Camila cresceu no interior de São Paulo com os pais conservadores, sempre viveu uma vida regrada e pouco conhecia da vida de crimes e de toda maldade que cercava o mundo. Mas isso muda quando seus pais morrem em uma enchente e sua única parente vivia é uma tia que ela não vê há anos e que mora no Rio de Janeiro, no morro do Adeus. Três vidas totalmente diferentes, mas que vão se unir assim que Camila se torna a babá do irmão mais novo deles e se apaixona perdidamente pelos dois. O que comandava o morro João Miguel, um bandido que tinha crescido vendo as dificuldades da vida e João Vitor, que estudou enquanto seu irmão comandava o tráfico e agora os dois trabalhavam lado a lado buscando a prosperidade. Eles terão que vencer seus preconceitos se quiserem viver aquele amor, enquanto enfrentam a vida de morro.
Ler maisAcordei com trovões que estremeciam minha casa. Detestava chuvas porque elas costumavam destruir tudo o que tinha em volta.
Me levantei correndo da cama e encontrei meus pais já na sala, tentando ver a quantas estava a destruição.
— Precisamos sair daqui, não sabemos quanto tempo mais as barreiras vão aguentar. — meu pai falou apreensivo encarando a tempestade lá fora.
— Mas não temos pra onde ir José, nem mesmo dinheiro pra ficar em um hotelzinho.
Nós éramos uma família pobre ali do interior de São Paulo, meu pai trabalhava em uma fábrica ali perto e conseguíamos nos manter, eu trabalhava de babá para algumas mães do bairro, mas o dinheiro era pouco, afinal todo mundo ali era bem humilde.
— Podemos pedir abrigo na igreja. — disse dando uns passos a frente e alcançando os dois. — Padre Bento falou na missa de domingo que quem tivesse correndo e não tivesse para onde ir poderia se abrigar na igreja.
Meu pai me olhou por um minuto, eu sabia que o orgulho bobo de homem estava falando mais alto, ele não queria assumir que não podia cuidar da própria família. Mas ele precisava entender que nada daquilo era culpa dele e sim da natureza.
— Ela tem razão, meu bem. — minha mãe colocou a mão em seu ombro e eu o vi suspirar se dando por vencido.
Eu achava lindo o amor deles, um toque, um olhar e os dois se entendiam. Não que nunca houvesse brigas e discussões lá em casa, isso tinha, mas eles sabiam contornar os problemas juntos.
— Está bem, vamos pegar só o essencial e sair. A estrada está por um fio, vamos ter que ir andando.
Me apressei dentro do quarto peguei uma mochila e joguei duas mudas de roupa meus documentos, um porta retrato com meus pais e corri pra fora.
Mamãe já tinha juntado um punhado de comida em uma sacola de feira, meu pai já tinha pegado as roupas e os documentos, apenas o mais importante.
— Vamos logo! Se Deus quiser amanhã estaremos de volta em casa.
Saímos de lá correndo em meio a chuvarada, meu tênis tinha ficado encharcado só de pisar na estrada de barro. Mas foi aí que vimos que não éramos os únicos fugindo daquela barreira que poderia cair a qualquer instante.
Alguns vizinhos também saiam de casa levando malas e poucas coisas, nem adiantava usar o carro, pois sabíamos que as ruas estariam alagadas. Os pingos de chuva gelada me fizeram bater os dentes, minha roupa já estava molhada de mais.
Mas logo avistamos a cruz enorme da pequena paróquia que tinha na cidade, as luzes acesas diziam que o padre já estava esperando que seus fiéis fossem se abrigar ali.
Corri querendo chegar de pressa, não aguentava mais aquele frio que parecia congelar a alma. Atravessei a pequena dívida entre a estrada de terra para o asfalto, agora estava ainda mais perto.
Olhei para trás procurando meus pais, o barulho dos trovões e de toda a água não deixava que escutaremos direito o que estava acontecendo. Forcei os olhos entre a escuridão e os pingos d'água e avistei todos parados olhando a estrada.
Voltei correndo, querendo saber o que teria acontecido e me assustei com o buraco que tinha se formado, parte da estrada de terra tinha sido engolida, sumindo em meio a toda água.
— Mãe! Pai! Pulem que vocês conseguem!
Seguindo meu conselho vi outras pessoas fazendo o mesmo, pulando o pequeno buraco e conseguindo pisar do outro lado.
— Filha corra para a igreja! — papai gritou e o barulho de árvores se quebrando encheu nossos ouvidos.
Todos pararam paralisados com o barulho assustador da enxurrada de água, barro e árvores descendo por ali.
Encarei meus pais de olhos arregalados e tive a vaga noção da gritaria a nossa volta ter aumentado.
— Nós amamos você! — foi tudo o que ela disse antes de serem engolidos por aquela avalanche e serem carregados para longe.
— NÃO! — gritei chocada e senti mãos me puxarem tentando me tirar dali.
Eu lutei contra aquilo, não queria sair, queria ir com meus pais. Mas o aperto se tornou ainda maior e eu fui arrancada do chão e carregada para a igreja.
Eu estava em estado de choque, não sei se tremia agora por ter perdido meus pais ou pelo frio. Não conseguia mais nem raciocinar. Pessoas se amontaram a minha volta, perguntando como eu estava, mas eu não tinha ideia de como me sentia. Meu mundo tinha desmoronado.
Uma semana depois...
Eu tinha saltado do ônibus e procurei em volta por um táxi como minha tia tinha dito que eu encontraria.
As palavras dela ainda estavam vivas em minha mente.
— Quando chegar na rodoviária procure um táxi e diga para ele te trazer até o Morro do Adeus, eles sabem onde é!
— Ei gata nem pense em pegar o celular e dar bobeira, nem ficar com a bolsa dando sopa ali, porque tá cheio de trombadinha por aí! — foi minha prima quem gritou interrompendo a mãe dela e eu tentei manter aquilo em mente.
Trouxe a mochila para a frente do corpo e reparei em volta melhor, não queria que o perdesse o pouco que tinha. As pessoas passavam com pressa, esbarrando em mim não pediam desculpas e ainda me olhavam de cara feia.
O calor também não estava ajudando, a blusa de moletom que eu usava e a calça jeans, tinham sido perfeitas para a viagem no ar-condicionado do ônibus, mas ali eu estava cozinhando.
Encontrei um táxi e corri até ele desesperada, já estava começando a me arrepender de ter dito que ia até o morro sozinha.
— Bom dia.
— Bom dia, pra onde moça.
— Morro do Adeus. — suspirei, aquele nome era tão perfeito para como eu estava me sentindo naquele momento.
— Você não é daqui, não é menina? — o homem barbudo, usando regata e óculos de sol me perguntou.
— Está tão na cara assim? Eu sou de São Paulo.
— Ahh logo vi, o sotaque diferente te entrega! — eu duvidava que eu tinha sotaque, eles é quem puxavam o "s". — Mas a cara de perdida também. Sabe bem onde tá se metendo indo pra aquele morro?
Não, eu não tinha ideia. Quando minha tia falou onde morava eu procurei tudo sobre o lugar. Não era de todo feio, mas o que as pessoas diziam sobre lá não era nada agradável.
— Não, eu nunca conheci o Rio, mas minha tia mora lá e eu vou viver com ela agora.
— Pois então boa sorte, porque você vai precisar!
Eu ia precisar mesmo, de muita sorte pra continuar bem nesse mundo depois de tudo.
Quando chegamos ele me deixou na ponta do morro e perguntou se eu queria que ele esperasse minha tia. Mas eu tinha herdado o orgulho do meu pai e neguei, além do que não tinha dinheiro suficiente pra ficar segurando o homem ali com o taxímetro rodando.
Pesquei o celular na bolsa e olhei bem em volta antes de ligar pra ela.
— Eai Cami, já chegou? Mamãe foi no mercadinho comprar umas coisas.
— Estou aqui na entrada do morro onde o táxi me deixou.
— Beleza, me espera aí que eu estou descendo! Não sai da entrada e cuidado!
Bianca desligou tão rápido que eu me espantei. Mas enfiei o celular de volta na bolsa e comecei a olhar o lugar, os carros passavam avoados na avenida, as motos subiam e desciam assim como as pessoas.
Eu sentia que todos os olhos estavam em mim e não sabia se aquilo era coisa da minha cabeça, ou se eu estava mesmo sendo vigiada. Torci para que Bianca fosse rápida.
— Ei morena, tá fazendo o que parada aí? — um garoto se aproximou de mim e eu engoli em seco e apertei os braços em volta da minha mochila. — Tu não ouviu eu falar não? Ou é surda?
— E... eu... eu estou esperando uma amiga. — respondi quando outro apareceu ao lado me cercando.
Tentei dar um passo para trás e senti minhas costas baterem no muro de uma casa.
— Iiii ala, ela fala toda certinha! Certeza que é patricinha do asfalto!
— Anda, mostra aí o que tem na mochila! — o primeiro deles colocou a mão na minha bolsa e eu puxei com força, ignorando a dor quando meu cotovelo acertou a parede atrás de mim.
— Não tenho nada, só roupa! — tentei soar firme, mas nunca nos meus vinte anos algo assim tinha acontecido comigo.
— Tá pensando que tá onde pati? A gente manda aqui e estamos pedindo a mochila!
Eu deveria ser esperta e correr pra longe dali, ou gritar por socorro, mas as pessoas que passavam pareciam não se importar com o que estava acontecendo comigo.
Quando ele segurou a alça da mochila outra vez eu acertei um chute bem no meio das bolas dele e corri! Corri entrando no morro e ignorando os gritos atrás de mim.
Eu nem sabia para onde ir, corri como se minha vida dependesse disso.
— A gente vai te pegar piranha!
Eu entrei em um beco tentando despistar eles e corri subindo mais um pouco, virei em tantos buracos que nem sabia mais como voltaria.
— Você vai pagar filha da puta! — o garoto falou atrás de mim e eu olhei para ele sem parar de correr.
Toda a raiva que ele mostrava eu sabia que estaria morta se ele me pegasse, ou coisa pior.
Então eu esbarrei em alguma coisa dura e cai no asfalto com força.
— Posso saber por que estão perseguindo a garota? — uma voz grossa soou e eu ergui as costas e forcei os olhos tentando ver quem era.
— Que isso estão brincando de pega-pega agora? — outro homem falou e eu finalmente foquei na imagem a minha frente.
Dois homens loiros altos e fortes estavam parados de braços cruzados a minha frente.
Um deles tinha o cabelo raspado e era cheio de tatuagens, até mesmo na bochecha, a barba clara dava mais charme a ele mesmo que sua expressão gritasse perigo.
O outro tinha um boné na cabeça, os fios mais longos do cabelo escapavam pelo fecho e também tinha uma barba clara, mas esse não tinha nenhuma tatuagem, ao menos nenhum aparente.
— Fala agora vadia porque estava correndo!
— Ainda não concordo com isso, essa é a casa de vocês e esse deveria ser o recomeço não um fim.— Tia eu sei que está chateada e não concorda com isso, mas é a única forma que temos de ser livres, livres de tudo o que acaba voltando para nós. — eu murmurei a contragosto, porque também não queria me despedir de nada ali, mas era impossível viver daquele jeito, voltar para o crime e deixar nossos filhos terem o mesmo destino dos pais e do avô não era uma opção.— É mãe, não se preocupa que eles vão estar bem e daqui há alguns meses a gente vai estar reunidos novamente, mas bem longe daqui, vamos todos pra Portugal. — Bi abraçou minha tia que não parava de chorar, ao menos isso serviria para ser convincente e fazer todos acreditarem em nossa morte.Estávamos viajando sem nada além dos documentos falsos que levou dois dias para que Vitinho conseguisse. Ele viajaria com Juninho separado em um voou diferente, ele seria um pai viajando com o filho a passeio, enquanto eu e Miguel iriamos com
Eu e Vitor fizemos o caminho até em casa no mais completo silencio. Era difícil acreditar que tínhamos conseguido, que estávamos dentro do crime novamente e dessa vez não como chefes, mas como sócios.Meu irmão parou o carro na frente de casa e um dos homens para guardar nossa família acenou do outro lado da rua, mas faltava um deles, eu só esperava que estivesse em algum lugar estratégico.— Acha que ela vai entender o que fizemos? — perguntei a ele, estava tentando não pensar na reação dela.— Eu espero que ela entenda que era a nossa única opção, ela nos colocou em uma saia justa.Quem dera ursinha pensasse desse jeito, com toda certeza na cabeça dela a nossa escolha era fácil e simples, até bem óbvia para ela, mas Camila não entendia o que nos custaria nos transformarmos em ratos. A verdade é que custaria nossos nomes, nada do que fizemos de bom na nossa comunidade iria importar depois do momento que entregássemos as provas a policia.— Amor? — Vitinho chamou indo na frente e a ri
Eu fiquei um bom tempo dentro do quarto depois que os dois saíram, minha mente não conseguia evitar pensar o pior, só conseguia lembrar de Vitinho machucado, cortado e sangrando, Miguel irado comigo me atacando, voltar para o meio do crime só poderia trazer essas coisas de volta para nossas vidas.Me levantei querendo esquecer esses pensamentos e começar meu dia, abri as portas do closet procurando uma roupa e então meus olhos avistaram uma das malas no canto.Queria fazer o que disse a eles, pegar as malas, nossos filhos e Juninho e sair da cidade, mas eu não podia, tinha que dar um voto de confiança de que eles fariam o certo, de que escolheriam o melhor para nossa família.Tirei minha camisola e vi minha cicatriz onde tinha sido baleada, tinha se passado tanto tempo que as vezes parecia ter sido em outra vida, mas aquilo era mais um lembrete de como as coisas podiam ficar feias.Miguel tinha mantido as armas guardadas por muito tempo, as deixando longe do alcance de qualquer pessoa
— Está dizendo que deveríamos trabalhar como ratos infiltrados, entregando a polícia tudo sobre a facção? — Miguel questionou mesmo que já tivesse ficado claro o que Camila queria de nós dois.— É isso mesmo o que estou dizendo! Vocês vão entregar os desgraçados pra polícia, é a melhor forma de se livrar deles e manter sua família segura.— Camila, você não veio do crime amor, não entende como isso funciona e não sabe as consequências que teria se nós nos virássemos informantes da polícia. — falei tentando trazê-la de volta a realidade, nossa ursinha não tinha sido criada no nosso meio, não sabia que aquilo acabaria com a nossa reputação.— Eu posso não ter vindo do crime, mas sei exatamente o que quer dizer a palavra rato, delator, infiltrado, informante, não pense que sou estúpida amor. — ela fez questão de usar um tom sarcástico na palavra amor, provavelmente ainda estava com raiva por ter me escutado dizer que deveríamos mentir para ela.Camila não entendia que eu estava querend
Eu não conseguia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo com a nossa família, depois que deixei pra trás a vida no morro, depois de abrir mão de tudo o que tinha lá e vim pra um lugar que nunca conheci, pra recomeçar minha vida e cuidar de Camila e da nossa família.Agora eu estava com uma mala cheia de dinheiro na minha frente e algum filho da puta ameaçando a vida da minha mulher e dos meus filhos. Em troca teríamos que usar o supermercado como um dos pontos de lavagem de dinheiro da facção.Encarei meu irmão sentindo meu sangue ferver, eu não tinha deixado de ser chefe do morro pra aguentar um merdinha me ameaçando e querendo me obrigar a fazer alguma merda.— Vamos omitir isso, Camila não precisa saber e a mantemos em segurança. É apenas lavagem de dinheiro pra facção, que mal pode ter nisso? — meu irmão repetiu pela milésima vez, desde que acordamos a gente estava ali na cozinha discutindo essa porra.Eu não queria mentir pra ursinha, ela tinha confiado na gente, tinha me p
Eles estavam chegando perto, eu conseguia ouvir os passos e os gritos atrás de mim. Os homens chegariam para destruir minha família e eu não podia deixar que chegassem até meus filhos, podia lidar com meu sofrimento, com a perda dos pais deles, mas não podia viver sem meus bebês.— Nós vamos te pegar! — um deles gritou. — E quando isso acontecer você vai desejar nunca ter fugido de nós!Corri o mais rápido que conseguia, meu peito queimava com as respirações fortes e com o ar gelado da noite, mas eu não parei, continuei correndo porque minha vida dependia disso e o bem estar dos meus filhos também dependia disso.— Você só tinha que ser uma boa menina e entregar o lugar onde eles estão escondidos, era tudo o que precisava fazer. — me virei para trás ouvindo as vozes ainda mais perto, mas acabei tropeçando em um galho e indo de cara no chão. — Ai está você. Decidida a contar onde esconderam seus filhos?— Sabemos que seus dois maridos não vão entregar tudo se ainda tiverem as crianças.
Último capítulo