Mundo ficciónIniciar sesiónA DOR DO RECONHECIMENTO
No final do dia, os olhos de Leonardo estavam vermelhos e fundos. — O carro preto parou diante do portão do Instituto Médico Legal, ele mal conseguia sustentar o próprio corpo. O assistente, Mateo, caminhava ao lado, segurando-o com firmeza, como se a qualquer instante ele fosse desabar. — Eu sou Leonard Bellemont Salazar,. esposo de Ellen Salazar — disse ao recepcionista, a voz arrastada pelo desespero. O funcionário assentiu com pesar e chamou o responsável pelo setor, um homem de jaleco branco e semblante cansado aproximou-se, segurando uma prancheta. — Senhor Salazar... sinto muito por sua perda. — Sua cunhada, Halley , esteve aqui mais cedo, a reconheceu e assinou a documentação. — Só nós não a liberamos ainda, porque aguardávamos sua presença para os trâmites finais e a liberação do corpo. Leonardo balançou a cabeça, negando com veemência. — Não... não pode ser minha esposa, deve haver um engano... — Eu mesmo o levarei até ela senhor. O corredor era longo, o piso brilhava de tão limpo, mas para Leonard, tudo era cinza, sem som, ou sentido. — Quando chegaram diante da câmara refrigerada, o legista puxou a gaveta com lentidão. — E então ele à viu, ali estava Ellen, sua esposa, sua melhor amiga, e alma gêmea. — A pele gelada, os lábios arroxeado, o lado esquerdo do rosto costurado, consequência da violência do impacto. Leonardo caiu de joelhos, soltando um grito mudo que sufocava tudo em seu peito. — Ellen... meu amor... por quê? O que aconteceu com você? — sussurrou, a voz falhando. — Volta pra mim, por favor... —Me diz que isso é um pesadelo... as mãos trêmulas acariciaram os cabelos escuros dela, agora opacos. — O legista, com discrição e compaixão, afastou-se um pouco, mas Leonard virou-se para ele, com lágrimas caindo sem controle. — Como foi? Me diga, por favor... como isso aconteceu? — O carro foi atingido no cruzamento, o outro veículo avançou o sinal e colidiu com força do lado do motorista. — Ela praticamente faleceu na hora, o trauma cerebral foi muito severo. — O lado esquerdo do crânio teve afundamento e sangramento imediato. — Mas tem mais uma coisa, senhor Salazar... Leonardo apenas encarou o médico, a alma já em frangalhos. — Sua esposa estava grávida. Estimamos, pelo exame preliminar, cerca de doze semanas de gestação. Ele não suportou e soltou e gritou, caindo com o rosto sobre o peito da esposa e chorando como um menino. Mateo, com os olhos marejados, aproximou-se e se ajoelhou ao seu lado. — Senhor Salazar a sua filha a pequena Sophie precisa do senhor. — Agora, mais do que nunca, Mateo... soluçou Leonard, Ellen... era minha vida, como eu vou viver sem meu amor agora? — O senhor vai viver pela sua filha, e honrar sua esposa em memória dela, me permita cuidar de tudo, Senhor? — O senhor disse que ela não queria ser enterrada e sim cremada? — Isso mesmo, era o desejo dela, nada de ser enterrada ... ela vai ser cremada, terá paz. Providencie tudo, por favor, eu preciso ficar mais um pouco com ela. Mateo assentiu, respeitoso, e retirou-se para fazer as ligações com a funerária. Leonardo então ficou sozinho com Ellen. — Amor... como vou te explicar para nossa Sophie? — Nem sei como vou olhar nos olhos de nossa filha e dizer que você não vai voltar? — sussurrou, os dedos acariciando o rosto sem vida. Ele não sabia... mas ela estava ali Ellen, em espírito, o observava e chorando via Leonard. — Flutuando no invisível, sentindo uma confusão, não sabia o que lhe acontecera. — Leo, meu amor, eu estou aqui, por que você não me vê? — dizia ela, estendendo a mão em direção a ele, mas os dedos atravessaram o ar, ela não conseguia tocá-lo, não podia mais. Olhando ao redor, foi então que percebeu a presença de dois vultos. Dois rostos conhecidos, — papai e mamãe, o que vocês fazem aqui? A mãe, com ternura nos olhos, estendeu a mão, venha, filha, chegou sua hora. — Mas... eu ia almoçar com a Halley, ela me ligou... — respondeu Ellen, confusa. O pai se aproximou e a abraçou. — A Halley ainda tem muito a viver... e o que responder, ela vai precisar arcar com a responsabilidade de suas escolhas. — Seu caminho será outro, minha filha, sua irmã não tem perdão na terra, e vai pagar caro. — Agora, você precisa descansar, seu tempo aqui se encerrou de uma forma errada, ainda não era o tempo para você vir, sua missão aqui foi selada por sua irmã, Sophie vai ser cuidada, por uma pessoa que virá e a amará como você a ama. Ellen olhou uma última vez para Leonardo, que continuava ajoelhado, chorando. — Amor... me perdoa, eu queria ter ficado mais tempo ao seu lado, ter me dedicado mais a você e nossa filha, e agora te vejo aqui inerte, como viverei sem você?—Saiba que eu te amei com toda as minhas forças, e amarei para sempre, ninguém substituirá você em meu coração. —No plano espiritual Ellen ouvia suas palavras, e chorava com ele. Seus pais a envolveram em um abraço. — Ela foi envolvida por uma luz suave, que a levou, lentamente, para longe daquele lugar frio, deixando para trás um homem quebrado e o início de uma nova história.






