Capítulo 3

Kieran

A manhã chega pesada. A neblina cobre as Montanhas de Aislen como se quisesse sufocar tudo que existe. Desço para o salão principal e encontro o Conselho esperando, sentado como um bando de abutres ansiosos.

O anúncio da “Semana da Lua” ainda ecoa entre as paredes da fortaleza. Foi ideia deles, não minha. Uma tentativa desesperada de trazer união entre as alcateias antes da Bruma, mas no fundo, todos sabem o que querem, que eu escolha uma Luna.

Como se fosse tão simples quanto apontar para alguém.

Magnus, o Ancião de voz mais irritante, ajeita a capa e fala:

— Alfa Kieran, precisamos discutir os preparativos para a Semana da Lua.

— Não preciso discutir nada. — digo, passando por eles e indo até a mesa. — O evento será apenas político. Reforçar alianças. Nada mais.

Aron, meu Beta, fica de pé no canto, observando tudo com aquele ar de “isso vai dar merda”. Ele nunca diz, mas pensa.

Magnus tenta continuar:

— As alcateias menores já estão se organizando. Para que o evento tenha força, é necessário algo marcante. Um baile, talvez. A apresentação das mulheres…

Bato a mão na mesa com força. O som ecoa como um trovão.

— Não. — Silêncio imediato. — Não transformarei minha alcateia em mercado. Não exibirei mulheres como se fossem troféus para eu escolher uma substituta para Helena.

Os Anciãos trocam olhares desconfortáveis. Eles sempre andam nessa linha tênue entre medo e insistência.

Helena.

O nome dela sempre acerta meu peito como uma faca cega.

Magnus pigarreia.

— Alfa… já se passaram dez anos. A Deusa não deseja que você permaneça sozinho para sempre. Você precisa de uma Luna. Precisa de um herdeiro.

Sinto Fenrir despertar dentro de mim, impaciente.

— “Eles falam demais.”

Eu sei.

— Vocês não têm o direito de dizer o que eu preciso. — digo, encarando Magnus. — Nem a Deusa pode me obrigar a substituir minha companheira.

— Ninguém fala de substituir… — ele tenta argumentar.

Eu rio. Um som seco, vazio.

— É exatamente o que vocês querem.

Fenrir se aproxima na minha mente como uma sombra viva.

— “Helena se foi.” — ele diz, a voz cheia de uma dor que não diminuiu. — “E você continua enterrado junto com ela.”

— Fique calado. — murmuro, mas apenas ele ouve.

— “Você acha que não merece outra Luna. Mas a Deusa não te daria outra à toa.”

— Eu não quero outra. — respondo em pensamento. — Não mereço outra.

— “Você merece viver.”

Não respondo.

Magnus continua, sem saber que meu lobo está no limite.

— Kieran, escute, para evitar caos durante a Bruma, é aconselhável que você se vincule a alguém. Pelo menos temporariamente. Uma parceira forte…

— Vocês querem que eu marque alguém. — digo, frio. — É isso?

Um dos Anciãos engole seco.

— Seria o ideal para a alcateia, Alfa.

— Para a alcateia… — repito. — Ou para vocês?

Aron cruza os braços, entendendo aonde isso vai parar. Ele conhece meu limite melhor que qualquer um. E antes que eu exploda, alguém entra na sala.

A porta range. Perfume doce invade o ar. E, pela primeira vez no dia, sinto vontade de revirar os olhos.

Cassandra.

Linda. Perigosa. Manipuladora. Filha de um dos Anciãos. E completamente obcecada por mim desde que tinha idade suficiente para entender o que era desejo.

Ela se aproxima com um sorriso que eu nunca soube interpretar como verdadeiro.

— Kieran. — ela diz, inclinando a cabeça como uma loba que tenta parecer dócil. — Ouvi dizer que teremos um baile.

— Não teremos. — respondo.

— Ora… — os olhos dela brilham — que pena. Poderia ter sido uma oportunidade interessante.

Aron pigarreia, nervoso. Ele sabe o que Cassandra quer. Todos sabem. Ela nunca fez questão de disfarçar.

Cassandra coloca a mão na mesa, perto da minha, mas não o suficiente para tocar.

— Você precisa de alguém forte ao seu lado. Alguém que compreenda o peso de ser Alfa. Alguém que já ama você.

— Cassandra. — digo sem emoção. — Já conversamos sobre isso.

— Ainda assim, continuo disponível. — ela sorri, provocante.

Sinto Fenrir bufar dentro de mim.

— “Se ela chegar mais perto, eu assumo o controle.”

— Não vai assumir nada. — falo só para ele.

— Kieran… — Cassandra inclina o corpo um pouco mais, como se achasse que isso despertaria algo em mim. — Você não precisa continuar preso ao passado. Poderia amar de novo.

Firmo o olhar no dela.

— Eu não amo ninguém, Cassandra.

Ela pisca. Não recua. Então digo o golpe final:

— E não vou amar.

A sala congela. Aron olha para o chão. Magnus limpa a garganta. Os outros Anciãos fingem observar a madeira da mesa. Cassandra ri, mas há vitória forçada na voz.

— Você fala isso porque ainda está ferido. — ela diz. — Mas vai perceber, Kieran… que vínculos podem ser reconstruídos.

— Não com você. — respondo.

Agora ela empalidece. E antes que tente retrucar, completo:

— Eu prefiro ficar sozinho a ser obrigado a aceitar alguém que não quero.

Cassandra se endireita, respira fundo e sorri novamente, mas agora os olhos dela queimam de raiva.

— Como desejar, meu Alfa. — ela diz, antes de sair da sala com passos precisos.

Aron espera alguns segundos, depois solta o ar com força.

— Isso vai dar problema.

— Já era um problema. — respondo, ainda encarando a porta fechada.

O Conselho troca olhares incômodos, mas ninguém fala mais nada. Eles se retiram, um por um, até que só eu e Aron restamos na sala.

Ele me observa por alguns segundos antes de dizer:

— Você realmente vai passar pela Semana da Lua sozinho?

— Sim.

— Kieran… não precisa ser assim.

— Precisa. — respondo. — Não quero ninguém. Não preciso de ninguém.

Fenrir rosna em desacordo.

— “Mentira.”

Ignoro. Aron suspira e dá dois t***s leves na mesa.

— Vou avisar os soldados para reforçar a segurança. As alcateias menores começam a chegar amanhã.

Assinto. Ele sai. O silêncio que fica é sufocante. Muito mais do que a neblina que cobre as janelas.

Caminho até o terraço superior. O vento gelado corta o rosto, mas não me incomoda. Nada realmente me toca.

A lua está alta. Brilhante. Cheia de algo que não sei explicar. Olho para ela como quem encara um inimigo antigo. Fenrir se aproxima na minha mente, inquieto.

— “Você sentiu?”

— Não senti nada. — minto.

— “O puxão.”

— Não existe puxão nenhum.

Mas ele insiste:

— “Existe sim. Algo… alguém… atravessou as montanhas. Você sabe.”

Fecho os olhos. Por um segundo, apenas um, sinto um impacto suave no peito. Como se cordas invisíveis estivessem sendo puxadas.

Uma voz que não reconheço ecoa na minha mente, fraca, distante, mas real:

— “Você não está pronto, mas ela está.”

Meu coração falha um batimento. Fenrir rosna, emocionado, quase em reverência.

— “A Deusa falou.”

A brisa gela minha pele. O território inteiro parece prender o ar.

Eu, que jurei jamais sentir nada de novo… fico parado, como se o mundo tivesse acabado de mudar ao meu redor. E t

alvez tenha mesmo.

A voz da Deusa ecoa mais uma vez, firme e definitiva:

— “Ela está chegando, Kieran.”

E, pela primeira vez em dez anos, sinto medo não de perder… mas de encontrar.

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