Aviso Ignorado

Theo

O escritório do meu pai sempre me deu a sensação de estar diante de um tribunal. Ainda assim, sentei-me de qualquer jeito na poltrona diante dele, afrouxando a gravata que minha mãe insistiu para eu usar. Do outro lado da mesa, Roberto Ferraz estava exatamente como sempre: composto, contido, calculista. Ele nunca precisava elevar a voz. Bastava aquele olhar firme, a pausa pensada, a entonação precisa.

— Fico feliz que tenha feito o discurso — ele começou, sem rodeios. — Ainda que tenha improvisado.

— A plateia adorou. Pelo menos não dormiram — retruquei, apoiando um cotovelo no braço da cadeira.

Meu pai não sorriu.

— Você tem talento, Theo. Mas talento sem disciplina é fogo em campo seco. Pode parecer bonito de longe, mas no final, só sobra cinza.

Revirei os olhos. Lá vinha a metáfora da vez.

— Foi só um discurso, pai.

— Não é sobre o discurso. É sobre o que você representa para essa empresa. E para mim. — Ele se inclinou para frente, cruzando os dedos. — Quero que preste atenção no que vou dizer agora, porque é sério.

Fiquei em silêncio, o olhar preso à escultura de bronze atrás dele, só para não encará-lo direto. Quando Roberto fala com esse tom, é porque vem bomba.

— Teresa está saindo. — Ele anunciou como quem assina um contrato de guerra. — Vai se aposentar no fim do mês.

Me endireitei na cadeira. Teresa? A Teresa da minha infância? A que conhecia cada centímetro desse império melhor do que qualquer diretor? Aquilo, sim, era uma perda real.

— Ela já decidiu? — perguntei, surpreso.

— Decidiu. Mas deixou algo precioso antes de partir: a sucessora. — Ele respirou fundo. — Clara Teixeira.

Clara. A novata de olhar desconfiado e língua afiada. A que parecia mais perdida naquela festa do que eu me sentia por dentro. Até o nome tem um quê de romance de banca de revista.

— Ela é inteligente — meu pai continuou. — Pontual. Discreta. E, segundo Teresa, tem o mesmo espírito leal e comprometido que a fez ficar aqui por quase três décadas. Eu confio no julgamento de Teresa.

Fiquei quieto. A imagem de Clara me invadiu, do jeito que ela segurava a taça, tentando disfarçar o rubor no rosto. Ou quando me enfrentou sem baixar os olhos. Havia fogo naquela menina. E Roberto queria mantê-la perto?

Perigoso.

— Entendi — murmurei.

Mas meu pai não estava satisfeito com a minha resposta. Ele se levantou, veio até a frente da mesa e apoiou-se na borda, de braços cruzados.

— E é aí que entra você.

Levantei uma sobrancelha. Sabia que ia sobrar pra mim em algum momento.

— Quero que fique longe dela, Theo.

Pronto. Lá estava.

— Sério mesmo? — ironizei. — Você acha que vou seduzir a afilhada da Teresa? Mal conheço a garota.

— E justamente por isso estou te avisando agora. — O tom dele era de quem falava com um viciado à beira da recaída. — Você tem um histórico. Funcionárias, estagiárias, até a filha do sócio minoritário da filial de Sorocaba...

— Aquilo foi um mal-entendido — rebati, erguendo as mãos.

— Não me importa. — Ele cortou. — O ponto é que Clara está aqui por mérito. E não vou deixar que você transforme isso em mais uma de suas distrações passageiras.

— Você não confia em mim? — provoquei, mesmo sabendo a resposta.

— Confio na sua inteligência. Mas não confio nos seus impulsos.

Ele se endireitou e deu dois passos em direção à janela, como se falasse consigo mesmo.

— Essa garota é importante para mim, Theo. Se Clara se sentir constrangida, desrespeitada ou usada, Teresa vai voltar aqui pessoalmente para arrancar sua pele. E, francamente, eu não vou impedi-la.

Soltei um riso abafado.

— Está dramatizando, pai.

— Estou sendo realista. — Ele me encarou por cima do ombro. — Você é livre para sair com quantas mulheres quiser, Theo. Desde que não sejam da equipe. Principalmente essa. Estamos entendidos?

Cruzei os braços, fingindo indiferença, mas por dentro... algo tinha mexido. Ele se importava com Clara. Não como homem. Mas como patriarca. Como mentor. E isso, de alguma forma, fazia dela ainda mais intocável.

Ou mais atraente?

— Estamos entendidos — respondi, mesmo que algo dentro de mim dissesse o contrário.

Porque o problema não era eu manter as mãos longe dela. Era querer colocá-las ali. E isso... já estava fora de controle.

Não gosto de ser mandado. E menos ainda de ser advertido sobre uma garota que eu ainda nem tive a chance de conhecer direito.

Ou talvez tenha tido... e tenha gostado demais.

Saí da sala do meu pai com os dentes cerrados, a energia acumulada pulsando nas veias. E, claro, ela ainda estava lá.

Sentada à mesa, os dedos ágeis organizando papéis com uma concentração que parecia forçada demais. A luz do lustre fazia o colar de prata, aquele único detalhe pessoal, brilhar contra sua pele.

Aproximei-me como um predador, apoiando o cotovelo no balcão ao lado dela, invadindo seu espaço sem pedir licença.

— Parece que hoje é o seu dia de sorte, Clara.

Ela ergueu os olhos, verdes como floresta sob o sol da manhã.

— Por quê?

— Porque recebi um lembrete bem claro de que devo me comportar com você.

Seus lábios rosados e levemente úmidos apertaram-se.

— Isso é o que você chama de se comportar?

— Não. — Inclinei-me mais, o suficiente para que meu hálito quente tocasse sua orelha. — Isso é o que eu chamo de aviso ignorado.

Ela levantou-se de um salto, mas não recuou. Seus seios levantavam-se com a respiração acelerada, e o rubor nas maçãs do rosto denunciava que eu não era o único afetado aqui.

— Eu não sou um jogo, Theo.

— Eu sei. — Minha voz saiu mais rouca do que eu pretendia. — E é exatamente isso que me atrai em você.

Ela hesitou. Por um segundo, seus olhos prenderam-se nos meus, e eu vi ali tudo o que ela tentava esconder.

Desejo. Sim.

Mas também a raiva.

Orgulho ferido.

Medo.

E tudo isso junto... era combustível para um incêndio.

Antes que ela pudesse responder, dei um passo para trás, sorrindo com falsa inocência.

— Até mais tarde, Clara.

E saí, deixando para trás o rastro de um jogo que, contra todas as ordens, acabei de começar de verdade.

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