Capítulo 3
Alaric

Ela estava cheia de cortes e hematomas. Quem, diabos, faria aquilo com ela e por que eu sentia uma necessidade esmagadora de ir atrás desses idiotas e os fazer pagar devagar e com dor? Ela era um ser miúdo, magra e frágil. Só o pior tipo de valentão faria aquilo com alguém assim.

— Diga quem te machucou, docinho. — Não quis rosnar, mas não consegui.

Eu não era homem mole. Estava acostumado a impor respeito, não a mimar pequenas ômegas. Mas ela não parecia incomodada com meu tom, ao contrário, fingiu não perceber.

— Quem não? — Encolheu ela os ombros como se fosse besteira. — Trouxe comida. Não é muito, mas você precisa manter as forças.

Ela tagarelava, desembrulhando o pacotinho e me oferecendo como se fosse uma oferenda. Não demonstrava sofrer pelos ferimentos, embora eu visse naquilo o quanto devia doer. Era como se estivesse acostumada àquilo, e eu não gostei nem um pouco. Não gostei mesmo.

— Eu te fiz uma pergunta, docinho. Quero uma resposta. — Meu tom ficou firme, sem espaço para contestação, mas consegui controlar minha aura. Eu não estava acostumado a ser desafiado ou ignorado.

Ela suspirou, exasperada e resignada ao mesmo tempo:

— A filha do Beta me odeia. Quer dizer, todo mundo me odeia, mas ela me detesta mais que os outros. Faz da vida dela a missão de me machucar quando ninguém vê.

— E os amigos dela se juntam na brincadeira. Hoje foi pior que o normal. Agora deixa eu ver esse inchaço feio na sua cabeça.

— Pode esperar. Diga por que você diz que todo mundo te odeia. — Fiquei olhando a cabana caída e a despensa vazia, dava para ver que ela não era bem cuidada pela alcateia. Era inaceitável, e eu queria saber por quê.

— Eu não tenho uma loba. — Quando respondeu, desviou o olhar e o rosto corou de vergonha. — Sou uma vergonha pra eles.

— Entendo. — Mantive o rosto neutro, mas por dentro, estava em chamas. Desde o primeiro instante eu soube que ela não tinha uma loba. Ser sem lobo era raro, sim, mas não algo vergonhoso. Acontecia. E qualquer Alfa decente cuidaria de todos os membros da sua alcateia da mesma forma.

Meu lobo rosnou, inquieto, me empurrando a confortar ela. Mas eu resisti. Não queria que ela se apegasse. Nem sequer trocamos nomes ainda, e era melhor que continuasse assim. Eu não podia ficar ali por muito tempo.

— E a filha do Beta? Qual é o problema dela? — Pressionei por mais informações. Não por preocupação, ou pelo menos era isso que eu dizia a mim mesmo, mas porque qualquer detalhe poderia ser útil pra minha missão.

— Ela não gosta do jeito como o filho do Alfa, o Cassius, me trata. Decidiu que ele é dela e quer que eu fique longe. Acha que estou tentando seduzi-lo ou algo assim.

— O que é um absurdo. — Ela franziu o nariz de um jeito que não devia ser tão encantador. — Mal consigo falar perto dele. Fico toda enrolada, nem sei o que dizer. Isso está longe de ser sedutor. E não é como se ele fosse realmente olhar pra alguém como eu, de qualquer forma.

— Hmm. — Murmurei. — Mas comigo você parece falar numa boa.

— Você é fácil de conversar e sabe escutar. — Respondeu sem hesitar, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Enfim, a Daphne é completamente maluca, e infelizmente, eu virei o alvo dela.

— Talvez fosse mais prudente manter distância do filho do Alfa, se isso é o que desperta a fúria dela. — Sugeri o óbvio. Mas a pequena ômega de gênio forte não quis nem saber.

— Nem pensar! — Rebateu na hora. — Ele é a única pessoa dessa alcateia que já foi gentil comigo. E eu não vou retribuir isso me afastando só pra salvar minha própria pele. Além do mais, passar um tempinho com ele, por mais curto que seja, é a melhor parte do meu dia. E ele é muito bonito, né.

Tive que engolir o rosnado que ameaçava escapar com as palavras dela. Por que aquilo me incomodava tanto? Se ela não tinha o menor instinto de autopreservação e queria desperdiçar o tempo com alguém como Cassius Sloane, problema dela. Pelo que eu sabia, ele não era nem de longe o tipo de homem certo pra ela. Mas não cabia a mim dizer isso.

— Ah! Adivinha só! — Ela exclamou, sem dar tempo pra eu tentar. — Amanhã é o grande concurso pra escolher quem vai ser a nova Ômega-Chefe da alcateia!

— Eu vou competir! Se eu for escolhida, vou poder trabalhar dentro de casa todos os dias, em vez de ficar no campo debaixo daquele sol escaldante. Mas o melhor de tudo é que vou trabalhar bem pertinho do Cassius, todos os dias, garantindo que tudo esteja do jeitinho que ele gosta.

— A gente vai passar um tempão junto, escolhendo os cardápios dos jantares da alcateia, organizando a agenda dele, certificando que não falte nada pras reuniões e essas coisas. Seria um sonho realizado pra mim!

Dessa vez, não consegui segurar o rosnado. O simples pensamento dela passando tanto tempo com aquele homem me irritava profundamente. Eu precisava que esses malditos ferimentos sarassem logo, pra poder ir embora antes que essa ômega ficasse ainda mais entranhada em mim.

Ela se encolheu um pouco ao ouvir o som, e a culpa me atingiu de imediato por a ter assustado.

— Me desculpa. Eu não vou te machucar, pequena.

— Eu sei. Não tenho medo de você. Você é meu amigo. — Disse com firmeza, me oferecendo um daqueles sorrisos radiantes que iluminavam tudo.

Ela me ajudou a me inclinar pra frente e começou a limpar os ferimentos nas minhas costas com delicadeza e paciência. Percebi que ela sempre cantarolava baixinho enquanto cuidava de mim e aquele som, de algum jeito, me acalmava enquanto eu respirava fundo pra suportar a dor. Mas algo no que ela disse ainda me incomodava.

— Fico feliz por ser seu amigo, docinho. Mas você não devia confiar tão fácil assim. Você mal me conhece. Se eu fosse outra pessoa, você poderia estar correndo um perigo real. Achei que sua alcateia já tivesse te ensinado essa lição da pior forma.

— E se eu tivesse deixado que eles me quebrassem? Se eu tivesse me fechado, desconfiado de todo mundo, em vez de continuar tentando ver o melhor nas pessoas... você não estaria vivo agora. — Respondeu ela, erguendo os lábios num sorrisinho desafiador.

Por mais que eu adorasse um bom desafio, deixei passar. Eu tinha um trabalho a cumprir, e trocar farpas com uma ômega mirrada não fazia parte do plano. Precisava concentrar minha energia em me curar e seguir em frente. Mas uma pontada incômoda de culpa me acertou quando vi o brilho do rosto dela se apagar diante do meu silêncio frio.

Por que diabos eu sentia que essa pequena ômega sem loba ainda ia ser o meu fim?
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