O amanhecer trouxe uma mistura de alívio e peso ao coração de Laura. Ela havia passado a noite inteira acordada, revendo sua decisão. Era o melhor a ser feito. A tensão naquela casa não era mais sustentável, e sua família precisava dela.
Ela respirou fundo ao descer as escadas. O silêncio ainda pairava pela mansão, mas ela sabia que, em breve, todos estariam acordados. O café seria servido, as crianças correriam pela casa, e, naquele momento, ela precisaria se despedir.
Ao entrar na cozinha, encontrou Maria já ocupada preparando o café. A governanta ergueu os olhos e sorriu de leve, mas sua expressão logo mudou ao perceber a bolsa pequena ao lado de Laura.
— Você vai embora? — perguntou Maria, baixando o tom de voz.
Laura assentiu, tentando sorrir.
— Sim. Chegou a hora.
Maria suspirou, enxugando as mãos no avental.
— Vou sentir sua falta, Laura. Mas você sabe o que é melhor para você.
Laura queria responder, mas foi interrompida por passos apressados no corredor. Shofia entrou na cozinha, os olhos ainda sonolentos, mas alertas o suficiente para perceber a bolsa ao lado da porta.
— Laura, o que é isso? — perguntou ela, o tom de voz oscilando entre confusão e medo.
Laura se ajoelhou à altura da menina, segurando suas mãos pequenas.
— Shofia, eu preciso ir. Minha mãe e meu irmão precisam de mim agora, e eu preciso estar lá para ajudá-los.
Os olhos de Shofia se encheram de lágrimas.
— Mas e eu? E Theo? Você não pode nos deixar, tia Laura.
O peso das palavras da menina quase fez Laura desistir. Ela sentiu o nó na garganta crescer, mas sabia que precisava ser forte.
— Eu vou sentir muito a falta de vocês, Shofia, mas vocês são muito fortes. E eu prometo que vou sempre lembrar de vocês.
Antes que Shofia pudesse responder, Theo apareceu, segurando seu ursinho de pelúcia e olhando confuso para a cena.
— Para onde você vai, tia Laura? — perguntou ele, esfregando os olhos.
Laura mal conseguiu segurar as lágrimas. Abraçou os dois ao mesmo tempo, sentindo o coração apertar.
— Eu vou cuidar da minha família, mas vocês sempre vão estar no meu coração.
Mais tarde, durante o café da manhã, Lucas entrou na sala, aparentemente alheio à decisão de Laura. Ele parou assim que viu a bolsa ao lado da porta.
— O que está acontecendo aqui? — perguntou ele, olhando diretamente para Laura.
Ela se levantou, mantendo a postura firme.
— Eu preciso ir, Sr. Minha mãe e meu irmão precisam de mim, e eu não posso ignorar isso.
Lucas franziu a testa, claramente irritado, mas tentou se controlar.
— Laura, eu entendo suas responsabilidades, mas você não precisa fazer isso agora. Podemos encontrar uma solução.
Ela balançou a cabeça, determinada.
— Não há outra solução, Sr. Agradeço por tudo, mas eu preciso ir.
Antes que Lucas pudesse responder, Vanessa entrou na sala. Seus olhos passaram rapidamente de Lucas para Laura e, por fim, para a mala. Um sorriso de satisfação surgiu em seus lábios.
— Ah, então você finalmente percebeu que não pertence a este lugar. Que sábio de sua parte.
Laura ignorou o comentário, mantendo o foco em Lucas.
— Eu só queria agradecer por tudo. Trabalhar aqui foi uma experiência maravilhosa, mas é hora de seguir em frente.
Lucas parecia prestes a dizer algo, mas foi interrompido por Shofia, que correu para abraçar Laura novamente.
— Por favor, não vá! — implorou a menina, chorando.
O olhar de Lucas suavizou ao ver a cena, mas ele permaneceu em silêncio.
Quando Laura finalmente saiu pela porta principal, o sol já estava alto no céu. Ela parou por um momento para olhar a mansão pela última vez, sentindo uma mistura de alívio e saudade.
No entanto, enquanto caminhava em direção ao portão, ouviu passos atrás de si. Lucas a alcançou, o rosto sério.
— Laura, espere.
Ela parou, virando-se para ele.
— Sr., não torne isso mais difícil.
Ele balançou a cabeça.
— Só quero dizer uma coisa. Você foi mais do que uma babá para essas crianças. Foi uma presença positiva, algo que eles não tinham há muito tempo. Se algum dia mudar de ideia, as portas desta casa estarão sempre abertas para você.
Laura engoliu em seco, emocionada.
— Obrigada, Sr. Isso significa muito para mim.
Ele deu um passo para trás, respeitando sua decisão, e a viu partir.
Laura caminhava pela estrada em direção ao ponto de ônibus, sua Bolsa em uma mão e o coração pesado com a despedida as poucas semanas que passou ali naquela mansão pareciam anos. Mas quando olhou para trás, algo a fez parar.
No portão da mansão, Shofia e Theo estavam parados, acenando para ela com lágrimas nos olhos.
A visão fez Laura parar no meio do caminho, e por um momento, ela se perguntou se estava realmente fazendo a coisa certa.
Laura parou, incapaz de desviar os olhos das crianças no portão. Shofia segurava Theo pela mão, ambos de pijama, seus rostos molhados de lágrimas que corriam sem controle. A visão deles a atingiu como uma avalanche, desmanchando toda a determinação que ela havia reunido durante a noite.
Sem pensar, largou a pequena bolsa no chão e correu de volta.
— Tia Laura! — gritaram os dois ao mesmo tempo, abrindo os braços para recebê-la.
Ela se ajoelhou no chão de cascalho, abraçando-os com força, como se nunca mais fosse soltá-los. As lágrimas finalmente romperam a barreira que ela havia tentado erguer, e agora caíam sem controle.
— Eu sinto muito, eu sinto muito — repetia Laura entre soluços. — Eu não queria magoar vocês, eu nunca quis.
Shofia afundou o rosto no ombro de Laura, enquanto Theo segurava seu pescoço com força.
— Por favor, não vá embora, Tia Laura. Nós precisamos de você.
Laura chorava tanto que mal conseguia responder. Tudo o que pôde fazer foi balançar a cabeça, confirmando que ficaria.
Do outro lado do pátio, Lucas assistia à cena. Ele havia seguido Laura em silêncio, como se algo dentro dele não conseguisse deixá-la partir sem vê-la uma última vez. Ao testemunhar o reencontro, sentiu um aperto no peito, algo que ele não queria ou não conseguia nomear.
Havia algo em Laura, algo em como ela tocava as vidas de seus filhos, que o fazia sentir que ela não era apenas uma funcionária. Mas, ao invés de agir, ele permaneceu parado, as mãos nos bolsos, o olhar fixo na cena.
De sua posição, Lucas viu o brilho de lágrimas nos olhos de Laura e o alívio no rosto das crianças. Ele não pôde evitar um leve sorriso, um que morreu rapidamente quando uma voz fria o puxou de volta à realidade.
— Que cena tocante.
Lucas virou a cabeça, encontrando Vanessa na sacada do andar superior, os braços cruzados enquanto observava tudo com desdém.
— Ela já vai tarde, Lucas — disse Vanessa, baixinho para si mesma, mas alto o suficiente para que Lucas pudesse ouvir. — Se tivesse ficado mais tempo, ela certamente atrapalharia tudo.
— Vanessa, pare com isso — respondeu ele, sua voz firme.
Vanessa deu de ombros, fingindo indiferença, mas o fogo em seus olhos a traía. Ela sabia que Laura estava se tornando uma ameaça. A conexão que Laura tinha com Shofia e Theo era algo que Vanessa nunca conseguira estabelecer, e isso a corroía por dentro.
No pátio, Laura finalmente se levantou, segurando Shofia e Theo pelas mãos. Ela olhou para Lucas, e seus olhares se cruzaram por um instante. Havia tanto não dito entre eles, uma tensão que parecia crescer a cada momento.
Lucas deu um leve aceno de cabeça, como se reconhecesse a força do momento.
— Entre. Todos vocês — disse ele calmamente, antes de se virar e voltar para a casa.
Enquanto Laura entrava com as crianças, ela sentiu o peso de Vanessa a observando da sacada. O olhar de Vanessa era como um aviso, uma ameaça silenciosa. Mas Laura, fortalecida pelo amor das crianças, ignorou.
Já dentro de casa, Laura levou as crianças para o quarto e as ajudou a voltar para a cama. Sofia a abraçou uma última vez antes de fechar os olhos.
— Eu sabia que você não ia nos deixar.
Quando Laura finalmente ficou sozinha, sentou-se à beira da cama e respirou fundo. Ela sabia que havia tomado uma decisão difícil, mas não tinha certeza se estava pronta para enfrentar as consequências.
Enquanto isso, no quarto ao lado, Vanessa se encarava no espelho, apertando as mãos em punhos.
— Ela não vai estragar meus planos — murmurou. — Não vai.
Laura colocou a última peça de roupa de volta no armário, respirando fundo para acalmar a tempestade de emoções que sentia. O reencontro com as crianças havia sido avassalador, mas ela sabia que ainda tinha muito o que resolver. Ao fechar a pequena bolsa, um som inesperado a trouxe de volta ao momento.Toque, toque, toque.A batida na porta a fez gelar por um segundo. Assim que abriu, Lucas estava ali, imponente como sempre, mas com um olhar que misturava seriedade e algo mais que ela não conseguia decifrar.— Laura, precisamos conversar.Ela assentiu, dando um passo para o lado para que ele entrasse. Lucas caminhou até o centro do quarto, as mãos nos bolsos, enquanto Laura encostava a porta.— Eu sei que você está passando por um momento difícil — começou ele, a voz baixa, mas carregada de intenção. — Mas preciso entender exatamente o que está acontecendo.Laura respirou fundo, tentando organizar os pensamentos.— Sr., eu não estava planejando contar isso, mas minha mãe... — Sua voz
— Chegamos, senhorita Laura. — A voz calma do motorista cortou o silêncio.Laura olhou pela janela, respirando fundo ao reconhecer a casa simples onde cresceu. As luzes da sala estavam acesas, lançando sombras familiares pelas cortinas gastas. Ela agradeceu ao motorista e desceu do carro, sentindo o coração pesado enquanto atravessava o portão enferrujado.No banco da frente, o motorista observava, mas não disse nada. Ele sabia que aquela visita tinha um peso maior do que aparentava.— Laura! — A voz de Davi, seu irmão mais novo, ecoou quando ele a viu na porta. — Você está aqui!Ele correu para abraçá-la, e Laura retribuiu com força, percebendo como ele estava magro.— Como estão as coisas, Davi? E a mamãe? — perguntou ela, olhando além dele para o corredor que levava ao quarto da mãe.Davi hesitou, mas finalmente respondeu:— Não muito bem. Os remédios estão acabando, e o médico disse que ela precisa de cuidados constantes.O peso das palavras caiu sobre Laura como uma avalanche. El
— Lucas, precisamos conversar agora! — A voz de Vanessa ecoou pela sala de estar, cortando o silêncio da casa.Lucas, que acabara de descer para buscar um café, parou na escada e olhou para ela, cansado.— Vanessa, não é o momento. As crianças acabaram de dormir, e eu não quero discussões.Ela se aproximou rapidamente, o som dos saltos batendo contra o piso de madeira.— Não é uma discussão, Lucas. É uma questão de prioridade. Eu sou a mãe do seu próximo filho, ou isso já não significa nada para você?Ele passou a mão pelos cabelos, visivelmente incomodado com a intensidade dela.— Claro que significa. Mas você precisa parar de usar isso como um trunfo a cada conversa. Eu estou tentando lidar com muitas coisas ao mesmo tempo.— Muitas coisas? — Vanessa cruzou os braços, a raiva evidente em seus olhos. — Ou apenas uma coisa: Laura.Lucas estreitou os olhos, sua paciência finalmente chegando ao limite.— Vanessa, isso é ridículo. Você está tentando transformar Laura em um problema que e
— Sr., você já pensou sobre o que conversamos? — Laura perguntou com cautela, enquanto Lucas organizava os papéis que estavam espalhados pela mesa do escritório.Ele olhou para ela, distraído. Não era sobre os papéis ou as decisões que precisavam ser tomadas a respeito das escolas. Era sobre o espaço que Laura começava a ocupar, não só na casa, mas em sua vida. Ultimamente Lucas andava distraído e não sabia como lidar com que estava começando a sentir por Laura.— Sim, eu pensei. Acho que visitar algumas escolas na próxima semana seria o primeiro passo a se fazer. — Lucas respondeu, tentando manter o foco na conversa prática, embora sua mente estivesse mergulhada no tumulto de emoções que Laura sempre parecia trazer consigo.Antes que Laura pudesse responder, Vanessa entrou abruptamente na sala, seu salto alto ecoando no chão.— Lucas, querido, preciso falar com você. É algo importante. — Sua voz carregava um tom calculado, quase açucarado, que fazia Laura recuar instintivamente.— Cl
As risadas ecoavam pelo salão principal, misturadas ao tilintar das taças de cristal. Vanessa era o centro das atenções, deslumbrante em um vestido vermelho, exibindo um sorriso radiante enquanto circulava entre os convidados. Lucas estava ao seu lado, mas sua expressão era distante, quase ausente, como se estivesse ali apenas em corpo.Laura, depois de colocar as crianças para dormir deixou sua curiosidade falar mais alto e escondida atrás da porta semiaberta do corredor, observava tudo com o coração pesado. A cena à sua frente parecia um teatro bem ensaiado, uma peça em que ela não tinha lugar, mas cujas consequências a afetavam profundamente.Ela mordeu o lábio, reprimindo as lágrimas, enquanto Vanessa levantava a taça e fazia um brinde.— A uma nova fase em nossas vidas! — Vanessa proclamou, sorrindo triunfante para os convidados. — E, claro, ao homem que eu amo, Lucas!O salão explodiu em aplausos, mas Laura sentia cada palmas como um golpe.Mais cedo naquela noite, Vanessa fez s
A noite estava mais silenciosa do que Laura esperava quando saiu discretamente de seu quarto. Com passos leves, ela cruzou o corredor, ainda pensando na cena do noivado de Lucas e Vanessa. Cada detalhe parecia gravado em sua memória: o sorriso calculado de Vanessa, o olhar evasivo de Lucas.Ela precisava de ar, precisava organizar os pensamentos.— Laura?A voz a fez congelar no lugar. Virando-se devagar, ela viu Lucas parado na entrada do corredor. Ele tinha os braços cruzados, a expressão carregada de algo entre cansaço e frustração.— O que está fazendo acordada a essa hora? — ele perguntou, dando um passo à frente.Laura hesitou, mas decidiu manter a compostura.— Não consegui dormir. Eu... precisava pensar.Lucas suspirou e encostou-se à parede, parecendo tão perdido quanto ela.— Parece que ambos estamos no mesmo barco.O silêncio pairou entre eles por um momento, até que Laura o quebrou com uma pergunta que estava queimando em sua mente.— Você está feliz, Sr.?Ele a olhou dire
Vanessa olhou para o relógio com impaciência. Passava das nove da noite, e sua amiga, Gabriela, finalmente havia chegado. Assim que a porta se fechou, Vanessa a conduziu para o escritório, certificando-se de que ninguém mais estava por perto.— E então, você pensou em algo? — Vanessa perguntou, cruzando os braços.Gabriela ajeitou a bolsa no ombro, sentando-se na poltrona como se estivesse completamente à vontade.— Pensei, sim. Lucas é um pai preocupado, certo? Se algo acontecesse com uma das crianças, algo que parecesse grave, ele seria obrigado a aceitar que elas precisam de mais segurança.— Continue... — Vanessa disse, inclinando-se para frente, os olhos brilhando com expectativa.— Você precisa criar uma situação onde pareça que a Laura foi irresponsável. Alguma coisa que coloque as crianças em risco, mas que não cause danos reais. Algo que faça Lucas perceber que ele não pode confiar totalmente nela.Vanessa franziu a testa, refletindo sobre as palavras da amiga.— Um acidente,
Laura estava em pé na entrada de sua casa, a lua brilhava no céu. O motorista da mansão buzinou suavemente para avisar que estava esperando. Ela olhou para sua mãe, que estava sentada em uma poltrona confortável na sala, e depois para seu irmão Davi, que vinha trazendo sua bolsa.— Você não precisa ir, Laura — Davi insistiu, segurando a bolsa com firmeza. — Mamãe e eu ficaremos bem.— Eu sei que ficarão, mas preciso voltar. — Laura deu um sorriso triste. — O trabalho é importante, Davi. Você sabe como as coisas estão difíceis.Lídia, mesmo com a voz fraca, tentou intervir:— Filha, só quero que você cuide de si mesma. Parece que esse emprego te exige mais do que devia.Laura se abaixou para abraçar a mãe, sentindo o cheiro familiar de lavanda em seus cabelos.— Vai ficar tudo bem, mamãe. Prometo.Com um último abraço em Davi, ela saiu e entrou no carro, olhando para a casa pelo retrovisor até que sumisse de vista.Enquanto isso Vanessa estava no escritório, com um sorriso maquiavélico