POV Zadock
O salão de baile do Palácio Presidencial de Noriah Norte era um mar de hipocrisia banhado a ouro e cristal. Homens de ternos caros discursavam sobre ética e honra enquanto suas empresas vendiam morte para os quatro cantos do mundo. Mulheres vestidas com diamantes que custavam mais que a renda anual de moradores de um bairro inteiro sorriam, corteses, enquanto suas línguas afiadas só se preocupavam em falar sobre reputações alheias.
Era um ambiente que eu, Zadock Bradford Asheton, conhecia bem. E desprezava profundamente.
Minha presença ali era uma necessidade estratégica: o contrato de fornecimento exclusivo de armamentos para o exército de Noriah Norte estava para ser decidido. Um contrato vitalício, que consolidaria o império de quem o assinasse. Havia dois principais concorrentes: minha empresa, a Asheton Armaments, e a Harlow Defense, de Caio Harlow, meu rival de longa data e um homem tão ético quanto um chacal em um matadouro.
— Zadock, meu caro! — a voz grave do Presidente Valente ecoou ao meu lado. — Fugindo das minhas investidas?
Eu me virei, oferecendo um aceno de cabeça respeitoso, mas distante. Ao seu lado, sua filha, Clarissa, me olhava com um interesse que ia muito além do normal. Seus olhos percorriam meu terno como se fosse uma embalagem que ela ansiava por desembrulhar.
— Sr. Presidente — cumprimentei, evitando contato visual prolongado com Clarissa. — Estou apenas apreciando a vista. Um evento impecável, como sempre.
— Impecável como os seus relatórios, Asheton — ele respondeu, batendo levemente em meu ombro. — Sério, meticuloso, sem uma vírgula fora do lugar. É por isso que você está na frente. Homens como Caio Harlow… bem, ele é eficiente, mas falta… caráter.
Clarissa Valente se aproximou, deslizando a mão pelo braço do pai, como uma gata do cio:
— Papai, você está monopolizando o Sr. Asheton. Deixe-o circular, socializar… — falou num tom de brincadeira, seu sorriso sendo uma isca clara. Seus olhos diziam tudo: ela estava disponível e achava que eu era um troféu a ser conquistado.
O Presidente Valente riu:
— Está vendo, Zadoc? Até a minha filha reconhece seu valor. Não a decepcione. — Seu tom era descontraído, mas a mensagem por trás era clara: feche o negócio e ainda leve a minha filha de brinde.
Aquilo era repugnante! Clarissa Valente era uma criança mimada de vinte e poucos anos, acostumada a ter tudo o que quisesse. E eu não era um brinquedo. A não ser que ela estivesse me confundindo com um brinquedo perigoso, daqueles que crianças não podem brincar, especialmente na idade dela.
— Com licença, Presidente, Srta. Valente — falei, polidamente, mas sem esconder a minha frieza. — Preciso confirmar um detalhe com meu assistente. Negócios!
Antes que qualquer um dos dois pudesse protestar, me virei e mergulhei na multidão. Precisava de ar. Precisava de distância daquela farsa.
Foi quando ela bateu em mim.
Não foi um impacto forte. Apenas um toque desajeitado. Me virei, pronto para ignorar mais uma convidada bêbada ou deslumbrada com a minha presença.
E então a vi.
Ela era… diferente. Não havia como negar.
Não ostentava joias caras. Seu vestido, embora elegante, era simples, de um vermelho escuro que contrastava com a sua pele clara, quase translúcida sob as luzes do evento. Os cabelos longos e negros caíam lisos sobre os ombros, conferindo-lhe uma aura de mistério.
Ela tinha uma força contida atrás dos traços delicados, como se escondesse um segredo sob o porte frágil.
Seus olhos, de um castanho tão escuro que pareciam pretos, estavam arregalados com um pânico genuíno que era completamente fora de lugar naquele ambiente de falsa descontração.
— Desculpe! — ela disse, com a voz um pouco mais grave do que eu esperava, melodiosa, mas trêmula. — Eu… não vi o senhor.
Ela estava mentindo. Eu vi o momento exato em que decidiu se jogar no meu caminho. Foi calculado. Mal executado, com certeza, mas calculado.
— Não foi nada — respondi, minha voz deliberadamente monótona, analisando-a.
Ela era bonita, sim, mas de uma forma fora dos padrões daquele mundo. Não fora treinada para eventos como o que acontecia momento.
Era sempre fui um excelente observador... e julgador. As mãos dela se torciam nervosas. O queixo tremia levemente.
Forçou um sorriso, tentando um ar de deboche que não conseguiu sustentar:
— É que… é minha primeira vez em um evento assim. Tudo é tão… grande. E o senhor é Zadock Asheton, não é? O dono das armas. — Mordeu o lábio inferior, num gesto que deveria ser sedutor, mas que saiu como um sinal de nervosismo extremo. — Eu li sobre o senhor.
Era uma tentativa de flerte. A pior que eu já tinha visto... tão descarada quanto desesperada.
Algo dentro de mim ficou alerta. Por que essa mulher, claramente fora de seu ambiente, estava tentando me seduzir? Quem a tinha colocado ali?
O Presidente? Duvidoso. Caio Harlow? Talvez. Enzo? Muito possivelmente.
Decidi jogar e levá-la ao limite para ver até onde iria.
— Você veio sozinha? — perguntei, me inclinando ligeiramente para frente, invadindo o espaço pessoal dela.
Ela recuou um centímetro, seus olhos piscando rapidamente. O perfume dela, algo simples e floral como jasmim, chegou até mim.
— Sim. Quer dizer, não… com um amigo. Mas ele sumiu.
— Entendo — comentei, meu olhar percorrendo seu corpo de cima a baixo, de forma lenta e objetificante. Analisei a curva dos seus seios, a cintura estreita, os quadris. Ela estremeceu visivelmente, mas não recuou. — Está procurando por mais emoção? Algo que seu… “amigo”… não pode te dar?
Seu queixo tremeu, mas ela manteve o contato visual. Uma centelha de desafio brilhou no fundo de seus olhos assustados:
— Talvez — sussurrou, com a voz fraca.
— O salão está abafado — declarei, tomando uma decisão rápida. — Conheço um lugar mais… privado, onde podemos conversar sem sermos interrompidos.
— Onde? — a palavra saiu com um suspiro.
— O banheiro masculino. É vazio nesta ala. — Observei cada expressão em seu rosto: o nojo, a hesitação, o puro terror. Mas por baixo disso tudo, uma determinação surpreendente. Ela estava ali por uma razão que ia além de uma simples paquera. — Vem agora ou esquece. — Deixei claro minha falta de tempo para pessoas como ela.
Por um momento, pensei que ela iria fugir. Seus pés pareceram se mover para trás. Mas então, respirou fundo e assentiu:
— Está bem.
Interessante!
Virei-me e comecei a andar em direção ao corredor lateral, sentindo-a seguir-me, sua presença emanando um calor hesitante atrás de mim. A porta pesada do banheiro se fechou atrás de nós, abafando instantaneamente a orquestra e o burburinho da festa. O silêncio era quebrado apenas pela respiração ofegante dela.
Ela estava parada no meio do cômodo, tremendo como uma folha seca, seus olhos escaneando a sala como se procurasse uma saída ou uma câmera.
— Então? — eu disse, ficando de frente para ela, meus braços cruzados. Aproximei-me, lentamente, como um predador circundando a presa. — Você veio até aqui. O que quer fazer agora?
Ela pareceu paralisada, sua garganta se movendo enquanto engolia seco. Seus olhos estavam vidrados nos meus lábios. O medo nela era um feromônio intoxicante.
— Eu… eu não sei — mentiu, sua voz um sussurro, rouca.
— Acho que sabe — murmurei, fechando a distância entre nós.
Minha mão se levantou, não para tocar seu rosto, mas para pairar perto de sua jugular, onde sua pulsação batia descompassada contra a pele. Eu podia sentir o calor, misturado ao pânico, irradiando dela. — Está com medo?
Ela balançou a cabeça negativamente, mas seu corpo tremia de forma incontrolável:
— Não.
— Mentira — sussurrei e então toquei-a.
Meus dedos traçaram a linha de seu maxilar, da orelha até o queixo. Sua pele era incrivelmente macia, quente como o sol. Ela estremeceu violentamente, um arrepio percorrendo todo o seu corpo. Um pequeno gemido escapou de seus lábios, tão baixo que quase não o ouvi. Era um som de puro terror misturado com algo mais primitivo.
Foi a deixa que eu precisava.
Meu corpo colidiu com o dela, empurrando-a contra a pia fria de mármore. Ela gritou fraco, um som abafado de surpresa, mas não me empurrou. Suas mãos se agarraram às lapelas do meu paletó, não para me afastar, mas para se segurar.
— O que ele te prometeu? — perguntei, minha boca perto de sua orelha, meu hálito quente contra seu pescoço. — Dinheiro? Proteção? O que vale o risco de se meter comigo?