Vitória não estava certa sobre a tal assombração que ela ficou aliviada em não encontrar na festa.
Se André não estava lá, sua ausência nada tinha a ver com o fato de Ginni e Josh trabalharem para a ABC, uma das grandes concorrentes da GHShow. Na verdade, ele conhecia pessoalmente os dois, porque ambos já haviam feito pequenas participações em séries de sua emissora, e havia sido, sim, convidado para a festa. Tinha, no entanto, preferido não comparecer e apenas enviar um bom presente para a aniversariante, com um cartão de congratulações, bem como um telegrama elegante de agradecimento ao namorado dela, o anfitrião. André não gostava muito de badalações. Preferia passar suas noites no conforto de seu apartamento, comendo as refeições caseiras preparadas pela Sra. Spencer, tomando cerveja direto da garrafa long neck, e lendo um bom livro ou vendo algum filme, na companhia apenas de seu velho golden retriever Uno. Só aparecia em eventos quando era estritamente necessário, no cumprimento de seu papel de presidente de uma grande emissora de TV, ou quando seu melhor amigo, João, conseguia arrastá-lo, sempre com muito custo, depois de muita resistência. Logo que recebera a herança deixada pelo avô, André tinha se mudado para Los Angeles a fim de se inteirar dos negócios, levando a mãe com ele. A mulher, não precisando mais trabalhar para se sustentar, mas também não conseguindo se adaptar à vida de dondoca, se tornara voluntária em vários hospitais e, mais tarde, fundara, junto com o filho, algumas instituições sociais pelas quais era agora responsável. Camile morara com o filho por algum tempo, porém ele acabara ficando sozinho em sua grande cobertura duplex, depois de sua genitora ter conhecido, em um dos hospitais, um distinto médico, viúvo e sem filhos, com quem se casara. No momento em que a enfermeira se casara, entretanto, André já tinha se adaptado bem à cidade, a todas as responsabilidades que tinha adquirido, ao se tornar acionista majoritário de uma emissora como a GHShow, e ao novo estilo de vida que acompanhava a posição de dono de uma grande empresa. Não estranhava mais ser servido por empregados, como a Sra. Spencer, a cozinheira da equipe coordenada pela Sra. Palmer, sua governanta. A jovem senhora inclusive havia aprendido as receitas de Camile, o que facilitara a adaptação de André à mudança da mãe. Atualmente, ele até agradecia o fato de ter apenas os empregados em casa, quando chegava ali, depois de um longo dia de trabalho. E naquela noite, em especial, era realmente bom poder não ser incomodado por ninguém e apenas terminar o romance histórico que vinha lendo havia alguns dias, e que estava pensando em adaptar para a televisão, em forma de filme ou minissérie, e dormir bem cedo, para repor as energias e se preparar para o dia seguinte, cujas atividades começariam cedo. Não foi tão fácil assim dormir, porque, não tendo mais o livro ou outra coisa com que se distrair, acabava sendo relembrado da presença não desejada de Vitória em sua empresa durante aquele mesmo dia, e da certeza de que a veria, no mínimo, na festa de lançamento de seu programa e, muito provavelmente, algumas outras vezes, ao longo das gravações, o que quase tirava completamente o seu sono. Eventualmente, porém, acabou sendo vencido pelo cansaço e apagou, sendo despertado apenas na manhã seguinte pelo alarme programado em seu celular. De bom humor, como normalmente acordava, se levantou, se arrumou, apreciou o café da manhã servido na sala de jantar, pegou o material esportivo necessário e as roupas, já organizados pela governanta, e seguiu para o clube, onde jogou tênis com João. Ignorou as perguntas sobre Vitória feitas pelo amigo, com quem ainda não tinha conversado depois da reunião da tarde anterior, apenas respondendo que eles falariam sobre o assunto uma outra hora e focando no jogo. Depois, tomou um bom banho, vestiu uma camisa social, uma calça jeans e um — sapatênis— , já que gostava de trabalhar casualmente vestido e só não o fazia se houvesse alguma reunião que pedisse formalidade, e rumou para os escritórios da GHShow. — Bom dia, Paul. O Henry gostou da bola? — André cumprimentou o manobrista do edifício, ao dar a ele as chaves de seu carro, perguntando sobre o presente que tinha mandado para o filho de seis anos do outro rapaz. — Adorou, Sr. Luiz. Eu agradeço, mais uma vez. — o homem disse, sincero, recebendo um tapinha no ombro e um sorriso como resposta. — Bom dia, Annie! — desejou, sorrindo, a uma das funcionárias da emissora, com quem se encontrou no elevador. — Tudo bem com Billy? — questionou, preocupado, pois sabia que o marido dela, também parte de sua equipe, chegava ao trabalho junto com ela todas as manhãs. — Tudo bem, sim, André. Ele só foi levar o Joe pra casa da mãe dele, porque a nossa babá acordou com febre e não foi trabalhar. — ela respondeu, chamando-o pelo primeiro nome, porque já trabalhara na GHShow por tempo suficiente para saber que ele não gostava de formalidades. — Boa sorte, amanhã, então. — ele brincou, e fez sinal para que ela saísse do elevador na frente dele. — Obrigada. — ela devolveu. — Bom dia... bom dia. — ele foi desejando pelos corredores a quem encontrava. — Olá, Kendra... seu irmão melhorou? — Está bem melhor, André. Já está pedindo até pra ir à escola. — ela riu e ele a acompanhou. — Ótimo! — continuou caminhando. — E aí, Martin? Que decepção os Lakers, hein? — Inacreditável, cara! Não conseguiram ficar na frente nenhuma vez! — Martin se referiu a um jogo recente. André riu e continuou caminhando, chegando finalmente ao hall onde ficavam as mesas de seus assistentes diretos. — Bom dia, Harmony... Matt... Chandler. Alguma ligação pra mim, Harm? — disse, entrando em sua sala sem portas, acompanhado por ela. Ele mantinha sua sala literalmente aberta, para ilustrar a expressão que se usava metaforicamente, quando se quer dizer que as pessoas eram sempre bem-vindas em algum lugar. — Will Golden ligou da Mansão Seymour Redford e pediu pra você ligar pra lá... parece que o celular dele tá sem bateria. — a secretária se referia à casa em que seria gravado o reality show e que o produtor estava visitando naquele momento. — Will é muito teimoso, cara. — suspirou. — Liga pra lá, por favor, e me coloca na linha com ele, Harm. — Ok, André. — ela saiu, indo para a própria mesa, e em minutos o telefone tocava na mesa do chefe. — Cara, o que você tá fazendo aí? — perguntou André, impaciente, a Will. — Deixa o João e os outros caras cuidarem de tudo aí, e vai pra casa, Will. Pelo amor de Deus, cara... a Emma vai dar à luz a qualquer momento e precisa muito mais de você do que a produção do programa! — afirmou. — E não deixa de me ligar, porque eu quero ir ver minha afilhada, assim que ela nascer, ok? — O João não tá aqui, André. O Ed também não chegou ainda. Alguém precisa inspecionar a colocação das câmeras... — Will... — quase gritou — ... pra casa, cara! Deixa de ser teimoso! O João tá a caminho. — riu. Não valia a pena argumentar com André e Will sabia disso. Sabia, desde a época em que o recebera na GHShow e, junto com outros profissionais antigos da empresa, o ajudara a entender e a se adaptar ao trabalho, que ele jamais colocava os negócios na frente dos amigos e da família. E eles eram como uma família, desde então: Will era como o pai que André nunca tivera e Emma, apesar de não ter idade suficiente, era como uma mãe, sempre zelosa, carinhosa e disposta a ouvir e aconselhar. Para completar, chegaria a qualquer instante a pequena Reese, que já era mais um forte vínculo entre os três, antes mesmo de nascer. André se ocupou com trabalho o resto do dia, porque o que não faltava eram questões a resolver, antes que ele, além de presidente, se tornasse protagonista de uma das atrações da emissora, o que iria ocupá-lo bastante durante as quatorze semanas de duração do programa. Não muito longe dali, algumas horas depois dele, Vitória também chegava ao seu próprio escritório, no qual igualmente não faltavam decisões a serem tomadas e atividades a serem desenvolvidas junto a sua equipe. Assim como em qualquer dia de trabalho, entrou sem cumprimentar ninguém e encontrou a porta aberta por Blaine que, ao mesmo tempo, lhe oferecia um copo de frappuccino light, que ela tomou das mãos dele, substituindo-o por sua pesada bolsa da Fendi. No entanto, dessa vez, não reclamou do café, do calor ou de qualquer outra coisa, indo direto ao assunto que mais lhe preocupava resolver naquele momento. — Blake, mon Cher... Daniele, Sunshine, Michael e Lauren, na sala de reuniões, imediatamente. Devem parar o que quer que estejam fazendo, está claro? — Sim, senhora. Algo mais? — Não. — respondeu seca, dirigindo a atenção para papéis que estavam em sua mesa com matérias, para receber seu aval. — Até que enfim! — disse Daniele, quando, quinze minutos depois, Vitória entrou na sala de reuniões. Os outros três a olharam com olhos vidrados, totalmente espantados com a bravura dela. — Daniele Mendes, você aqui não é minha amiga, é uma funcionária... e, como todos os outros funcionários da TVZoom, se precisar me esperar, vai me esperar sem reclamar! — afirmou a editora-chefe. — Ok, ok. Foi mal. — mordeu o lábio, se repreendendo. Às vezes, Daniele ainda se esquecia de que a relação que ela mantinha com Vitória ali era hierárquica, e de que, por isso, não podia questioná-la daquela maneira, ou pelo menos não na frente de outros empregados. Esse tipo de interação entre elas era muito recente. Antes elas eram as inseparáveis colegas de faculdade, que viraram quase irmãs de tão amigas e chegaram a morar juntas, por um tempo, na Inglaterra. Ao se formarem, tinham ido trabalhar em revistas diferentes, nunca tendo tido contato profissional algum, até Vitória ser convidada para trabalhar na Califórnia, e chamar a outra garota para trabalhar junto com ela. Nada prendia Daniele em Londres, uma vez que seus pais tinham falecido alguns anos antes, em um acidente de carro. Então ela não hesitara em aceitar o convite para voltar aos Estados Unidos e participar do desafio que era colocar nas ruas uma revista nova. O salário oferecido pela RIB era bastante razoável e, além disso, ela não precisaria se separar da única família que lhe restava, que era a família de coração, a irmã de alma, a amiga que fora seu porto seguro quando ela mais precisara. — Tudo bem. Vamos tratar do assunto pelo qual estamos aqui... pelo qual tirei vocês quatro de suas atividades. — disse Vitória, respondendo à amiga e começando a reunião. — A TVZoom assinou um contrato de exclusividade com a GHShow... nós seremos os únicos da imprensa escrita com acesso aos bastidores de um novo programa deles... e iremos relatar o que estiver acontecendo por lá, todos os dias... Começando assim, a morena foi dando detalhes a eles sobre o programa, e sobre o que ela e os RIB esperavam que Daniele e Sunshine, como jornalistas, fizessem, em termos de conteúdo e forma. Informou que, para começar, as duas teriam que se revezar para passar grande parte do dia nos sets de filmagem, observando tudo, sempre acompanhadas de Lauren ou de Michael, que fariam as fotografias para ilustrar as matérias. Além disso, elas teriam que fazer entrevistas com as participantes do programa e, eventualmente, investigar a opinião do público sobre cada uma delas, mas isso ainda não estava completamente definido. Foi uma reunião de mais ou menos três horas, em que tanto jornalistas quanto fotógrafos fizeram várias anotações, para que tudo pudesse sair conforme o planejado, sem escapar do crivo da perfeccionista editora. — Ryan, Ian e Brad me pediram pra dar especial atenção a esse projeto... além de colocar nele os profissionais que eu julgasse os melhores da revista. Portanto eu estou confiando plenamente em vocês... que vocês vão se dedicar... se entregar de corpo e alma pra essas matérias. Serão somente quatorze semanas de programa... Então, se a gente precisar não dormir, pra tudo sair perfeito, a gente não vai dormir. — olhou para o rosto de cada um enquanto falava, estabelecendo a cumplicidade profissional necessária ao desenvolvimento de um trabalho livre de falhas. — Alguma dúvida? — interrogou, encerrando a reunião quando todos afirmaram não ter mais nada a perguntar no momento. — Daniele... — chamou, quando todos saíam. — Sim? — Você tá liberada do trabalho por hoje. Vamos almoçar. — Código rosa? — perguntou a outra, sorrindo, e recebeu um aceno positivo. Ficou desconfiada porque elas tinham almoçado juntas no dia anterior e colocado o papo em dia. Não estava esperando que elas tivessem mais alguma coisa a compartilhar, como amigas, depois de tão pouco tempo sem se falarem. Quando falou em código rosa, estava apenas brincando e não achava que teria uma resposta positiva. Agora, alguma coisa lhe dizia que o código daquela tarde não seria um rosinha qualquer: seria código rosa choque!