Mundo ficciónIniciar sesiónHá coisas que um pai aprende a perceber sem que ninguém precise dizer. O jeito como a filha sorri quando está escondendo algo. O brilho nos olhos quando menciona determinado assunto. A forma como ela desvia o olhar quando sente que você está vendo demais.
Eu conhecia Lívia. Conhecia cada gesto, cada respiração, cada silêncio dela.
Mas naquele domingo, enquanto eu virava a carne na churrasqueira e conversava com os amigos, senti algo diferente.
Algo que eu não conseguia nomear.
Lívia estava estranha. Não de um jeito óbvio — ela sorria, conversava, ajudava a mãe. Mas havia uma tensão nela. Como se estivesse constantemente consciente de onde estava. De quem estava por perto.
E quando percebi para onde os olhos dela iam sempre que achava que ninguém estava vendo, meu estômago se apertou.
Dante.
Ela estava olhando para Dante.
Não era a primeira vez que eu percebia. Nos últimos meses, sempre que Dante vinha aqui, Lívia ficava... diferente. Mais arrumada. Mais atenta. Mais presente.
No começo, achei que fosse apenas admiração. Dante sempre foi uma figura marcante — bem-sucedido, carismático, íntegro. Era natural que Lívia o admirasse. Eu mesmo o admirava. Ele era meu melhor amigo desde a faculdade, o homem que eu considerava um irmão.
Mas hoje... hoje foi diferente.
Porque não foi só ela que olhou.
Foi ele também.
Eu estava falando sobre o novo projeto de expansão da empresa dele quando ele parou no meio da frase. Os olhos dele se desviaram por um segundo — apenas um segundo — e seguiram Lívia, que estava sentada na beirada da piscina.
Ele olhou para ela.
E o modo como olhou... não foi o olhar de um tio. Não foi o olhar de alguém que a viu crescer.
Foi outra coisa.
Algo que fez meu sangue gelar.
Então ele piscou, como se acordasse, e voltou a atenção para mim. Continuou falando normalmente, como se nada tivesse acontecido.
Mas eu senti.
Senti aquele segundo de silêncio. Aquele desvio de olhar. Aquela tensão no ar que não deveria estar ali.
Tentei ignorar.
Talvez eu tivesse imaginado. Talvez fosse só paranoia de pai superprotetor. Talvez Dante estivesse apenas distraído, pensando em trabalho, em Helena, em qualquer outra coisa.
Mas então Lívia passou pela área gourmet, indo até a cozinha. E eu vi de novo.
O jeito como Dante parou de falar. O jeito como os olhos dele a seguiram — só por um instante — antes de voltar para a conversa.
E o jeito como Lívia não olhou para ele, mas seus ombros ficaram tensos, como se ela sentisse o peso daquele olhar.
Não.
Não pode ser isso.
Balancei a cabeça, afastando o pensamento. Estava sendo ridículo. Dante jamais olharia para Lívia daquele jeito. Ele a conhecia desde criança. Ele era praticamente um tio para ela.
E Lívia... Lívia era só uma garota de vinte anos. Provavelmente estava de olho em algum menino da faculdade. Algum garoto da idade dela.
Claro que sim.
Mas mesmo tentando me convencer, algo dentro de mim não se acalmava.
Mais tarde, quando as pessoas começaram a ir embora, fui até a cozinha pegar outra cerveja. Mariana estava guardando os pratos, e aproveitei o momento para perguntar:
— Lívia está namorando alguém?
Mariana ergueu os olhos para mim, surpresa.
— Por que a pergunta?
— Só curiosidade. Ela está estranha hoje.
Mariana secou as mãos no pano de prato e me olhou com aquele jeito que só ela tinha — como se estivesse lendo além das minhas palavras.
— Ela terminou com o Bruno faz uns três meses. Desde então, não namorou ninguém.
— Mas sai com alguém?
— De vez em quando. Lucas, o colega de faculdade, tenta há meses. Mas ela sempre diz que é só amizade.
Assenti devagar, processando.
— E você acha... — hesitei, sem saber bem como perguntar. — Acha que ela está interessada em alguém?
Mariana me estudou por um longo momento. Então suspirou.
— Roberto, o que está acontecendo?
— Nada. Só... percebi ela estranha hoje. Distraída.
Mariana cruzou os braços, me encarando.
— Lívia tem vinte anos. É normal que ela esteja pensando em garotos, em relacionamentos. Ela está naquela fase.
— Eu sei — murmurei. — Só queria ter certeza de que ela está bem.
Mariana se aproximou e tocou meu rosto com a mão.
— Ela está bem. E você precisa relaxar. Não pode vigiar a vida dela para sempre.
Sorri, mas o aperto no peito não passou.
Porque não era sobre vigiar.
Era sobre aquele olhar que eu vi.
Aquele segundo de silêncio entre Dante e Lívia.
Aquela tensão que não deveria existir.
Quando voltei para a varanda, Dante e Rafael ainda estavam lá. Sentei ao lado deles e peguei a cerveja.
— Você está bem? — perguntei para Dante, casual.
Ele ergueu os olhos para mim, surpreso.
— Estou. Por quê?
— Não sei. Você parece cansado.
Ele deu um meio sorriso — aquele sorriso cansado que ele sempre dava quando alguém perguntava como ele estava.
— Trabalho. Você sabe como é.
— Sei — murmurei. Mas não acreditei.
Porque havia algo nos olhos dele. Algo que eu não conseguia identificar. Algo que não estava ali antes.
Rafael mudou de assunto, falando sobre um projeto novo, e eu deixei a conversa fluir. Mas minha mente estava em outro lugar.
Estava em Lívia, sentada na beirada da piscina.
Estava em Dante, desviando o olhar.
Estava naquele segundo de tensão que eu senti — e que não conseguia esquecer.
Mais tarde, quando todos foram embora e a casa finalmente estava em silêncio, subi para o quarto. Mariana já estava deitada, lendo.
— Você acha que Lívia está bem? — perguntei, tirando a camisa.
Mariana baixou o livro e me olhou.
— Roberto, você já me perguntou isso hoje.
— Eu sei. Mas... — hesitei. — Não sei. Sinto que tem algo errado.
— Errado como?
— Não sei explicar.
Mariana suspirou e colocou o livro de lado.
— Lívia é uma mulher adulta. Ela tem seus segredos, seus sentimentos, sua vida. E você precisa confiar nela.
— Eu confio — respondi, rápido. — Mas é meu trabalho protegê-la.
— Proteger não é sufocar, amor. Você precisa deixá-la viver.
Assenti, mas não consegui relaxar.
Porque algo dentro de mim — aquele instinto de pai que nunca falha — estava gritando que algo estava errado.
Algo que eu ainda não conseguia ver.
Mas que estava prestes a mudar tudo.
"Um pai sempre sabe quando algo está errado. Mesmo quando ainda não consegue nomear o que é."
— Sophie Castellan






