POV Nyvie
A aula continuava, a professora falava... mas de verdade? Eu não estava ali. Minha atenção tinha ficado para trás, travada no garoto novo. Meus olhos insistiam em encontrá-lo, mesmo que eu tentasse disfarçar ou pelo menos fingir que estava disfarçando bem. Ele parecia alheio a tudo, quase como se o mundo real não tivesse importância pra ele. Mas, de vez em quando, eu o pegava me encarando. E quando nossos olhares se cruzavam, era como se alguém apertasse o botão de pausa no tempo. Não era só um olhar. Era atração simultânea. Meu lobo interior ficou inquieto o tempo todo. Um rosnado baixo ecoava na minha mente, como um alerta que eu não conseguia interpretar. Mas o quê? Eu nunca tinha sentido aquilo antes. Nunca. — Nyv? Tá tudo bem? — Sther sussurrou ao meu lado, cutucando com o cotovelo. — Hã? Tô, tô sim… — respondi, tentando soar convincente, mas minha voz saiu falha. Um tremor sutil que me entregava sem dó. Robert, que até então estava distraído desenhando no canto do caderno, ergueu o olhar, curioso. — Ah não... — disse com um sorrisinho safado que eu conhecia bem — ela tá assim desde que aquele carinha novo entrou. Tá interessada? Dei vontade de socar e abraçar ele ao mesmo tempo. O típico efeito Robert. — Claro que não! — respondi alto demais, e algumas cabeças viraram em nossa direção. Respirei fundo. — Só... não reconheço o cheiro dele. Vocês sabem, todo mundo aqui da matilha se conhece de alguma forma. Eles trocaram um olhar silencioso, e Sther apoiou o queixo na mão, pensativa. — Talvez ele seja de outra matilha. Transferido? Ou um renegado arrependido aceito? O Alfa comentou que isso ia começar a acontecer mais, com os acordos de paz que os anciões estão trabalhando. A palavra “renegado” me arrepiou inteira. Eles não são exatamente confiáveis, não depois do que fizeram com meu pai. Alguns se rendem, dizem querer recomeçar... mas é difícil apagar de onde vieram. O sangue que carregam. Ainda assim, olhando pra ele... não parecia ser um renegado ou alguém perigoso. Pelo menos, não do tipo óbvio. O sinal tocou, quebrando o clima estranho da conversa. Começamos a guardar o material e me levantei devagar. Por mais que eu tentasse evitar, meus olhos o procuraram de novo. E lá estava ele, parado ao lado da porta. Como se estivesse me esperando. — Nyvie, não é? — perguntou, a voz grave, mas suave, como um trovão que ainda está longe. Senti os pelos do braço se arrepiarem. — É. E você é...? — tentei manter a pose, mesmo com o coração batendo cada vez mais rápido. — Orion. Cheguei ontem. Estou... me adaptando. Orion. O nome soou pesado, caiu no estômago como uma pedra lançada no fundo de um rio. Minha loba rosnou mais alto, por um segundo, senti como se estivesse prestes a saltar ou me render de vez. Ótimo. Confusão interna ativada. — Nunca te vi antes. De onde você veio? — cruzei os braços, tentando ganhar algum controle da situação. Ele hesitou. Pequeno detalhe, mas minha loba captou. — É complicado. Revirei os olhos, frustrada com a resposta vaga. Mas antes que eu pudesse retrucar, ele deu um passo à frente. — Mas se quiser, posso contar. Aos poucos. Você me parece alguém... confiável. A maneira como ele disse isso me pegou de surpresa. Não foi só a frase. Foi o tom com que ele disse isso, olhando nos meus olhos. Como se ele realmente já me conhecesse. E o pior é que... não senti medo. Era outra coisa. Como se uma parte minha que eu nem sabia que existia, já soubesse que ele era parte do meu destino. — Tá bom, Orion. Vamos ver se você é bom de papo no refeitório — tentei parecer casual, mesmo com minha loba dentro de mim girando em círculos, ela estava realmente agitada. De longe, Sther e Robert assistiam à cena com os olhos arregalados. Estavam boquiabertos, como se tivessem acabado de ver um eclipse. Dei uma olhada rápida pra eles e revirei os olhos. Já sabia o que viria: risadinhas, provocações, e, inevitavelmente, o famoso interrogatório. Eles saíram correndo pelo corredor, rindo e cochichando alto demais. E eu ali, no meio do caos, só consegui pensar: Deusa, me proteja... Porque esse tal de Orion... Era só o começo.