● Aneliese Moore ●
Vivian saiu da cozinha carregando uma bandeja enorme com frutas para os pequenos Blakes. E se, por um segundo, eu cogitei a ideia de me sentar naquela mesa e tomar café com os anjinhos? Pois é. Esquece. Esse pensamento foi direto pro ralo junto com a sanidade que eu ainda tinha. Reviro os olhos, abro os armários em busca de uma xícara. Não costumo tomar café da manhã, mas, sinceramente? Um pouco de cafeína nunca matou ninguém — e vai que ajuda a manter meus reflexos ativos diante de armadilhas infantis? Acho as xícaras num dos armários superiores, pego uma qualquer e estou prestes a me servir quando as portas de vidro que dão para o jardim se escancaram. Um dos seguranças do Alexsander entra como se tivesse acabado de correr uma maratona no meio de um furacão. Encharcado, com lama até os tornozelos. — Vivian vai te esfolar viva por molhar a cozinha dela desse jeito. — comento casualmente, servindo o café como se aquilo fosse um cenário comum. — E ainda espalhando lama por tudo, Tommy? Que ousadia. Ele me encara e abre um sorriso enorme, daqueles que aquecem o ambiente. — Aneliese Moore! Quanto tempo, garota. — diz ele, tirando o casacão molhado e pendurando perto da porta. — Achei que você tivesse ido com o senhor Blake. Ele nunca viaja sem sua fiel escudeira. — Ele ri, e eu acabo rindo junto. Tommy é o chefe da equipe de segurança do senhor Blake. Trabalha tanto na empresa quanto aqui na mansão. Nos conhecemos há uns três anos, quando comecei como assistente do Alex — digo, do senhor Blake. No começo, Tommy nos acompanhava em todas as viagens, sempre à frente da segurança. Mas depois que a esposa dele teve a pequena Lyra, o Alex o dispensou das viagens longas. A menina nasceu com alguns probleminhas respiratórios, e Tommy virou um pai em tempo integral. Muito justo, diga-se. — Foi uma viagem de última hora. — explico, tomando um gole de café. — Então o senhor Blake me pediu pra ficar e cuidar dos filhos dele até quarta à noite. Ele me encara por dois segundos como se eu tivesse acabado de confessar um assassinato... e então explode numa gargalhada que ecoa pela cozinha. — Blake te colocou pra ser babá dos pequenos demônios? — diz, quase sem ar. — Boa sorte com isso, Ane. A última babá saiu chorando, balbuciando um pedido de socorro. — Não ajuda, Tommy. — rio também, mesmo sentindo um leve arrepio de pânico subir pela espinha. — Por que você acha que estou aqui na cozinha, hein? Vivian me salvou de virar parte da mobília da sala de jantar. Eles passaram cola nas cadeiras! Mal termino a frase e Vivian reaparece, nos encontra conversando e lança um olhar fulminante para as botas enlameadas de Tommy. — Céus, Tommy, minha cozinha! Tira essas botas antes que eu te coloque pra esfregar o chão com uma escova de dentes. — resmunga, mas sem perder o charme maternal. Depois, volta-se para mim com um suspiro cansado. — Bem, querida, eles realmente haviam passado cola nas cadeiras: a entre as gêmeas e a do lado de Lucca. Ela fala como quem comenta sobre o tempo. Pega uma faca, fatiando frutas com naturalidade, enquanto continua: — Esses pequenos gostam de aprontar. Então, aqui vão algumas dicas: não aceite nenhuma comida que eles te oferecerem, mantenha seu quarto sempre trancado e o seu cachorro por perto. Se não quiser ver o Sirius tingido de rosa até quarta-feira, claro. Fico parada. Olhos arregalados. Sem saber se rio, choro ou faço o sinal da cruz. São crianças. Só... crianças, certo? 》●○●○●☆☆●○●○●《As crianças haviam saído para a escola há mais ou menos uma hora, e a magnífica mansão do senhor Blake mergulhou num silêncio quase sagrado. Vivian se ocupou em fiscalizar os outros serviços da casa, enquanto eu, aos poucos, fui conhecendo os demais funcionários.
Primeiro conheci o senhor Roberto, o motorista exclusivo dos pequenos Blakes. Ele os leva e busca não só na escola, mas em qualquer outro lugar onde aprontem suas travessuras diárias.
Depois veio Diana, a cozinheira — uma mulher adorável, de aparência rechonchuda, sorriso acolhedor e que tentou me convencer, com toda a calma do mundo, de que as crianças eram apenas pequenos artistas… incompreendidos.
Aham. Tá bom.
Também conheci Jessie e Camilla, as responsáveis pela organização da casa. Por algum motivo que me escapa, não pareceram muito animadas com a minha presença. Mas fazer o quê? Nem Jesus agradou todo mundo.
E por fim, o seu Antônio — o jardineiro — que, para minha surpresa, descobri ser casado com a própria Diana. Um casal fofo, desses que parece saído de filme.
Vivian, como uma guia turística de luxo, me arrastou por cada cômodo da mansão num tour mais detalhado. O mesmo que eu não consegui fazer na noite anterior, porque fui sequestrada pelas crianças e jogada direto na sala de jogos.
Visitamos a sala de estudos — sim, uma mini escola dentro de casa. O terror de qualquer criança. E, sinceramente? O meu também.
Passamos pela sala de balé das gêmeas, a de esgrima do Lucca, o escritório do Alex (ainda estranho chamá-lo assim), quartos que eu nem sabia que existiam, uma sala de estar... sem TV, obviamente. A sala de jogos que já conhecia da noite anterior parecia agora ainda mais… sem vida. Morta mesmo. Quase triste. Como se estivesse esperando ser preenchida de novo.
Saindo para os jardins, avistei a piscina, a academia particular, uma estufa cheia de flores e plantas das mais diversas, e bem no meio de tudo isso... meu cachorro.
Meu cachorro CAÓTICO.
No centro do jardim, Sirius cavava um buraco com uma determinação que só posso descrever como apocalíptica. Estava a dois palmos de encontrar o núcleo da Terra.
— SIRIUS! — gritei, parando congelada ao lado de Vivian, que assistia à cena com um sorriso pequeno e muito suspeito.
— Vem já aqui!
Agora, se você acha que aquela bola de pelos atendeu meu chamado… você não conhece meu cachorro. Ele levantou a cabeça lentamente, olhou bem nos meus olhos com aquela cara de deboche que só ele sabe fazer e me lançou um olhar que claramente dizia: “Quem você pensa que é pra me interromper?”
E então... voltou a cavar. Simples assim. Como se não houvesse amanhã.
Com o pânico se instalando no meu peito (e a lama na pelagem dele me deixando levemente em desespero), corri até o buraco, agarrei a coleira dele e quase fui sugada pro inferno junto. Ao longe, ouvi Vivian gargalhar — a cereja do caos.
— Ele parece determinado a achar petróleo. — ela disse entre risos, enquanto eu finalmente conseguia arrastá-lo para longe do jardim, que agora parecia um cenário de guerra.
— Ele foi criado em apartamento, então não pode ver um pedaço de terra que já vira obra. — respondi, tentando recuperar o fôlego. — Acho melhor aproveitar que as crianças estão fora e levar ele pra tomar um banho. Se não, o sofá magnífico do senhor Blake vai ganhar um novo estofado… de barro. E, sinceramente? Não tô nem um pouco disposta a pagar por isso.