— Esse seu sapato é tudo, hein, diva! É novo? — Daniele perguntou a Vitória enquanto andavam em direção ao restaurante.
— É Chanel, meu bem. — respondeu Gomes, mas não no tom esnobe que usava com a maioria das pessoas e sim de um jeito brincalhão, que ela guardava para poucos, como sua melhor amiga. — Mas não é novo, não. Era da minha avó. Parece novo porque meu avô comprava aquele monte de coisas pra ela, mas ela não tinha propriamente muitas oportunidades pra usar. — Ela deve ter deixado muita coisa mesmo, né? — comentou a amiga. — Sim... muitas joias, roupas, sapatos, bolsas... casacos de pele, que, na época dela, não eram politicamente incorretos... — Mesa para as duas apenas? — perguntou a gerente, na entrada do restaurante ao qual elas haviam chegado. — Como sempre. — riu Daniele. — Mas a maioria das coisas dela foi deixada em testamento para as fundações sociais que ela ajudava quando era viva. — continuou a conversa Vitória, enquanto as duas eram levadas em direção a uma mesa. — Ela deixou especificamente uma meia dúzia de coisas que ela sabia que eu amava pra mim... e o resto foi pra várias instituições. Quem não gostou nada disso foi minha mãe, é claro... que ainda achava que deveria ser contemplada com artigos de luxo, mesmo já não sendo mulher do meu pai há milênios! — Sua avó era uma grande mulher! — comentou, trocando um sorriso triste com a quase irmã. — E sua mãe é a maior figura. — riu Daniele. Já tinha encontrado Shely algumas vezes, em visitas da mulher mais velha à Inglaterra. — Eu acho que vou comer o de sempre. — completou, colocando o guardanapo de pano no colo. — Eu vou te acompanhar nos legumes com grelhado, hoje. — decidiu a outra. — Quero estar muito bem no vestido que Dante Kammel escolher pra eu usar quarta-feira. — Ah, é mesmo... Tem a tal festa do programa, né? — Daniele falou, vendo o semblante da amiga mudar e ela soltar o ar, como se ele tivesse ficado um tempo preso nos pulmões. O garçom se aproximou da mesa, vendo que as duas não consultavam os cardápios, e os pedidos de ambas foram feitos, e, apesar de Vitória não ser normalmente uma pessoa quieta e de ter sido ela quem sugerira o almoço, Daniele percebeu que ela não parecia inclinada a iniciar qualquer que fosse o assunto que as trouxera até ali. — Então, minha diva? O código rosa certamente não foi acionado pra gente falar das coisas lindas que sua avó deixou pra você... ou do apego da sua mãe pelas coisas dos Gomes. Alguma coisa aconteceu entre nosso almoço de ontem e essa manhã e... pode ter sido lá na festa talvez, mas... não sei, alguma coisa me diz que tem a ver com o reality show que a gente vai cobrir. — Ninguém me conhece como você, não é, Mendes? — riu. — Se você estivesse em pé, eu diria pra você se sentar, mas enfim... Daniele, o Sr. Luiz... o dono da GHShow, o protagonista do tal programa, o homem com quem tive uma reunião na tarde de ontem... — a amiga balançava a cabeça, mostrando que ela sabia quem era Luiz, afinal, elas tinham acabado de ter uma reunião sobre ele. — É o André. — O quê... COMO? — surpreendeu-se a amiga. — André? Aquele André que... — André, Daniele. Aquele André... Eu não conheço outro. — irritou-se um pouco. — Mas ele não era filho da enfermeira do seu avô? Não morava na casa de vocês de favor? — É... ele era. Ele recebeu uma herança de um avô que eu nem sabia que ele tinha... que eu acho que nem ele sabia que tinha! Tanto que ele nem era Luiz... Parece que ele colocar o sobrenome foi um pedido feito no testamento pelo avô, segundo o Ryan... mas eu não quis ficar perguntando detalhes sobre ele. — Uau. Definitivamente rosa choque! — vendo a expressão confusa de Vitória, fez apenas um gesto indicando que não era importante. — E como é que você tá se sentindo? — Irritada, caramba! Muito irritada! Ter que lidar, anos depois, com uma pessoa de quem eu pensei que eu tinha me livrado pra sempre, amiga? — bufou. — Como se já não fosse suficiente ter que dar a maior atenção possível à cobertura de um programa machista desses... que coloca um monte de garotas correndo atrás de um cara, bajulando, paparicando... e ele brincando de escolher uma delas... Ainda tinha que ser o André! — De fato, é uma surpresa bem desagradável. — Mendes fez uma careta. — E ele está se mostrando uma pessoa pior ainda do que ele já era, participando desse tipo de farsa. — Por que farsa? Você acha que o programa é armado? — É claro, Daniele! — falou, como se fosse óbvio. — Um homem milionário, como ele... Jovem e bonito, ainda por cima... Não precisa de programa algum pra arrumar uma mulher! — tomou um gole de sua água, que o garçom tinha servido pouco antes. — Certamente o que ele quer é aparecer... e depois ele vai inventar um término bem triste entre ele e a vencedora, pra não se casar com ela. Daniele não argumentou, até porque as refeições das duas já haviam sido servidas e elas começaram, então, a saboreá-las. Durante o resto do almoço, nenhuma das duas voltou a tocar no assunto, optando por tópicos sem importância, o que pareceu melhorar um pouco o humor de Vitória. A editora-chefe lembrou à sua subordinada que lhe dera a tarde inteira de folga, e as duas seguiram juntas para o apartamento de Gomes, onde mergulharam na piscina, tentando minimizar o incômodo que a quente temperatura de L.A. causava a quem tinha passado tanto tempo vivendo no frio londrino. No final da tarde, no entanto, a editora precisou trabalhar um pouco, pois havia uma edição de revista a fechar. Usou o computador de seu escritório para receber e-mails da redação e respondê-los, deixando o laptop para Daniele, que aproveitou para fazer algumas pesquisas, tentando se preparar para sua mais importante incumbência atual. Mendes acabou pesquisando um pouco mais do que faria se o Sr. Luiz fosse um milionário qualquer, uma vez que nas reportagens ela não iria falar muito sobre ele, e, sim, focar no programa. O fato é que ela era uma profissional, mas também era uma pessoa comum, uma leitora de revistas, uma espectadora de TV e, por isso, não pode evitar ficar bastante curiosa sobre André. — Vitória, eu acho que você está enganada em relação ao programa. — comentou, quando a amiga acabou de trabalhar e as duas foram para a sala a fim de escolher um filme para assistir. — O André não parece o tipo de pessoa que quer ou precisa aparecer... nem de longe! Ele é um dos homens mais ricos dos Estados Unidos atualmente, já apareceu algumas vezes nessas listas que elegem os homens mais sexy do país, é convidado para praticamente todos os eventos importantes aqui de Los Angeles... e lá de Nova York também... e recusa gentilmente a maioria deles... — Tudo bem. Talvez ele não precise de um programa pra aparecer... e talvez também nem goste de aparecer, o que eu acho mais difícil, mas ok. — deu alguns DVDs novos para que a amiga escolhesse um. — Ainda assim, eu aposto em armação. Talvez ele esteja namorando alguma garota que ninguém conhece e queira torná-la famosa antes do casamento, por exemplo. — Eu comentei com uma amiga que trabalha no jornalismo da GHShow... agora há pouco pelo MSN... que vou fazer algumas reportagens sobre o programa. — deu um dos DVDs para a outra colocar. — Uma amiga dela está trabalhando na produção... e ela está justamente selecionando as garotas... Disse que eles têm feito entrevistas essa semana pra chegar a cinquenta mulheres, que são as que vão ser convidadas para o tal cocktail. — E isso quer dizer alguma coisa? — falou, cética. — Pra mim, eles já têm o cast todinho e fazem essa seleção só pra pegar outras garotas e botar na tal festa... e parecer que ele escolheu realmente as candidatas entre mulheres que se inscreveram pro programa. — disse, como se fosse totalmente óbvio. Daniele não tinha a mesma convicção que ela, mas também não tinha nenhum interesse particular em convencê-la de nada, então elas começaram a ver o filme. A amiga acabou dormindo naquela noite na casa de Vitória, já que no dia seguinte só trabalharia no turno da tarde. Antes de dormir, o assunto sobre o programa e a inconveniência em ter que ver alguém que a morena pensara ter enterrado tanto tempo antes voltou à tona. — Infelizmente, você vai ter que encarar alguns compromissos, começando pela tal comemoração, né? — Mendes lamentou, depois de ver a amiga reclamar um pouco mais sobre o machismo do conteúdo do programa e sobre a falta de sorte em ter que agradar André para agradar seus chefes. — Eu, não. Nós, Daniele Mendes. Nós, porque a senhorita vai comigo. Eu posso levar um acompanhante e não tenho mais ninguém aqui em L.A. pra convidar, então... — Vi, não rola. Nem roupa eu tenho pra esse tipo de evento. — falou, contrariada. — Tenho certeza de que Dante Kammel dará um jeito nisso em dois tempos. Ainda mais agora que a senhorita usa manequim quarenta e dois! — implicou, dando-lhe uma leve cotovelada. — Ele vai adorar te deixar uma deusa de ébano. — riu, pensando em Dante, que com certeza usaria uma expressão como aquela. Se Vitória teria que passar pela provação que era encarar André Luiz e aquele sorriso debochado no rosto dele, pelo menos ela o faria muito bem vestida e extremamente bem acompanhada.