2 O Segredo de Clara pt2

Úrsula acordou tarde naquele dia, como de costume. Os lençóis de linho ainda guardavam o perfume amadeirado de algum perfume caro (o seu, talvez o dele também, difícil saber). Espreguiçou-se sem pressa de levantar. A cidade já pulsava lá fora, mas ela sempre se permitia um ritmo próprio.

Após um banho demorado, deslizou em um vestido midi de seda branca, sandálias finas e óculos de sol oversized. Um toque de batom vermelho, pulseiras douradas, o cabelo solto em ondas impecáveis. Pegou sua bolsa Chanel, ajeitou o celular na mão e saiu, o salto ecoando pelo hall de entrada do prédio.

O dia foi de puro deleite. Entrou em algumas lojas de grife na Oscar Freire, experimentou vestidos que sabia que não precisava, mas gostava de sentir o tecido bom contra a pele. Comprou uma nova clutch, de couro legítimo, claro. Tomou um vinho branco gelado em uma varanda de restaurante enquanto observava o movimento da rua. Passeou sem pressa, parou em uma livraria charmosa, folheou alguns livros, fez anotações mentais sobre coisas que queria aprender, outras que jamais teria paciência.

Era o tipo de tarde em que tudo parecia conspirar a favor: o vento morno, o barulho suave da cidade, a sensação de ser dona de si e do próprio tempo.

Por volta das cinco, ela caminhou até o café onde combinara de encontrar Leonardo . Ele tinha sido insistente quando a abordou semanas antes, num evento fechado em uma galeria de arte. Bonito, bronzeado, sorriso alinhado. Ela o achara um tanto óbvio no começo, mas havia algo magnético naquela confiança sem esforço.

Ele a procurou nos dias seguintes por mensagens, convites para sair, flores enviadas ao endereço certo. Persistente. Úrsula gostava de homens assim, que sabiam o que queriam e não se intimidavam.

Tinham saído algumas vezes desde então: jantares em restaurantes estrelados, bares escondidos com coquetéis de assinatura, idas a hotéis discretos onde o sexo era sempre gostoso, intenso, e depois, ela se sentia levemente entorpecida. Leonardo era o tipo de homem que pedia as garrafas mais caras da carta sem pestanejar e sabia exatamente como tratar uma mulher como ela: com atenção, mas sem grudar demais, sem perguntar além da conta.

Naquela tarde, quando ela entrou no café, ele já a esperava em uma mesa de canto, elegante de camisa social dobrada nos cotovelos e blazer jogado no encosto da cadeira. Sorriso alinhado, olhos castanhos atentos.

— Você está maravilhosa, como sempre. — disse ele, levantando-se para cumprimentá-la.

Úrsula sorriu de canto, tirou os óculos de sol e se acomodou.

L

— Achei que fosse desistir de mim depois do último sumiço.

— Desistir de você? Nunca. — Ele riu, com aquele ar seguro que a divertia.

Pediram drinks, ele um uísque 18 anos, ela um negroni clássico.

Enquanto conversavam, Úrsula percebeu algo curioso: ele falava sobre si mesmo. Sobre a família, as viagens, a infância em Minas, as ex-namoradas, tudo com uma naturalidade que a surpreendia. Não era o tipo de homem que ela costumava se envolver, daqueles que falavam pouco e faziam muito, mas havia algo em Leonardo... Ele se abria, sem vergonha, como se ela fosse uma amiga de longa data.

E, para sua surpresa, Úrsula gostava. Sentia-se estranhamente confortável, como se não precisasse representar nada, como se pudesse apenas estar ali, ouvir, comentar, brincar.

Entre risos, trocas de olhares longos e algumas provocações, ela percebeu que o tempo havia passado rápido. O sol já começava a se pôr, lançando tons dourados sobre os copos. Ela tocou levemente a mão dele na mesa, um gesto casual, mas que deixou algo não dito pairando no ar. Inclinou-se para frente e perguntou:

— E hoje, vamos para onde depois daqui?

O sorriso dele foi lento, quase predador.

— Onde você quiser, Úrsula. Onde você quiser.

— Então me surpreenda. — ela disse com um sorriso no rosto.

Leonardo a levou para sua cobertura no Itaim, um daqueles prédios altos, modernos, com janelas de vidro que refletiam as luzes da cidade. O apartamento era amplo, minimalista, decorado em tons neutros. Móveis de design assinado, quadros abstratos que pareciam ter saído de uma galeria cara, mas faltava alguma coisa... Vida.

Não havia fotos, porta-retratos, lembranças de viagens, livros com anotações à mão. Nenhuma bagunça de alguém que realmente mora no espaço. Era tudo impecável, frio, como se tivesse sido montado para uma revista de arquitetura, mas nunca realmente vivido. Poderia pertencer a qualquer homem de sucesso com dinheiro, ou mesmo a ninguém.

Estranho para alguém como ele, que gostava tanto de falar de si, da própria infância, da avó que fazia pão de queijo, do cachorro da adolescência, dos casos no tribunal. Ela reparou nisso, mas não comentou. Talvez fosse um charme a mais, ou um sinal.

Leonardo a conduziu até a varanda, onde uma piscina aquecida de borda infinita refletia o azul escuro da noite. A cidade parecia distante, as luzes formando um tapete brilhante aos pés deles. Um funcionário discreto trouxe champanhe gelada e taças de cristal, e logo estavam os dois mergulhados na água morna, rindo de piadas que pareciam leves demais para aquela noite.

Úrsula, deitada em uma espreguiçadeira após o banho, observava o céu enquanto Leonardo falava. A luz suave refletia no rosto dele, tornando-o mais bonito do que realmente era, talvez.

— Mas e você, Úrsula? — ele perguntou, após a terceira taça de champanhe, com aquele sorriso de quem sabe que o álcool abre portas. — Sua história... me conta. Quem é você, além dessa mulher linda e misteriosa?

Por um segundo, ela hesitou. Quase sorriu para disfarçar, quase jogou uma piada para o lado. Mas, pela primeira vez, decidiu falar.

— Nasci num buraco, num cortiço nojento. Não importa onde exatamente, só que... cresci como uma miserável. Sem mãe — a ordinária me abandonou com meses. Meu pai dizia que ela tinha arranjado alguém melhor. Ele me maltratava por isso, dizia que era culpa minha. Brigávamos sempre. Ele nunca me dava o suficiente, sequer podia comprar meu absorvente. — A voz dela soou seca, firme, sem drama, como se estivesse lendo a bula de um remédio.

— Comecei a trabalhar com doze anos, numa padaria do bairro. Varri o chão, servi café, fazia de tudo. Até que um dia meu pai morreu — infartou no sofá, como um bicho cansado. O chefe dele foi o único que apareceu no velório. Acolheu uma garota magra, malvestida, só para que eu pudesse ter o que comer. Terminei os estudos... e hoje estou aqui.

Ela tomou mais um gole da bebida, o olhar perdido na escuridão da cidade.

— Minha vida adulta não tem muito a ser narrada.

Leonardo arqueou uma sobrancelha, curioso.

— Sério? Nenhum ex maluco, nenhum emprego horrível, nenhum trauma cabeludo?

Úrsula deu de ombros, com aquele ar blasé que vestia tão bem:

— Não... nada que mereça ser contado.

O silêncio pairou por um instante, apenas o som das bolhas na piscina, o estalo do gelo no balde de champanhe. Leonardo a observou, talvez tentando decifrar se havia mais por trás daquela resposta seca. Mas Úrsula já tinha se fechado de novo, como sempre fazia.

Ela sorriu de leve, encostando a cabeça na borda da cadeira:

— Agora, que tal me contar sobre o seu dia de novo?

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