Madrugada

Depois de Josefina concluir sua missão com Clara, e garantir que a menina não deixaria mais rastros de caos pela casa, Minjae foi fiscalizar se estava tudo em ordem. Sua tradicional ronda silenciosa. Verificou o quarto, abriu discretamente os armários, olhou o banheiro, as cortinas, o carpete rosa que horas antes havia sido cenário de guerra. Nada. Nem um respingo de tinta. Nenhuma mancha.

Clara, surpreendentemente calma, resolvia as atividades da escola. Josefina, já recomposta do dia caótico, a orientava com paciência.

Quando o relógio marcou 22h, Josefina foi finalmente liberada. Caminhou até o apartamento dos funcionários que fica ao lado da mansão — um pequeno estúdio de cerca de 35m², com cozinha compacta, banheiro minúsculo e uma janela que dava para o pátio interno. Era simples, mas confortável, e naquele momento parecia o paraíso.

Assim que ligou o celular, quase caiu para trás: 19 chamadas perdidas. Quase todas de sua família.

Mandou mensagem para os pais, lembrando do fuso de 12h de diferença entre Brasil e Coreia. Eles estavam trabalhando. Não responderiam tão cedo.

Josefina se jogou na cama exausta e apagou em segundos.

A vibração do celular começou pouco antes das cinco da manhã. Primeiro uma vez, depois outra.

Ela até tentou ignorar, mas Júlia insistiu como uma alma penada.

— Ai, meu Deus… — Josefina resmungou, levantando o aparelho com o cabelo desgrenhado e olhos entreabertos. Atendeu a chamada de vídeo — Júlia, pelo amor de tudo, aqui ainda é madrugada! Que foi?

— Você sumiu!

— Eu tava dormindo, né! — ela sussurrou, evitando acordar alguém — Ontem foi um inferno. Eu preciso descansar…

Mas o tom da irmã era sério. Suficientemente sério pra fazer Josefina abandonar a cama. Pegou o celular e começou a caminhar pelo corredor silencioso que levava à área externa.

— Tá vendo isso aqui? — ela virou a câmera, apontando para o mini-apê — Eu moro nesse cubículo agora. Trinta e cinco metros quadrados, mas é até jeitoso. O banheiro é minúsculo, mas pelo menos tem água quente.

Júlia a encarou com espanto:

— Abandonar o conforto daqui, por isso daí? Não sei se vale a pena, mana. E tá trabalhando como condenada.

— É cansativo. Mas, o salário acho que vale o sacrifício. Equivale a quase onze mil reais. Não preciso me preocupar com aluguel, contas de água, luz, internet. As refeições básicas também não.

— E esse lugar é dentro da mansão?

— É. A ala dos funcionários. Vou te mostrar.

Josefina seguiu adiante, entrando na cozinha compartilhada, limpa como se ninguém a usasse. Armários alinhados, etiquetas em coreano e inglês, panelas organizadas por tamanho.

— Todo mundo aqui é obcecado por organização — murmurou — A governanta, Sarah Bloom, é inglesa. Inglê-sa! Elegante, rígida, parece que saiu de um filme de época. Ela mora aqui também, com o marido… o motorista particular do senhor Hyun. Ele também é segurança. Dois em um.

— Eles têm filhos?

— Ah, sim. O Andrew. É estagiário, trabalha na empresa do patrão. Vive com cara de que nunca dorme. — Josefina suspirou — Aliás, aqui todo mundo trabalha demais. Ninguém fofoca nada. Absolutamente nada! Parece que mantém sigilo absoluto do que acontece.

Josefina passou para a lavanderia: máquinas de última geração, cestos etiquetados por setores da casa, tudo esterilizado. As roupas de cama, toalhas, uniformes… tudo passa por lá. Dessa parte ia para o setor externo que ligava ao corredor do jardim.

Enquanto Júlia ficou do outro lado da tela em silêncio, absorvendo cada detalhe mostrado.

Josefina retrucou ao sair pelo jardim, sentou em um lugar afastado e isolado, observando a aurora.

— A Sra. Si — a cozinheira chefe — chega às seis em ponto. Coreana. Super gentil, mas… deve ser cansativo. Ela volta para a casa dela às sete da noite. Acho que é a única que não dorme por aqui.

— E aquele assistente? Também mora aí? — Júlia perguntou curiosa.

Josefina suspirou baixo, sentando em um balanço.

— Não. Ele tá aqui por causa da Clara. Ele tem um apartamento no centro de Seul. Só fica nessa casa quando é necessário. Pelo que ouvi, ele trabalha pra família há anos. E… ninguém aqui tem coragem de falar nada, então não sei direito.

— Esse lugar é lindo, mas muito estranho. Parece ter um clima pesado, Josy.

— Não é bem assim — ela corrigiu, baixando a voz — Só… organizado demais, cheio de regras. Ninguém pode sair da linha. E mesmo assim, a maioria são estrangeiros e têm uma ligação antiga com o senhor Hyun, até o jardineiro é filipino. E todos parecem devotar a vida ao trabalho.

— Pelo jeito prefere para escravizar. — Júlia murmurou, franzindo a testa na tela. — Por qual outro motivo esse Hyun contrataria tanta gente de fora?

Josefina abriu a boca para responder — e parou. O coração dela deu um salto. Devido uma mão que repousou no seu ombro. Devagar, como se estivesse sendo puxada por fios invisíveis, ela virou o olhar vagarosamente.

Atrás dela estava um homem alto, impecavelmente vestido, traços coreanos finos, cabelos pretos perfeitamente alinhados. Os olhos escuros dele eram tão intensos que ela sentiu a respiração falhar.

Estava tão perto que o perfume sutil — amadeirado, frio, refinado — invadiu o ar.

Josefina engoliu seco.

Seus dedos tremeram. E num reflexo completamente descontrolado…

ela desligou a chamada, escurecendo a tela.

Ela continuou parada, estática, como se tivesse sido congelada.

O homem não disse nada. Apenas a observava.

E Josefina ficou sem reação.

Não conseguia dizer nada.

Quem era aquele homem?

E por que sua presença fez suas pernas banbearem, a espinha inteira formigar como se estivesse diante de alguém importante?

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