• Aneliese Moore •
Os primeiros raios de sol invadiram o quarto através de uma pequena fresta nas enormes cortinas, um lembrete silencioso de que uma nova semana se iniciava. Um lembrete igualmente cruel de que, pelos próximos três dias, eu seria a responsável pelos pequenos anjos do senhor Blake. E sinceramente? Eu estaria mentindo se dissesse que estou preparada.
Para falar a verdade, tenho quase certeza de que rezei para todos os santos e divindades ontem à noite antes de dormir, implorando para que, ao final desses três dias, eu ainda tenha alguma sanidade. Não é por nada, as crianças foram uns amores ontem à noite, depois que Sebastian e aquela mulher - que descobri ser sua irmã mais nova - partiram.
Claro, como secretária pessoal do Sebastian, eu sabia da existência de uma irmã. Só nunca tinha tido o prazer de conhecê-la pessoalmente. Também sei que ele tem um irmão, Gaspar Blake. Sei ainda que o senhor Blake é o irmão do meio, e aparentemente, o mais fechado dos três. Ninguém precisou me contar isso. Três anos trabalhando ao lado de Alexander me ensinaram a observar-lo muito bem.
Olho para o celular jogado no criado-mudo. 5h27 da manhã. As crianças precisam estar prontas às 7h30, já que as aulas começam às 8h.
Levanto da cama, calço meus chinelos (ou pantufas, dependendo do humor), e me espreguiço, me preparando psicologicamente para o que vem pela frente. Sirius, que passou a noite comigo - e quase me derrubou da cama com seu corpinho "discreto" de Husky - ergue a cabeça e me lança aquele olhar de julgamento típico da raça, como se dissesse:
"Isso mesmo, levanta e vai trabalhar, porque minha ração premium e o atum importado não se pagam sozinhos."
E bem, ele está certo.
Caminho até a pequena mala que trouxe com o essencial, separo uma muda de roupa e sigo para o banheiro. Tomo um banho relaxante, me visto, faço minha rotina matinal e, por fim, encaro o espelho.
Cabelos presos em um rabo de cavalo, pele bem cuidada - porque, sim, posso até não ter juízo, mas feia? Ah, meu amor, feia eu não sou.
Passo meus cremes (os que couberam na mala, pelo menos) e me olho uma última vez antes de sair. Sinceramente, ainda não entendi em que momento o senhor Blake olhou para minha cara e pensou que seria uma boa ideia me deixar cuidando dos filhos dele. Talvez ele precise dar uma repaginada na mansão e não soube como pedir ajuda, então deixou três pequenos furacões sob minha responsabilidade, na esperança de que eu derrube tudo e justifique uma reforma. Ou talvez ele apenas esteja tentando aniquilar a própria descendência. Porque, sério, ninguém em sã consciência deixaria seus filhos aos meus cuidados sem algum plano maligno escondido.
Visto a roupa que separei - jeans e blusa branca lisa. Seria essa a minha escolha para ficar em casa? Não. Eu gosto disso? Também não. Mas acontece que estou na casa do meu chefe, e não vou ficar desfilando por aí de pijama dos Minions. Limites, meus caros, limites.
Saio do quarto em direção ao de Lucca. Não porque ele seja o mais velho, mas porque, na minha cabeça, meninos se arrumam mais rápido. (O que, convenhamos, pode ser uma bela ilusão.)
Abro a porta devagar, já notando que a cama estava arrumada e o quarto banhado pela luz do sol. Nenhum sinal do pequeno Blake - talvez estivesse no banho. Sigo então para o quarto das gêmeas... E a mesma cena se repete: camas feitas, tudo organizado, nenhum sinal das pequenas - nem mesmo nos banheiros. (Sim, eu chequei.)
As mochilas também tinham sumido.
Parece que o senhor Blake tem filhos mais responsáveis que a própria secretária.
Desço as escadas e sigo em direção à sala de jantar. Um café da manhã digno de filmes de Hollywood estava posto à mesa. Sentados em seus lugares, estavam os pequenos anjos, comportados como se tivessem sido treinados para isso, o que me fez questionar até que ponto o senhor Blake era rígido com seus filhos.
- Bom dia, senhorita Moore. - A voz de uma das gêmeas, que ainda não consigo distinguir qual delas é, ecoa com animação.
- A senhorita dormiu bem? - perguntou a outra, exibindo um grande sorriso enquanto tomava seu suco.
- Bom dia, meninas. Bom dia, Lucca. - respondi sorrindo, enquanto as cumprimentava. - Dormi bem, obrigada por perguntarem. E vocês, como dormiram?
- Incrivelmente bem. - disse Lucca, sorrindo. - Senhorita Moore, você se importaria de se sentar ao meu lado? - perguntou o mais velho, como um pequeno cavalheiro.
- Não, senhorita Moore, você precisa se sentar entre nós duas! - disseram as gêmeas em uníssono.
- Eu agradeço, crianças, mas não costumo tomar café da manhã. - disse, sorrindo. - Mas ficarei feliz em fazer companhia a vocês. - acrescentei, puxando uma das cadeiras vazias para me sentar.
No entanto, antes que eu pudesse me acomodar, ouço alguém chamar meu nome.
- Senhorita Moore? - Uma mulher mais velha, aparentando ter seus cinquenta e poucos anos, surgiu da cozinha trazendo consigo um bolo de chocolate, que colocou sobre a mesa. - Prazer em conhecê-la. Sou Vivian, a governanta da casa. - disse, sorrindo e vindo em minha direção.
- Como vai, Vivian? O prazer é meu em conhecê-la. Me chamo Aneliese, mas pode me chamar de Ane. - respondi, um pouco sem jeito, sendo surpreendida por um abraço.
- Encantada, minha querida. - disse ela, soltando-me, ainda mantendo um sorriso acolhedor. - Se me permite perguntar... poderia me ajudar a pegar mais algumas frutas para colocar na mesa? Diana, a cozinheira, teve um imprevisto e ainda não chegou.
- Claro. - respondi, sorrindo. - Será um prazer ajudar. - completei calmamente, seguindo-a até a cozinha.
Assim que entramos no ambiente, Vivian me puxou discretamente para um canto, lançando olhares ao redor como se esperasse que alguém estivesse nos observando.
- Você parece ser uma moça adorável, senhorita Moore. - começou ela, cortando algumas frutas. - Então, se posso lhe dar um conselho: não confie cegamente nas crianças. - disse em tom calmo. - Ou, ao menos, verifique antes de fazer qualquer coisa que elas pedirem. São uns amores com quem conhecem, mas costumam pregar peças em quem ainda não têm intimidade. E, bem... - ela sorriu de canto. - Você seria a próxima vítima. As cadeiras da sala de jantar estão cheias de cola.
Meus olhos se estreitaram na mesma hora. Eu poderia duvidar daquilo, mas, convenhamos, o que ela ganharia mentindo?
- A senhora os viu fazendo is...
- Minha querida, eu vi essas crianças crescerem, assim como cuidei de Alexsander desde que ele tinha a idade do pequeno Lucca. - interrompeu ela, de maneira tranquila e carinhosa. - Se eu reconheço bem algo, é aquela carinha de anjo que eles fazem, estão aprontando. Vá por mim: você seria a próxima vítima. Mas não se preocupe. - ela acrescentou, como quem conta algo corriqueiro. - Uma hora eles se cansam.
Disse isso com uma naturalidade absurda antes de pegar a bandeja de frutas e voltar para a sala de jantar, me deixando ali, parada na cozinha com cara de tacho.
Agora, oficialmente, sinto como se estivesse em um campo minado - e eu sou o alvo. Três pirralhos armados de sorrisos inocentes e uma
coleção de pegadinhas. Deus, me ajude.