Capítulo 68Aqueles dois dias pareciam ter durado uma eternidade. Para Augusto, o tempo no Rio Grande do Sul corria de forma estranha, como se cada hora se arrastasse com o peso de uma década. No último dia na cidade, ficou até tarde na empresa, já passava das oito da noite quando finalmente desligou o computador e saiu do escritório. O cansaço era evidente. Desde que saíra do coma, sentia que seu corpo ainda não havia recuperado o ritmo. Cada passo parecia exigir mais energia do que antes. Mesmo assim, mantinha-se firme, focado, caminhando um dia de cada vez.O elevador desceu devagar, levando apenas ele até o subsolo. Sabia que o motorista estava o esperando havia pelo menos três horas, mas Augusto havia lhe pedido para sair e jantar, pois sabia que se demoraria mais que o previsto.Quando as portas do elevador se abriram, ele andou pelo estacionamento, que estava quase vazio. A empresa dispunha de três andares para os carros dos funcionários, e àquela hora o subsolo era um deserto
Capítulo 69Duas horas haviam se passado desde o sequestro. A noite avançava silenciosa e fria quando um carro de vidros escuros parou diante da entrada lateral de um bordel decadente, escondido nas sombras de um beco mal iluminado.A porta traseira se abriu com brutalidade. Dois homens desceram e, sem qualquer delicadeza, arrastaram Augusto Avelar até a calçada, jogando-o no chão como se fosse um saco de lixo. Um dos capangas abriu uma garrafa de uísque barato e derramou o líquido sobre suas roupas, cabelos e rosto.— Isso deve completar o teatrinho — murmurou um deles, antes de voltarem para o carro e desaparecerem na escuridão.Minutos depois, dois jovens surgiram do outro lado da rua. Um deles era magro, com o rosto coberto de fuligem; o outro usava uma touca rasgada e tinha os olhos arregalados de euforia.— Caraca... olha esse terno! — disse o primeiro, se ajoelhando ao lado de Augusto. — O cara tá apagado... tá cheirando a álcool. Bêbado ou drogado, sei lá...— Olha esse celula
Capítulo 70O táxi parou em frente a um dos hotéis mais luxuosos da cidade. As luzes da entrada brilhavam, refletindo na lataria do carro e nos olhos cansados de Augusto, que parecia renascer aos poucos.Ele olhou para o taxista com firmeza, apesar do cansaço evidente.- Espere aqui. Eu volto em cinco minutos.O motorista assentiu, ainda desconfiado, mas algo no tom de Augusto lhe dizia que deveria confiar.Augusto desceu do carro com passos mais firmes agora, entrou no saguão do hotel e foi imediatamente reconhecido pelo recepcionista, que correu para atendê-lo. Em poucos minutos, subiu até seu quarto, foi até o cofre embutido no armário, pegou uma pequena pilha de dinheiro e desceu novamente.Ao chegar no táxi, estendeu a mão e entregou ao motorista um maço de notas.- Aqui tem cinco mil reais.O homem arregalou os olhos, surpreso.- Cinco... cinco mil?- É só o começo. - Augusto entregou em seguida um cartão com o logotipo da empresa estampado em alto relevo. - Esse é o número da m
Capítulo 71Patrícia olhava fixamente para as imagens no celular, atônita. Custava a acreditar no que via. Seu estômago revirou, um gosto amargo subiu à garganta. Sentia nojo. Nojo do homem com quem havia se casado. Bem que desconfiava... Augusto nunca superou Estela.— Se é ela que você quer... então é ela que você vai ter — murmurou, com a voz embargada pela decepção.Com mãos trêmulas, tirou a aliança e a deixou sobre a mesa de centro. Pegou um papel e escreveu apenas uma frase: "Quero o divórcio." Nada mais. Sem explicações. Sem despedidas.Subiu ao quarto, pegou a bolsa e saiu de casa sem olhar para trás. Lá fora, o vento frio cortava seu rosto, mas ela não parou. Caminhou até o ponto e entrou no primeiro ônibus que apareceu. Não importava o destino. Só queria ir embora. Sair dali.O ônibus seguiu pela avenida, passando na direção oposta da limusine que se aproximava da mansão. Augusto, alheio ao que estava prestes a encontrar, só pensava em uma coisa: entrar em casa e ver Patríc
Capítulo 72Patrícia embarcou no ônibus com o coração em pedaços. Sentou em uma poltrona junto à janela e se encolheu ali, abraçando a própria bolsa. Quando o motor do veículo roncou, sentiu um arrepio percorrer a espinha. Estava realmente indo embora.Do lado de fora, Augusto desceu da limusine como um furacão. Assim que colocou os pés na rodoviária, seguiu direto para o saguão principal, os olhos varrendo o espaço, cheios de urgência.A vendedora de passagens reparou naquele homem bem-vestido, com os olhos em frenesi e os cabelos em desalinho, disparando para as plataformas. “Deve ter perdido alguém importante”, pensou ela, ao ver o desespero estampado no rosto dele.Augusto correu pelas fileiras, ignorando os avisos de “proibido acesso” e as reclamações de motoristas contrariados. Um a um, ele verificava os ônibus, subindo as escadas, encarando os passageiros, pedindo desculpas quando percebia que não era ela. Seu coração parecia querer escapar do peito.Faltavam três ônibus para o
Capítulo 73Nove horas depois, Patrícia desceu na rodoviária de Belo Horizonte, Minas Gerais. O corpo doía pela longa viagem, e o cansaço pesava, mas não tanto quanto a angústia que morava em seu peito.Ela entrou no terminal quase em silêncio, seguindo direto para o banheiro. Precisava lavar o rosto, respirar. Mesmo sem fome, sabia que precisava comer algo, não por ela, mas pelos pequenos coraçõezinhos que batiam dentro de si.Diante do espelho, jogou água no rosto, respirou fundo e apoiou as duas mãos na pia. Os olhos estavam inchados. O ultrassom vinha à sua mente como um sopro agridoce… os dois pequenos pontos piscando na tela. Gêmeos. Lembrou de Letícia, jurando não contar a Augusto. Ela queria ter dito. Queria que ele soubesse por ela. Mas agora… agora tudo parecia tão distante.Levantou o olhar e tocou com delicadeza a própria barriga.— Eu vou cuidar de vocês dois. Não se preocupem. Mamãe não tem preguiça de trabalhar. Vou dar tudo o que eu puder… tudo mesmo.Usou o banheiro c
Capítulo 74Augusto olhou para o relógio. Eram 5h32. O coração batia com força, acelerado, quase saltando do peito. O ônibus estava previsto para chegar às 5h35. Ele já tinha andado de um lado para o outro da rodoviária tantas vezes que os seguranças nem o olhavam mais com estranheza. O olhar dele era de quem esperava por tudo… e por alguém.Quando viu o ônibus se aproximando na plataforma, o corpo inteiro congelou por um segundo. As luzes frontais cortaram o ar úmido da manhã e o som da frenagem pareceu ecoar direto em sua alma. Ele caminhou até o veículo, os olhos fixos nas portas que se abriram com um estalo.Um a um, os passageiros começaram a descer. Um senhor com uma mala vermelha, uma moça jovem com fones de ouvido, uma família com uma criança no colo... Mas Patrícia não estava entre eles.A garganta de Augusto secou. Ele esperou até o último passageiro pisar no chão da rodoviária antes de se aproximar do motorista, visivelmente aflito.— Faltou alguém descer — disse, a voz car
Capítulo 75Augusto via a paisagem passar pela janela do jatinho particular, mas seus pensamentos estavam a quilômetros dali. Assim que embarcou de volta para São Paulo, abriu o novo celular, agora com seu número antigo reativado. A primeira coisa que fez foi escrever para Patrícia."Patrícia, por favor, me responde. Onde você está?"Esperou alguns minutos. Nenhuma resposta. Tentou novamente."Preciso ouvir sua voz, saber que você está bem..."Mais silêncio.Com os olhos fixos na tela, digitou mais uma."Pelo amor de Deus, preciso saber se vocês estão."O coração dele batia apertado no peito. A dor da ausência de Patrícia parecia crescer a cada quilômetro que o levava de volta para casa, uma casa que já não fazia mais sentido sem ela.Ele tentou ligar."Este número não está aceitando chamadas no momento."Tentou novamente. A mesma mensagem fria e automática.Augusto deixou o celular escorregar das mãos, sentindo uma mistura de frustração, raiva e desespero. Passou as mãos pelos cabelo