5. Despedida

Entrei em choque, minha irmã já não chorava mais, alguém devia tê-la acolhido, eu não reagia aos chamados ao meu redor, alguém tentava me puxar, mas eu resistia, não queria sair de perto da minha mãe. Polícia, corpo de bombeiros, o apartamento se tornou pequeno para a quantidade de pessoas que estavam lá. Eu não chorava, uma policial me abraçou carinhosamente, ela tinha em seus braços também a minha irmã. 

— Seu pai já está a caminho, querido, tente se acalmar. — Ela dizia, mas eu sequer estava questionando algo, a imagem da minha mãe jogada no chão sem vida ainda estava girando na minha cabeça. 

— Helena! O que aconteceu? Meus filhos, onde estão os meus filhos? — Ouvi os gritos de desespero do meu pai. 

— Aqui senhor! — A policial o chamou. — Eu sinto muito. 

Meu pai me agarrou, ele estava chorando muito, lembro-me de sua expressão quando olhou para Fernanda pela primeira vez. 

— Minha filha! — Ele ousou tentar pegá-la, mas recuperei minhas forças por um momento, apenas para expressar todo ódio que sentia por ele e para impedi-lo de tocar na minha irmã. 

— Não encosta nela! Ela não é sua filha, você não é nosso pai! Eu te odeio, vá embora daqui, eu te odeio! — Eu gritava repetidamente, os policiais pararam observando, estranhando a situação. — Você matou a minha mãe! É tudo sua culpa! Eu te odeio, Roberto! Eu te odeio! 

Meu pai deu um passo para trás mortificado, nenhuma dor que eu pudesse fazê-lo sentir chegaria aos pés do que eu estava sentindo. 

— Por favor, não deixem esse homem me levar, chamem a minha tia, eu quero ir com a minha tia, esse homem não é meu pai! 

Obviamente que a minha reação inesperada fez com que meu pai tivesse que prestar depoimento para a polícia, mas eles não poderiam proibi-lo de nos levar caso quisesse. Roberto ainda era meu pai e dono da minha guarda, mas por sorte a tia Anelise chegou, senti um tremendo alívio quando ela pegou minha irmã em seus braços e o tio Romeu me acolheu. 

— O que aconteceu com ela? — Ela questionava para a polícia. — Minha irmã, minha pobre irmã! — Minha tia chorava dolorosamente, sendo amparada pelos policiais. 

Meu primo, Cristiano, olhava tudo com os olhos arregalados, apavorado, ele segurava na blusa do tio Romeu, encolhido. Meu pai permitiu que minha tia me levasse com ela, depois de todos os xingamentos que eu havia disparado contra ele, os próprios policiais aconselharam que fosse dessa forma. Não me deixaram ver na hora que levaram o corpo da minha mãe, mas eu sabia que ela já não estava lá e que nunca mais voltaria a vê-la. 

Tia Anelise morava longe dali, eles tinham muita coisa para resolver, acredito que por isso tenham decidido permanecer no nosso apartamento. Foi doloroso ouvi-la dando a notícia da morte da mamãe para o resto da família, mesmo que ela tenha tentado se afastar, a forma como chorava ecoava em minha mente, era terrível. 

Me deitei encolhido em minha cama, Cristiano até tentou se aproximar, mas acabei sendo grosseiro, eu só queria ficar sozinho naquele momento. Eu sentia que a partir daquele dia, tinha a obrigação de cuidar da minha irmã, mas tinha certeza que com a tia Anelise ela estaria segura, eu só conseguia pensar numa forma de acabar com aquela dor, e não conseguia parar de desejar a minha própria morte.

Toda minha família chegou de Brasília para o enterro da minha mãe, meu avô passou mal, a pressão da minha avó subiu e todos estavam preocupados com os dois. Era tão doloroso ouvi-los lamentando, vê-los chorando, ver a dor dos outros apenas fazia aumentar a minha dor. 

Durante o velório, me desesperei ao ver o corpo da mamãe naquele caixão, naquele momento tive a certeza de que era o fim, me lembrei da última conversa que nós tivemos, em que ela me disse que independente do que acontecesse, sempre estaria ao meu lado, mas ela havia falhado, estava me abandonando e eu nunca mais voltaria a tê-la comigo. 

Meu pai chorava sobre o corpo dela desesperadamente, eu o olhava com repúdio, queria poder tirá-lo dali, tudo aquilo soava um tanto quanto falso para mim. No momento em que levaram o caixão para o túmulo, senti que não suportaria mais, quando começaram a jogar terra em cima da minha mãe eu desejei ser enterrado junto. Lembro de como estava frio naquele dia, o tempo estava chuvoso, e eu tremia, mas não era devido ao frio, eu estava mal, estava me sentindo muito mal. Acordei algum tempo depois rodeado pelos meus tios e pela minha avó, havia desmaiado, estavam todos preocupados comigo pois eu não respondia a ninguém, meu estado era deplorável e a dor me consumiu. 

Supliquei que não me deixassem ir com o meu pai, preferia mil vezes ter que morar na fazenda com a tia Anelise, do que ter que conviver com ele. 

— Vou ver se o Roberto me dá a guarda das crianças. — Ouvi quando tia Anelise conversava com a minha avó. 

Senti um imenso alívio, minha tia conversou com o meu pai, eu não sei exatamente o que resolveram, mas ele não tentou nos levar, creio que sequer tenha cogitado essa ideia, concedeu nossa guarda para minha tia e nós fomos morar com ela na fazenda. Haviam coisas mais dolorosas na minha cabeça naquele momento, estar lá seria o menor dos meus problemas.  

Me transferiram para a mesma escola do Cristiano, vivi com eles por meses, aos poucos fui me acostumando com a dor, mas não conseguia me acostumar com aquele lugar. Meu primo e eu brigávamos bastante, definitivamente a gente não se dava bem e os papéis agora estavam invertidos, todos tinham pena de mim, então passei a ser o protegido. 

O ano chegou ao fim, eu tinha sobrevivido a ele, a saudade da minha mãe apertava no peito, eu olhava para minha irmã e via nela um refúgio, olhando-a eu sentia como se mamãe estivesse por perto. Jurei para mim mesmo que cuidaria da Fernanda para sempre, a protegeria e nunca permitiria que ela sofresse. 

Nós fomos para Brasília passar o natal, porém não houve uma festa, ninguém queria comemorar, ninguém estava feliz, mas apesar de tudo eu me sentia bem lá, amava a minha avó e as minhas tias, sabia que elas nunca me deixariam sozinho e via a forma como cuidavam com tanto amor da minha irmã. Eu amava a tia Anelise, ela foi como minha segunda mãe, tio Romeu foi como o pai que não tive, mas eu não queria voltar para o sul, queria ficar em Brasília, e morar com a minha avó. 

— Vovó, eu não posso ficar com a senhora? — Perguntei chocando a todos, principalmente minha tia. Minha avó a olhou sem saber o que dizer, mas percebi que tia Anelise permitiu que ela decidisse. 

— Eu fiz algo de errado, querido? — Minha tia me perguntou docemente, sem o menor sinal de ressentimento.

— De jeito nenhum, eu amo você! — Respondi sinceramente. — Mas não gosto de morar na fazenda, não gosto da escola. 

Tia Anelise torceu os lábios entendendo perfeitamente, pois sempre soube que eu não gostava daquele lugar, sabia que eu estava falando a verdade e que com certeza o problema não era ela. Minha avó respirou fundo e as duas se entreolharam. 

— Você pode nos deixar conversar a sós um segundo, querido? — Vovó pediu. 

Eu concordei e me juntei aos meu primos, de longe observei que tia Anelise parecia concordar com algo, ela movia a cabeça positivamente, notei também que minhas outras tias, Clarisse e Adelina estavam de acordo com o que elas diziam. Após uma longa conversa, tia Anelise me chamou. 

— Não irei me opor, se essa é a sua vontade, meu amor. — Disse docemente, ela falava como a minha mãe. 

— Não fique chateada, eu juro que gosto de morar com a senhora. — Falei sentido, pois pude notar as lágrimas preenchendo seus olhos. 

— Não se preocupe, eu não ficarei, mas sentirei falta de vocês. — Ela sorriu e me abraçou. — Mas antes, tenho que conversar com o seu pai, infelizmente não posso tomar essa decisão sem o consentimento dele. 

Eu concordei, tinha certeza que meu pai não se importaria, ele não fazia questão de nos ter por perto. Dito e feito, não voltei mais para o sul, daquele natal em diante passei a viver com a minha avó em Brasília. Tia Anelise voltou para casa, e confesso que senti muita falta dela, mas preferia morar ali, então ela mandou todas as minhas coisas e as coisas da minha irmã, e nossa avó nos criou junto com a tia Adelina, que ainda morava com ela.

Eu tinha meu próprio quarto e minha irmã o dela, mas nós dormíamos juntos, eu fazia questão de cuidar, de protegê-la. A primeira palavra da Fernanda, não foi mamãe e nem papai, afinal não tinha nenhum dos dois, ela falou Pipe e seus primeiros passos foram na minha direção. 

Eu tinha apenas 11 anos, ainda era uma criança, mas me sentia responsável pela minha irmã, ninguém me disse que eu deveria fazer isso, mas me forcei a amadurecer, não me relacionava bem com as outras crianças da minha idade, era tímido e fechado, gostava de viver no meu mundinho particular. 

As coisas pioraram um pouco mais quando entrei na adolescência, aquela fase dos 15 anos em que o assunto predileto de todos os garotos eram as meninas, obviamente. A única certeza que eu tinha, era de que jamais me entregaria para essa maldição que chamavam de amor. Eu via meus amigos feito bobos apaixonados, e sabia que não ia me submeter àquilo.  

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