O coração disparou, antes mesmo que ela abrisse os olhos. O despertador tocou pela terceira vez, até que Alice finalmente se levantou, em um salto, como se tivesse levado um choque. Tinha passado a madrugada acordada em meio a resolução de problemas de projetos do seu chefe.
A garota correu para o banheiro, e o espelho lhe devolveu o reflexo: os fios de cabelo loiro-mel um caos, os olhos âmbar arregalados em suto, vencido pelo cansaço, escovou os dentes com pressa e jogou água gelada no rosto. Não havia tempo para grandes ajustes, então fez um coque improvisado, colocou sua bolsa no ombro e desceu as escadas às pressas, desviando do seu irmão mais novo, Tomás, que bloqueava a passagem com uma mochila gigante.
— Droga, vou chegar atrasada de novo! — Resmungou, conferindo a hora.
Morar com os pais e dois irmãos, um de doze e outro de vinte anos, significava uma rotina caótica. Entre discussões sobre quem usaria o banheiro primeiro e a briga por café da manhã, sair no horário era quase um milagre.
— De novo? Assim vai acabar desempregada, — zombou Benício, o irmão mais velho. — Já aviso, nem adianta pedir carona.
— Cala a boca, Benício! — Alice pegou uma maçã da mesa e saiu quase tropeçando na porta.
A jovem, trabalhava na Lancaster Enterprise, um lugar que moldara sua vida nos últimos anos. Começou como estagiária no setor de publicidade, insegura e cheia de dúvidas. Mas a determinação a levou longe. Foi efetivada e, um ano depois, promovida a assistente pessoal do CEO.
Victor Lancaster.
A simples lembrança dele já fazia seu estômago se contrair. Não só pelo cargo, mas pela figura que ele representava. Falando no chefe, um moreno claro, de quarenta e dois anos, porte atlético e olhar firme. O tipo de homem cauteloso, que dominava os negócios com maestria. Parecia dominar tudo ao seu redor. Exigente, às vezes até demais.
Ela chegou na empresa ofegante, o som dos saltos ecoando apressado no piso de mármore do lobby. Ajeitou a blusa, prendeu a respiração e entrou no elevador. No último andar, o ambiente mudava de clima. Era silencioso, sofisticado, com tons neutros e suaves, e um perfume cítrico quase imperceptível pairava no ar.
Alice seguiu até sua mesa, ligou o computador e começou a organizar os documentos do dia. Digitava concentrada quando um cheiro diferente invadiu o ambiente. Alguém adentrava pelo corredor com um perfume diferente do habitual, a fragrância era adocicada, com um toque suave e exótico. Ela ergueu os olhos. E parou. A figura era ilustre. Fascinante. Uma mulher parada bem à sua frente.
Alta, esguia, pele clara, olhos verdes que pareciam analisar cada detalhe como se estivesse vendo algo raro — ou perigoso. Os cabelos negros, como ébano, perfeitamente alinhados, até os ombros. Ela usava um conjunto de alfaiataria azul e um salto silencioso, elegante.
Valentina Lancaster.
Alice sentiu o ar escapar. Elas ainda não haviam sido apresentadas. Seus lábios carnudos esboçaram um sorriso sutil, perigoso demais para ser apenas educado. Engoliu em seco. Nunca tinha se sentido tão, observada. A mulher ficou analisando-a sem pressa, como quem avaliasse um produto de valor estimado.
— Então é você. — Valentina sorriu, lenta, deliberadamente. — Gostei.
Sua voz era suave, mas havia algo ali. Algo que não combinava com a doçura do tom.
— Perdão, o quê? — Alice piscou, confusa.
Valentina deu um passo à frente, diminuindo a distância entre elas.
— Você é a assistente do meu marido, não é?
A voz dela era expressiva e sedosa, carregava um tom que a assistente não conseguia compreender. Ela sentiu o coração pulsar mais rápido, incerta sobre a intencionalidade daquele olhar afiado.
— Prazer, Valentina — disse ela, inclinando levemente a cabeça. — Qual é o seu nome?
— Alice… Alice Consuelo Martini. É um prazer, senhora.
Valentina soltou uma risada leve.
— “Senhora?!” Ah, não! Por favor, me faz sentir velha. Não precisa disso, Alice. — Ela repetiu cada sílaba como se estivesse saboreando aquilo. — Um nome delicado, combina com você.
Ela se aproximou e, com delicadeza, tocou o canto do olho da garota, esfregando levemente o canto de seu olho.
— Seu rímel estava borrado.
Alice congelou.
— Obrigada. É que saí com pressa hoje, acabei cometendo esse deslize, não percebi, — tentou sorrir, desconcertada.
Valentina sorriu de volta, lenta e calculadamente. Ela ajeitou a bolsa no ombro e olhou ao redor como se estivesse inspecionando o território novamente.
— Preciso ver meu marido agora — disse, com um brilho afiado nos olhos. — Ele fez questão que eu passasse aqui. Urgentemente.
A ênfase na última palavra fez Alice engolir em seco, apertando as mãos no colo. Ela desviou o olhar, desconfortável. Valentina parecia estar se divertindo com a sua reação. Valentina virou-se para a porta do escritório de Victor, seus saltos ecoando suavemente pelo chão de mármore polido. Antes de entrar, olhou por cima do ombro:
— Foi um prazer conhecê-la, Alice! — Sua voz ecoou moderadamente, quase um sussurro íntimo. — Tenho a sensação de que nos daremos super bem.
Desaparecendo, ao fechar a porta de vidro fosco do escritório. Alice permaneceu estática. O impacto do encontro ainda pairava sobre ela como uma névoa. Precisava respirar. Seu estômago revirava. Então, desceu discretamente para tomar ar. Ainda sentia o perfume de Valentina impregnado no ar ou talvez fosse só impressão. Aproveitando, ela se dirigiu à copa da empresa e serviu um copo d’água com mãos trêmulas. Mas, antes mesmo de conseguir beber a água, ouviu passos apressados e saltos ecoando se aproximarem.
— Menina, pelo amor de Deus, o que a esposa do CEO veio fazer aqui?! — Os olhos castanhos arregalados, com a voz em um sussurro histérico.Era Dora, a secretária mais antenada da empresa. Ela se aproximou, segurando o braço de Alice, como se estivesse prestes a ouvir um grande escândalo.
— Você está falando da… Sra. Lancaster? — Alice piscou, ainda estava meio aérea.
A amiga suspirou, impaciente.
— Quer arrumar confusão? Não chame ela de senhora, não esqueça! — Dora alertou. — Aquela ali é uma sedutora nata. E raramente pisa aqui por acaso, saiba disso.
Alice negou com a cabeça, ainda perdida na conversa.
— Como assim? — Perguntou, franzindo a testa.
— Quando ela aparece, alguém sempre se queima. — Dora abaixou a voz, como se estivesse prestes a revelar um segredo sombrio.Antes que ela pudesse continuar, outra voz entrou na conversa.
— Aquela lá não é flor que se cheire! Aí daqueles que se envolvem com ela.
As duas vivaram-se. Era Dona Santa, a zeladora da empresa. Experiente, discreta... mas cheia de histórias. Ela se aproximou com os olhos estreitos de desconfiança.
— O que a senhora quer dizer com isso?
— O assistente anterior... sumiu depois de uns boatos de que tava envolvido com ela.
Alice sentiu um arrepio, desconfortável. — Envolvido, como? Que boatos são esses? — Alice perguntou, a voz mais fina do que gostaria.Dora e Dona Santa trocaram olhares significativos. A amiga olhou ao redor, antes de se aproximar mais.
— Um fato escandaloso! — Dora cochichou, arregalando os olhos. — Dizem que Raul, o ex-assistente, teve um caso com Valentina. — Ela acrescentou, — Depois disso, puff! Sumiu. E era de confiança, viu? Era braço direito do Victor. E do sogro também.
Dona Santa fez um som de desdém.
— E ainda sendo pobre. O Sr.Ramon nunca iria aceitar aquele tipo de relacionamento. Depois que ele saiu, o chefe ficou mais esperto. Contrata só mulheres... ou homem que não gosta de mulher, se é que me entende. Por isso, que a dona perdeu o interesse de continuar vindo pra cá. Alice sentiu um frio na barriga.— Mas Victor é casado com ela... parecem apaixonados. Ele a ama, não?
Dora soltou uma risada abafada.
— Apaixonado é pouco. Ele é obcecado. E ela sabe disso. Se aproveita da situação. J**a com ele como bem-quer. Tenho pra mim que isso é intencional. Pura pirraça.Dona Santa acrescentou ainda:
— Amor é uma palavra complicada quando Valentina está envolvida. Ela brinca com as pessoas.
Alice ficou em silêncio. O sorriso que a mulher lhe deu, aquele olhar afiado, tudo voltou à mente como uma onda.
— Então por que ela veio aqui hoje? — perguntou, quase para si mesma, com os olhos assustados.
As duas se entreolharam, e Dona Santa murmurou, com os olhos estreitos: — É isso que me intriga. Porque, se tem uma coisa que sei, é que o patrão não gosta de ser surpreendido. E hoje... ele fazer questão de chamar ela aqui?! Aí tem, viu.Alice mordeu o lábio, sentindo o estômago revirar outra vez.
— Então, tá... tenho que voltar. Até a próxima!
Partiu nervosa, sem saber o que estava dizendo ao tentar compreender aquela situação tensa. O olhar curioso de Valentina a observando, atentamente, dos pés a cabeça. Aquele sorriso… aquilo não era só um sorriso. Parecia mais um aviso. E se fosse um aviso para ela, o que a esperava?