao menos você me desse um bisneto para...

—  Vovô novamente, esta conversa? Já disse que não pretendo me casar, pelo menos não acredito nessa ilusões criadas pelo homem, sou um homem de negócios, se houver algum homem interessado em pagar-me para aturar uma mulher… — – Ouço a sua risada prevalecer, ele compreende do que falo, amou a minha nona até os seus últimos dias finais de vida, para quem tem sorte há fé, mas nem todos tiveram o mesmo destino e vivem no mesmo mundo.

—  És de fato o Valentim mais abusado entre todos que conheço, Hendricks, desejando um alto dote para casar-se? —  Dou de ombros, ajusto a minha calça de alfataria, sentando-me corretamente a seu lado na cama. —  Como o senhor está? —  Seus olhos negros vagueiam pelo meu, me recuso a acreditar que a morte se aproximar, que algum dia ele irá me deixar. — – Morrendo Hendricks, estou...

—  Nono não fales besteira, ainda...

—  Se ao menos eu tivesse um bisneto, uma criança para me fazer companhia, um ser para alegrar a esta casa, seria uma ocupação, mas não há, meu único neto, recusar-me a dar-me herdeiros. —  Deslizo a mão entre os meus fios de cabelos negros, lisos, molhados, ao levar a ponta da língua ao lábio superior, acho o seu pedido mais absurdo que todos que poderiam acontecer. —  Os Valentim podem acabar em você, Hendricks, o legado dos Valentim, após você pode ser esquecido, jogado ao vento, por uma simples atitude egoísta sua.

—  Avô poderia pelo menos respeitar a minha vontade? O senhor fala de mim, mas só teve a minha mã... —  A sua tosse aumenta gradativamente, sem me deixar terminar de falar. Pego o copo, encho de água na cabeceira da sua cama, lhe ergo, fazendo beber em seguida. —  Garoto... garoto tolo! —  Seu mau-humor é registro notável entre todos, os empregados em geral.

—  O médico já disse que o senhor não pode se... —  Mal mente me deixa falar, o corpo que deixo em sua mão é atirado a uma distância, até que se espatifa no chão, dividindo-se em milhas de pedaços. —  Ele disse, ele disse que não posso me aborrecer, mas toda vez que olho para você só vejo um fracassado, do que adianta termos terras, poder, domínio, dinheiro, a família mais respeitada, mais requisitada de toda, San Donato, se somos apenas dois seu idiota.

—  Vovô... —  A sua maneira de virar-se me dando as costas é a forma que ele encontra para dizer que nosso assunto foi encerrado, ele não quer me ver não desta vez, não por hora. Afirmo ao constatar, todos sabem que não quero me casar, talvez ter um filho, mas isso é algo tão complicado, as mulheres com quem me envolvo geralmente estão por interesse, não que isso seja ruim, mas o interesse sempre prolonga para o casamento.

A maioria delas querem ser a senhora Valentim, que é como ser a primeira dama da cidade, dá explicações para onde, para voltar, quando, como, coisas que não quero e não estou habituado. —  Me liguem se precisar de algo, Adrian não o deixe sozinho, por favor, se ele perguntar por mim...

—  Senhor Hendricks, sabes que quando ele fica chateado com o senhor passa dias sem falar o seu nome, ele nem mesmo quer escutar. —  Suspiro fundo, meu avô é a única pessoa que amo na vida, que me preocupa, mas ele quer que eu renuncie a meus princípios pelos seus, não vejo problema algum em nossa geração acabar em mim, qual o problema? Outras virão, sejam elas Marques, Donatos, Donatianos, tantas outras.

—  Tudo bem, mas de qualquer maneira, me ligue, não quero ficar sem notícia… —  Ouvimos algo ser atirado no andar superior, e como é ordenado, Adrian me deixa corre escadas a cima, fico a espera para saber o que esta acontecendo, até que surge na porta, balança a cabeça, e os barulhos persistem. —  Me ligue caso precise de algo. —  Reafirmo, a família Valentim não foi nada que começou grande, a nossa árvore familiar nunca deu trabalho fazer ou falar sobre ela.

Para começar o meu bisavô, Francisco Valentim, casou-se com Hermínia Doravella, após o casamento, ela passou a ser propriedade da nossa família, não podia ir até a sua família, tiveram filhos, mas todos eles exceto pelo meu avô, o único a vingar, os demais morreram, somente anos após o casamento que descobriu que a nossa linhagem tinha parentesco com a linha dos pais da minha Bisavó, não que esta seja uma explicação cientifica, mas como dizem, pode ter sido, o fato de compartilharem o mesmo sangue.

O meu avô casou-se aos dezoito anos, com a sua primeira esposa Helena, dois anos após o casamento a mesma veio a falência, causa da morte, pneumonia, alguns meses depois, meu avô casou-se novamente, com a sua cunhada Franthesca, pelo menos era ex-cunhada, não demorou muito para que tivessem o meu pai Matteo Valentim, talvez tenha sido um caso de sorte, eles terem feito o meu pai, pois em seguida meu avô caiu doente, apesar de alguns alegarem ser uma maldição na família, após a caxumba, meu avô tornou-se infértil, mas quem levava a culpa pela infertilidade era a minha avó Franthesca, um homem do seu porte, jamais admitiria tal fraqueza.

O casamento do meu pai, fora duradouro,  doze anos, a minha mãe Amélia uma bela mulher, me lembro dela todas as noites sentada à beirada da cama escovando seus cabelos negros, lisos e ondulados repetidas vezes, antes de dormir, sempre disposta a me dá um beijo de boa noite, com um pequeno trecho de uma historinha para me fazer pensar até dormir, enquanto o meu pai, sempre correndo contra o tempo devido aos negócios, viajando, falando com homens diferentes, trazendo amigos estranhos para jantar, eles conversavam sobre negócios a noite inteira, tomando altas doses de licor.

A felicidade parecia reinar até ele entrar para o quarto, mesmo que eu estivesse dormindo, acordava com as saídas da minha mãe, isso se ele não vissem lhe buscar pelos longos e belos cabelos negros, meu pai era um doente, que ciumava dela de todas as formas. 

 

Só não sabia dizer ser louco por ela, lhe escutava gritar a noite, como algumas vezes, no retorno dele de viagem, assistir à forma violenta como ele rasgava seus vestidos floridos, lhe usando em qualquer lugar, aquilo para mim, era violência, até crescer e entender, que o meu avô pressionava meu pai por mais filhos, e o meu pai estuprava a minha mãe mesmo em seus dias que deveriam ser de repouso.

 

Eu fui gerado naquela violência, é o que acontece na maioria das famílias como a minha. Embora haja uma cerimônia e um título de esposa, junto a toda uma romantização, o casamento na máfia nada mais é do que uma violência com a unção do padre, eu cresci vendo a minha mãe limitada até o seu último dia de vida, eu sou parte da sua violência. Mesmo ela dizendo que me amava muito, sei que foi doloroso me ter, e me gerar.

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