CAPÍTULO 2

 

DANTE


Eu deveria ter ido embora mais cedo.

Deveria ter inventado uma desculpa — reunião, cansaço, qualquer coisa. Mas fiquei. Como sempre ficava quando Roberto me chamava para um desses churrascos de domingo. Porque era fácil estar ali. Porque a casa dele sempre teve algo que a minha nunca mais teve depois que Helena partiu: vida.

Risadas. Calor humano. A sensação de que o mundo ainda girava, mesmo quando o meu tinha parado há três anos.

Mas hoje... hoje foi diferente.

Hoje eu a vi.

E não foi a primeira vez. Não foi nem a segunda. Mas foi a primeira vez que senti.

Lívia.

A filha do meu melhor amigo.

A menina que eu vi crescer. Que eu ajudei a carregar no colo quando tinha cinco anos e chorava porque caiu da bicicleta. Que me chamava de "tio Dante" e sorria sempre que eu chegava.

Só que ela não era mais uma menina.

E eu precisava parar de notar isso.


Estava conversando com Roberto sobre o novo projeto da Carvalho Tech quando senti. Aquele peso invisível que só existe quando alguém está te observando. Virei a cabeça instintivamente — e lá estava ela.

Sentada na beirada da piscina, os pés dentro da água, um livro nas mãos. Mas não estava lendo. Estava me olhando.

Nossos olhos se encontraram, e por um segundo — apenas um maldito segundo — esqueci onde estava. Esqueci quem ela era. Esqueci tudo, exceto aquele olhar.

Castanho-escuro. Profundo. Intenso demais para alguém de vinte anos.

Então a realidade me atingiu como um soco no estômago, e eu desviei o olhar. Voltei a atenção para Roberto, que continuava falando sobre algo que eu não estava mais processando. Porque tudo o que eu conseguia sentir era a queimação na nuca — o rastro daquele olhar que ainda estava em mim, mesmo depois de eu ter desviado.

O que está acontecendo comigo?


— Dante? — a voz de Roberto me trouxe de volta. — Você está me ouvindo?

— Desculpa — forcei um sorriso. — Cabeça longe. Trabalho.

Ele riu e deu um tapinha no meu ombro.

— Você precisa relaxar, cara. Desde que Helena... — ele pausou, como sempre pausava quando mencionava o nome dela. Como se tivesse medo de me quebrar. — Você trabalha demais. Precisa viver um pouco.

Viver.

Como se fosse simples assim.

Como se eu soubesse como fazer isso sem ela.

— Estou bem — menti. Porque era mais fácil mentir do que explicar que eu não sabia mais o que era "viver". Que cada dia era apenas uma repetição automática de acordar, trabalhar, voltar para uma casa vazia e dormir. E recomeçar no dia seguinte.

Roberto me olhou com aquele olhar de quem não acreditava, mas não ia insistir. Então pegou a cerveja e mudou de assunto.

E eu agradeci em silêncio.


A tarde passou. As pessoas conversavam, riam, comiam. Eu fiz o que sempre fazia: sorri quando precisava, respondi quando me perguntavam algo, fingi que estava presente.

Mas não estava.

Porque cada vez que Lívia passava, algo dentro de mim se movia. Como se meu corpo reagisse antes da minha mente conseguir controlar.

Quando ela saiu da piscina e caminhou até a cozinha, eu vi. Vi o corpo dela, esguio, marcado pela juventude e por uma feminilidade que não deveria estar me afetando. Vi o modo como o tecido da saída de praia colava levemente na pele molhada. Vi o balanço dos quadris enquanto ela andava — e odiei a mim mesmo por notar.

Ela é a filha do Roberto.

Ela tem vinte anos.

Você a viu crescer.

Repeti isso na minha cabeça como um mantra. Tentando me convencer de que o que eu estava sentindo era errado. Doentio. Inaceitável.

E era.

Mas isso não fazia o sentimento desaparecer.


Rafael percebeu. Claro que percebeu. Ele sempre percebe quando algo está errado comigo.

— Você está estranho hoje — disse ele, baixo, enquanto Roberto estava distraído conversando com outro amigo.

— Estou cansado — respondi, sem olhar para ele.

— Cansado ou fugindo de alguma coisa?

Virei para encará-lo. Rafael me conhecia bem demais. Éramos sócios há mais de uma década. Amigos há mais tempo ainda. Ele sabia quando eu estava mentindo.

— Não estou fugindo de nada — menti de novo.

Ele me estudou por um momento, então assentiu devagar. Mas o olhar dele dizia claramente: Eu sei que você está mentindo. E quando quiser falar sobre isso, estarei aqui.

Agradeci em silêncio e voltei a atenção para a cerveja na minha mão.


Quando a noite caiu, comecei a me despedir. Dona Laura — minha mãe — beijou minha testa e sussurrou algo que me fez gelar por dentro:

— Você precisa permitir ser feliz de novo, filho.

Não respondi. Apenas abracei-a e fui até o carro.

Mas antes de entrar, olhei para a casa. E através da janela do segundo andar, vi uma sombra. Lívia, parada na janela do quarto, olhando para mim.

Mesmo de longe, mesmo na penumbra, senti o peso daquele olhar.

E pela primeira vez em três anos, senti algo além do vazio.

Algo perigoso.

Algo que eu precisava matar antes que crescesse.


Dirigi até minha casa em silêncio. A mansão estava vazia, como sempre estava. Marta já tinha ido embora. Apenas eu e os fantasmas que moravam ali.

Subi para o quarto, tirei a camisa e fui até o banheiro. Abri a torneira da pia e joguei água fria no rosto, tentando lavar o calor que ainda sentia. O calor daquele olhar.

Quando levantei a cabeça e me vi no espelho, não reconheci o homem que olhava de volta.

Olhos cansados. Maxilar tenso. Cabelos começando a mostrar os primeiros fios brancos nas têmporas.

Trinta e oito anos.

Dezoito a mais que ela.

Lívia.

Fechei os olhos e respirei fundo.

Você não pode. Não pode nem pensar nisso.

Mas era tarde demais.

Porque já estava pensando.


Deitei na cama, no escuro, e olhei para o teto. O silêncio da casa era ensurdecedor. O tipo de silêncio que machuca. Que te obriga a ouvir os próprios pensamentos — e os meus eram um inferno.

Porque, pela primeira vez desde que Helena morreu, eu senti algo.

E esse algo estava em uma pessoa que eu não deveria desejar.

Em uma mulher que eu não tinha o direito de tocar.

Na filha do homem que eu considerava um irmão.

Virei de lado, fechando os olhos com força, e tentei dormir.

Mas tudo o que eu via era ela.

Lívia, sentada na beirada da piscina, me olhando como se esperasse algo de mim.

Lívia, passando pela área gourmet, com aquele corpo que eu não deveria notar.

Lívia, na janela, me observando ir embora.

Você precisa parar com isso.

Mas eu sabia a verdade.

Sabia que algo tinha mudado hoje.

E sabia — mesmo que não quisesse admitir — que não importava o quanto eu tentasse fugir.

Essa mulher ia me destruir.



"A culpa não te impede de desejar. Ela apenas te ensina a odiar a si mesmo por isso."

— Sophie Castellan

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