Mundo de ficçãoIniciar sessão
Ponto de vista de Lívia
Seus lábios sensuais tocam levemente a borda da xícara de café. Acompanho cada movimento — o modo como ele sorve o líquido, como a língua toca o canto da boca — e sem perceber, mordo o lábio inferior. Droga. O sorriso que ele dá logo depois, me faz ficar molhada. — A baba está escorrendo no canto da boca — sussurra Caroline, a secretária do Dr. Emanuel Valadares, bem no meu ouvido. Levo um susto e olho para ela. Caroline está sorrindo. Desde que comecei a trabalhar na Advocacia Valadares, ela se tornou uma amiga. A empresa é antiga, tradicional, e carrega o peso de um sobrenome respeitado. — Um dia você ainda vai se meter numa encrenca se o Dr. Augusto Valadares te pegar secando o filho dele desse jeito — provoca ela, tentando conter o riso. Suspiro, derrotada. Ela tem razão, e eu sei disso. Volto meu olhar para o Dr. Emanuel. Ele se levanta da cadeira e estende a mão para cumprimentar o cliente. O sorriso largo que ele dá mexe com tudo dentro de mim. Eu sei que não deveria alimentar esperanças. Um homem da categoria dele nunca olharia para mim. Mesmo assim, é impossível controlar o que sinto. Praticamente todos os meus sonhos são com ele — e todos eróticos. Sempre o imagino me pegando de forma selvagem sobre a mesa de trabalho. Deus... estou me tornando uma pervẹrtida. Forço-me a voltar ao serviço, tentando sufocar a fantasia. A janela de vidro da sala de reuniões nos permite ver tudo. Ele caminha até a porta, acompanhando o cliente. Parado ali, se despede. Dr. Emanuel parece um deus grego — olhos verdes, cabelos loiros, traços europeus, um terno perfeitamente ajustado ao corpo. Qualquer mulher se derreteria por ele. — Bom dia, senhoritas — cumprimenta, segurando alguns papéis nas mãos enquanto passa por nós, a caminho do escritório que acabei de limpar. — Bom dia, doutor — respondemos em uníssono. Assim que ele vira de costas, não resisto e deixo o olhar deslizar até a curva perfeita de sua bunda nas calças sociais. — Lívia! Comporte-se, menina! — Caroline me repreende. Abaixo a cabeça, corando. — Desculpe... vou evitar na próxima vez. Ela ri, divertida, e pousa as mãos nos meus ombros com um toque solidário. — Você está precisando sair um pouco com algum rapaz legal. Suspiro de novo. Como, se maļ tenho tempo pra respirar? Quando chego em casa, só quero a cama. E quando tenho uma folga, pego diárias extras para juntar um dinheiro e, quem sabe um dia, comprar meu próprio cantinho. Volto à vassoura, varrendo a recepção. Termino atrasada, claro — culpa das minhas fantasias com o filho do chefe. — Você ainda é jovem — diz Caroline, antes de atender o telefone que toca na recepção. — Vai conhecer alguém que goste de você e vice-versa. Ela coloca o fone no ouvido: — Advocacia Valadares, bom dia. Aproveito a deixa para escapar dali e seguir para o próximo setor afim de finalizar o cronograma de hoje. A manhã passa rápido. Hoje consegui uma diária extra pela empresa terceirizada. Era para o Fernando ir, mas o carro dele quebrou, e o serviço era longe. O pagamento era bom — e eu precisava da grana. Mais uma sexta-feira trabalhando até tarde. Faz parte. Sacrifícios trazem recompensas. Despedi-me de Caroline. O Dr. Emanuel já tinha saído para o almoço. No estacionamento, encontro meu xodó: meu Celtinha preto. Comprei de uma autoescola que estava trocando a frota. De segunda mão, cheio de marcas, necessita de uns reparos aqui e ali, mas nunca me deixou na mão. Destravo a porta com um empurrãozinho na lateral. Jogo a bolsa no banco do passageiro, abro a marmita e como ali mesmo, no carro. Depois de ligar o motor, sigo viagem até o endereço do meu serviço extra. A casa ficava fora da cidade — duas horas e meia de estrada. Diziam que era só lavar alguns cômodos e limpar a garagem. Mas “alguns cômodos” podiam ser muitos cômodos... Suspiro. Vai ser puxado. Pelo menos o carro é econômico — senão metade do pagamento iria em gasolina. Quando começo a me aproximar do local, um arrepio sobe pela espinha. A estrada é deserta, cercada por árvores dos dois lados. Nenhum carro, nenhuma alma viva. Por um instante, penso se o dinheiro vale o risco, logo me pego pensando nas histórias do canal de Investigação da Discovery. Então a vejo: uma casa imensa, quase uma mansão. Suspiro, já imaginando o trabalho que terei. No fim da estrada, há uma guarita. Um segurança me encara de dentro. Apesar do sol, o lugar está mergulhado em sombras — e ele usa óculos escuros e boné, o rosto quase invisível. Entrego minha identificação pela janela. — Siga em frente — diz ele, com uma voz rouca. Um arrepio me percorre. Ok, talvez eu esteja mesmo sensível demais. Da guarita até a casa, ainda dirijo por mais um minuto. Uma mulher vestida de prẹto me aguarda na entrada. Chapéu largo, óculos escuros — e uma postura que exala autoridade. Aponta o local onde devo estacionar. Obedeço. Assim que desço do carro, ela me examina dos pés à cabeça. Não gosto do que vejo no rosto dela: desagrado, mas logo entendo o porquê. — Me disseram que viria um homem — diz por fim, a voz baixa mas firme. — Odeio surpresas. Deviam ter me avisado dessa mudança repentina. — Foi um erro não terem avisado — respondo, já virando o corpo em direção ao carro. — Se quiser, posso voltar. O dinheiro é bom! Sim. Estou precisando? Sim. Mas não vim aqui pra ser tratada com desprezo. Ela suspira, soltando os ombros. — Já que está aqui... venha. Mesmo relutante, a sigo. — Meu nome é Victoria — apresenta-se, caminhando com tanta elegância que parece pertencer à realeza. Cada gesto, cada passo tem classe, o que me faz me sentir um pouco inferior. Paramos diante de um acesso lateral onde tem duas grandes portas — a entrada principal, talvez. Ela se vira para mim novamente. — O trabalho pode ser pesado demais para você, por isso... Interrompo antes que termine: — Olha, eu posso ser baixinha, mas dou conta do recado. — Ergo o queixo, sem me deixar intimidar. Victoria sorri de canto. — É o que espero. — E abre as grandes portas.






