Alicia
Me olho no espelho, reparando o quanto já se passou desde a minha vinda à Itália. Meu pai tem viajado muito, e às vezes me sinto preocupada. Claro que já até me acostumei a morar aqui. Trabalho em uma boa empresa e ganho até bem. Com meus 25 anos, já pensei em morar sozinha, mas como vou fazer isso se o papai só viaja? Não posso deixar a mamãe sozinha. Letícia e Fernanda têm me ligado muito. Letícia vai se casar em breve, e estou tão animada para viajar ao Brasil e vê-la casando! A Fernanda continua do mesmo jeito: trabalhando e com seus rolos. Ela vive dando sermões de que devemos aproveitar muito a nossa juventude. Só que eu não consigo ser como ela. Sempre fui muito tímida. Cheguei até a ficar com um carinha quando estava na faculdade, mas foi coisa rápida. Ele só queria se divertir... Bom, acho que ainda não consegui superar minha paixão de juventude. Ele deve estar diferente agora, ou já deve até ser apaixonado por outra. Não tenho mais notícias e nunca mais quis. Sempre deixei bem claro para as meninas: nunca me contem nada sobre ele. No meu caso, acho que não me sinto mais uma menininha. Tenho duas colegas no trabalho, Camila e Laura. Elas me ajudaram muito depois que terminei a faculdade de Gestão Financeira. Entrei nessa empresa de assessoria — não é uma empresa grande, mas também não é pequena. É bem conhecida aqui e cuida de muitas empresas poderosas. Claro que ainda não tenho acesso a todas, mas costumo cuidar de documentos e propostas para melhorar os lucros e a qualidade dos produtos de algumas delas. Termino de me arrumar. Hoje, eu e a Camila vamos visitar a empresa Group Savvy. Como é a minha primeira vez, estou muito nervosa. Passei duas madrugadas trabalhando nessa proposta. Nosso objetivo é melhorar os gastos desnecessários e ajudar a controlar as contratações. Parece que eles trocam muito de funcionários, principalmente mulheres. Por isso a visita — precisamos entender por que tantas estão se demitindo. — Filha, o café já está na mesa — diz minha mãe, me tirando dos pensamentos. — Mãe, já estou atrasada. Vou tomar café no caminho. Beijos, te amo — falo, depositando um beijo em seu rosto, deixando-a brava por mais um dia sem a minha companhia. Eu queria dar o meu melhor, e precisava disso se quisesse continuar lá. — Tá bom, querida. Vê se chega cedo. E se cuida! Ela gritou quando eu já estava na porta. Sorri e fiz um coração com as mãos para ela. Ela sempre será minha vida, a pessoa que mais amo. Pego um táxi, dou o endereço, e ele leva cerca de meia hora para chegar ao local. Logo vejo a Camila com seu conjunto social rosa. Ela sempre se veste para chamar a atenção. Diferente de mim — gosto de roupas básicas, sem muito exagero. Sei que preciso me arrumar melhor. Ela vive dizendo que eu deveria trocar o guarda-roupa inteiro. Mas não me sinto bem com roupas chamativas, fora os olhares tortos das pessoas. Hoje vim com um conjunto social básico: calça preta e blazer. Prendi meus cabelos em um rabo de cavalo e fiz uma leve maquiagem. Estava me sentindo ótima daquele jeito. — Oi, Alicia! Eu já não falei pra você se produzir mais? Você sabe com quem vai ser a nossa reunião? Vai ser com um dos sócios da Group Savvy. Olha a responsabilidade! Nada pode dar errado hoje, entendeu? — Entendi, Camila. — Será que entendeu mesmo? — ela sorri ao ver minha cara preocupada. — Bom, vamos. Mesmo com essas roupas cafonas, você continua linda. Ela me analisou. Eu sabia que falava para o meu bem. Sempre me ajudava. Graças a ela e a Laura, pude gostar um pouco mais daqui. Entramos no prédio comercial do Grupo Savvy. Olho ao redor: o prédio devia ter uns 20 andares. O escritório deles ficava no décimo segundo. Meu coração batia acelerado de tão nervosa. Camila, já experiente, estava plena e tentando me passar confiança. Quando entramos no elevador, ela me olha sorrindo e diz: — Mantenha a calma, Alicia. Dá pra ver de longe o seu nervosismo. Os relatórios ficaram excelentes. Tenho certeza de que vamos conseguir fechar essa proposta. Então não se preocupe. E deixe comigo — se não se sentir bem para falar, eu falo por você. Tudo bem? — Obrigada — agradeci. Ela estava me tranquilizando. Preciso aprender a ser mais firme como ela e ter essa confiança que me falta. Sempre tive dificuldade para apresentar algo em público. Mas agora preciso mudar, tentar ser menos tímida, aprender a me expressar. Saímos do elevador e adentramos uma luxuosa sala ampla. Havia sofás e uma mesa ao canto, com uma secretária loira que nos olhava. À frente, um corredor que provavelmente levava às outras salas da empresa. Dois homens saíam de uma dessas salas e cumprimentavam a secretária com um sorriso. O jeito como um deles falava com ela parecia íntimo. O outro, mais velho, nos olhou e apontou para a secretária, perguntando quem éramos. Camila se aproximou, sorridente. — Bom dia! Prazer, eu sou a responsável da Consilium. Eu e minha colega temos uma reunião com o senhor Jerne. Os dois nos olharam como se estivessem nos avaliando. Não gostei do sorriso que o senhor mais velho deu ao outro. — Ah, interessante. Então a senhora é a Camila, de quem ouvi tantos elogios. E essa aí? — perguntou, me olhando. — Sou a Alicia, senhor. Prazer em conhecê-lo — falei séria, tentando me controlar. Senti nojo do olhar daquele velhote — primeiro para a Camila, depois para mim, como se fôssemos brinquedos. — Bom, o senhor pode avisar ao senhor Jerne que estamos aqui — completou Camila, já impaciente, mas sempre com um sorriso educado. — Claro, querida! Marta, avise ao senhor que tem duas belas moças esperando por ele. O amigo dele sorriu do comentário, e a secretária se levantou, sumindo no corredor. Os dois continuaram nos olhando. Aquilo me deixou desconfortável. — Ah! Esqueci de me apresentar. Sou Ricardo e esse é o Lucas. Se precisarem de qualquer coisa, eu e meu colega providenciamos em um minuto para vocês. — Agradecemos, senhores. Mas viemos mesmo para falar com seu chefe. Não queremos incomodar. Podem voltar ao que estavam fazendo. Camila respondeu, seca, deixando-os irritados. Ela segurou minha mão e seguimos pelo corredor. Assim que ficamos fora da vista deles, ela me olhou séria. — Alicia, precisa ficar longe de caras assim. Provavelmente tem muitos como eles aqui. Por isso há tanta demissão feminina. Aposto que há muito assédio nesse lugar. — Senti isso também. Deu pra ver o quanto a secretária estava constrangida com aquele senhor. Aquela intimidade... — Vai ser uma batalha conseguir que alguém não se demita aqui... Camila disse, desanimada, já sabendo o que teríamos que enfrentar. Paramos diante de uma porta grande. Logo a secretária saiu e nos mandou entrar. Camila foi à frente. A sala tinha tons frios, um cinza escuro misturado com outros mais claros. Olhei em volta — o escritório era luxuoso, com quadros e decoração requintada. Meus olhos percorreram o espaço até pararem em um homem de costas, olhando pela janela. Ombros largos, cabelos escuros bem penteados... alto, forte, com estrutura muscular marcante. Me senti estranha, mas fui tirada dos pensamentos por uma voz masculina falando com Camila: — Bem-vinda, senhora Camila! Que prazer recebê-la aqui. Ouvi muito bem sobre o seu trabalho. Sente-se, por favor. E não ligue para meu amigo ali — ele chegou há pouco e veio me visitar. Como foi de última hora, não consegui cancelar nossa reunião. A senhora não se importa que ele fique, não é?