Mundo ficciónIniciar sesiónSábado. Finalmente.
Meu novo trabalho era apenas de segunda a sexta, e isso significava que meus finais de semana estavam oficialmente liberados — exceto, claro, se houvesse alguma festa especial que exigisse minha presença. A semana tinha sido pesada… não fisicamente, mas mentalmente desgastante. O histórico fato de uma noite de devaneio com o pai da criança havia deixado um rastro emocional que eu não esperava. Passei os últimos dias tensa, como se a qualquer instante o assunto fosse surgir entre nós. Mas Rafael… ah, Rafael. Ele parecia um homem bom demais — ou cuidadoso demais — para tocar nisso. Talvez estivesse me poupando, talvez estivesse apenas fingindo que acabamos de nos conhecer. Na verdade, acho que prefiro essa segunda opção. Machuca menos. Expõe menos. Respira mais fácil. De qualquer forma… meus dias mudaram depois daquela noite. Melhoraram, talvez. — O que um momento ardente não faz com alguém… — murmurei, rindo sozinha da própria desgraça emocional. Coloquei um cropped, vesti um short velho, amarrei os cabelos e me preparei para a guerra — pano de prato no ombro, playlist de faxina tocando alto. Comecei uma limpeza generalizada no meu pequeno apartamento: tirei poeira, esfreguei chão, lavei banheiro, joguei fora um monte de tralhas, coisas que ainda carregavam a sombra do meu casamento. Foram anos felizes… até não serem mais. E quando os últimos anos são ruins demais, eles apagam os bons como se nunca tivessem existido. Quando dei por mim, minha pele escorria suor. Já passava das sete da noite, e eu só queria um banho gelado e um prato de comida. Foi então que ouvi batidas na porta. Diminuí o volume da TV, que berrava minha playlist de limpeza, e fiquei alerta. As batidas continuaram — firmes, insistentes. — O vizinho já veio reclamar do som? Pelo amor de Deus… não tá nem alto! Se for ele, vou falar um monte. — Resmunguei. Abri a porta com irritação e, assim que vi quem estava ali, meu coração quase escapou pela boca. — Eduardo? — pisquei, confusa. — Quer dizer… senhor Eduardo?! O que faz aqui? Ele entrou no apartamento com a energia de um furacão controlado. — Por que você não atende o telefone? — Sua voz grave ecoou com autoridade. — Eu… não sei. Nem sei onde deixei. Mas… o que está acontecendo? — Preciso que venha comigo. Agora. — Como assim? Eu não vou sair do nada. Aconteceu algo com a Sofia? A paciência dele já tinha evaporado, isso era evidente… mas ele teria que me explicar alguma coisa. — Ela está com febre — disse, e pela primeira vez sua voz vacilou um pouco — e está chamando por você. Rafael não quer levar ao hospital ainda. O pediatra orientou observar e só levar se a temperatura subir. Meu estômago revirou. — Febre…? Mas é comum em criança pequena… — Não em Sofia — cortou ele, ríspido. — Ela raramente fica doente. Você vem ou não? A forma como ele me olhou me fez sentir que, se eu dissesse “não”, ele me arrastaria pelos cabelos. Eu suspirei, derrotada. — Claro que vou. Só preciso tomar um banho. Entre e espere. — Não tenho tempo para isso. — Então vou trocar de roupa. Um minuto. Virei as costas, mas sua voz me alcançou — firme, autoritária. — Vai assim mesmo. Anda logo, Isadora. Girei lentamente, incrédula. Ele só podia estar brincando. — Olha bem pra mim — abri os braços, indignada. — Não tem a menor condição de eu sair desse jeito, senhor Eduardo. O olhar dele percorreu meu corpo — não de forma apreciativa, mas avaliativa, criteriosa. Senti um arrepio desconfortável subir pela coluna. Eu estava malvestida, quase sem roupa, suada, descabelada. Mas então… algo no olhar dele mudou. Escureceu. Como se eu tivesse feito errado em chamar atenção para mim mesma. — Não vejo problema — murmurou. — Vamos. Por favor. O “por favor” veio baixo, quase escondido, e mesmo assim não soou gentil. Era um pedido de alguém acostumado a ser obedecido. Suspirei. Eu não tinha escolha. — Ok. Vamos. — Peguei o celular do aparador e tranquei a porta. Não era pela menina. Por ela eu iria correndo, sem questionar. Mas o jeito dele… aquela postura arrogante, aquele comando disfarçado de urgência… aquilo me deu raiva. Dois homens enormes dentro daquela casa e nenhum sabia lidar com uma criança com febre. Entramos no carro. O silêncio durou metade do caminho, até ele quebrar. — Sei que estraguei seu sábado — disse, ainda olhando para frente. Estragou mesmo, pensei. — Tudo bem — respondi. — Mas custava me deixar trocar de roupa? Estou fedida e parecendo uma moradora de rua. Ele soltou uma risada curta, baixa. Virou o rosto um pouco, me analisando de canto de olho. — Não exagere, Isadora. Lá você encontrará chuveiro e roupas limpas… e decentes. “Decentes.” Ah, essa doeu. O carro entrou pelos portões da casa, e o contraste entre meu visual miserável e aquela mansão impecável me acertou como um tapa. A fachada iluminada, o jardim perfeitamente aparado, tudo exalava elegância — e eu… bom, eu parecia alguém que tinha acabado de fugir de uma obra. Eduardo estacionou e saiu apressado. Eu desci atrás, puxando o cropped para baixo na tentativa inútil de esconder a barriga. O short velho subia, o top subia, e eu parecia lutar com uma roupa que tinha vida própria. — Por aqui — ele disse, apressado, sem olhar para trás. A cada passo, eu sentia o chão frio sob meus pés cansados e a vergonha queimando minhas bochechas. A casa estava silenciosa, exceto por um barulho baixo que vinha do corredor — um choro miudinho. Meu coração apertou. Assim que entramos no segundo andar, ouvi a voz de Rafael, grave, baixa, tentando acalmar a filha. O som fazia algo dentro de mim desmoronar e se reconstruir ao mesmo tempo. Eduardo abriu a porta do quarto de Sofia. E Rafael estava lá, sentado na cama com ela no colo. Ele levantou a cabeça quando ouviu a porta — e então me viu. O ar pareceu sumir do quarto. O olhar dele percorreu meu rosto primeiro… depois minha roupa… ou a falta dela. Me examinou devagar, como se não soubesse se deveria desviar o olhar ou entender o que estava vendo. Eu tentei, desesperadamente, puxar o cropped para baixo, cobrindo a barriga suada, o short velho, minha aparência lamentável. Não adiantou. O tecido parecia zombar de mim. Rafael não disse nada no primeiro instante. Mas os olhos dele… ah, os olhos disseram tudo. Confusão. Surpresa. Culpa. E… algo mais. Algo que ele tentou esconder rápido. — É… desculpe a minha aparência — murmurei, quase sem voz. — Eduardo não me deixou trocar de roupa. Rafael lançou um olhar fulminante para o irmão, que fingiu não notar. — Não importa isso agora — ele disse enfim, levantando-se com Sofia no colo. — Ela está chamando você desde cedo. Ao ver meu rosto, Sofia esticou os bracinhos, soluçando. Meu coração quase desfez o resto de mim. — Oi, meu amor… — sussurrei, pegando-a devagar dos braços dele. Ela encostou a cabeça no meu ombro imediatamente, febril, quente, procurando conforto. Rafael se aproximou, hesitante, observando cada movimento. Eu ajeitei a menina, passei a mão por suas costas, senti a febre subindo pela palma da minha mão. — Qual foi a última medição? — perguntei. — Trinta e sete e meio — respondeu Rafael. — Ok… Eduardo, por favor, você pode pegar mel e limão para fazer uma água morna? Vai ajudar a acalmar a garganta dela. Eduardo me olhou como quem recebe uma ordem direta de um general. E saiu imediatamente. Só depois de três passos ele pareceu perceber que havia… obedecido. A mim. Mas já era tarde demais. Rafael viu tudo. E não disse nada. Ele apenas continuou me observando — os olhos atentos, intensos, profundos, como se estivesse vendo uma faceta minha que não conhecia. Eu me movia pelo quarto com Sofia como se fosse minha — não de sangue, mas de algo mais silencioso. Intuição talvez. Afeto talvez. Necessidade talvez. A cada gesto meu, o olhar dele me acompanhava. Eu tentava ignorar. Tentava não lembrar da noite que tivemos. Do corpo dele no meu. Das mãos dele segurando minha cintura. Mas era impossível. Especialmente porque, naquele instante, eu estava ali… naquele quarto… com a filha dele… vestida como um desastre pós-faxina… enquanto ele me olhava como se eu fosse um tipo de caos que ele não sabia como lidar. — Ela melhora com você — disse ele, por fim, a voz baixa, quase um sopro. Olhei para ele por cima da cabeça da Sofia, que respirava trêmula contra meu ombro. — Não é comigo… — murmurei. — É amor e aconchego. Criança sabe quando alguém quer bem. A expressão dele mudou. Um músculo na mandíbula contraiu. Ele desviou o olhar por um segundo, tocado. Eduardo voltou com tudo o que pedi. — Aqui — disse ele, meio ofegante. — Obrigada — respondi automaticamente, pegando as coisas das mãos dele. Eduardo… ficou parado, como se esperasse mais ordens. E eu… sem perceber… dei. — Pode trazer um pano limpo também? E um copo pequeno. — Claro. — E saiu de novo. Rafael soltou uma risada quase inaudível. — Você acabou de transformar o Eduardo no seu assistente. Eu corei. — Eu… eu não percebi. Desculpa. — Não peça desculpa — disse ele, sério. — Ele precisava disso. O olhar dele voltou ao meu corpo. Meu cropped. Meu short velho. Minha pele suada. Eu engoli seco, sentindo meu rosto queimar. — Eu realmente não queria que você me visse assim — confessei. Ele deu um passo em minha direção. E outro. A voz dele veio baixa, profunda, com algo que me atingiu como fogo: — Isadora… Se você acha que isso diminui alguma coisa… está completamente enganada. O ar saiu do meu pulmão de um jeito que eu não controlei. Sofia respirava calma no meu ombro. Rafael respirava pesado diante de mim. E eu… Eu já estava perdida de novo.






