AntonellaEu nunca imaginei que seria possível reconstruir alguma coisa em tão pouco tempo… mas aqui estou eu, do outro lado do oceano, tentando juntar os cacos de quem restou de mim.Acordo todos os dias às seis. Tomo banho, prendo o cabelo num coque simples, passo um hidratante no rosto e visto uma roupa social confortável. Londres é fria até no verão, e às vezes isso combina com o que sinto por dentro.A Sweet Dreams virou minha nova casa. Ou talvez meu novo refúgio.De segunda a sábado, visito filiais, reviso relatórios, participo de reuniões com fornecedores e acionistas, e observo minha avó comandar o império que construiu. Aos poucos, ela começa a me deixar à frente das decisões mais importantes, e isso me assusta. Mas também me dá um tipo estranho de orgulho. Algo que nunca senti em Toronto.Hoje estou na filial de Kensington. Uma loja ampla, com fachada rosé e dourado, vitrines cheias de macarons alinhados como joias. No interior, luzes suaves, mesas redondas, cadeiras acolch

AntonellaAcordei mais tarde do que o normal. O relógio na mesinha marcava quase oito e meia da manhã, algo completamente incomum para mim desde que cheguei a Londres. Sentei-me na cama devagar, esperando que o quarto parasse de dar voltas.— Que estranho… — sussurrei, levando a mão à testa.Não doía. Só girava um pouco. Respirei fundo e tentei ignorar. Provavelmente era cansaço. Eu vinha dormindo pouco, trabalhando muito, tentando preencher cada espaço vazio do meu dia.Levantei, tomei um banho rápido e desci para o café da manhã. A vovó estava na mesa com um jornal aberto e uma xícara de chá fumegante nas mãos.— Bom dia, minha menina — disse, levantando os olhos na minha direção. — Dormiu demais hoje.— Acho que estava precisando. — Sentei-me. — Mas já estou melhor.Ela franziu o cenho, avaliando meu rosto como só avós sabem fazer.— Você está um pouco pálida.— Vovó, só estou cansada… sério. — dei um pequeno sorriso.Ela não argumentou, mas o olhar desconfiado ficou.Às dez da man

AntonellaEu nunca gostei de consultório médico. O cheiro de álcool, o silêncio mórbido, as pessoas esperando com cara de preocupação… tudo isso sempre me deixou nervosa. Mas, naquela manhã, eu estava pior do que de costume.Sentei na maca, com as mãos cruzadas no colo, enquanto a médica folheava a ficha que a Olívia tinha enviado antes.— Então, Antonella… — ela começou, com uma voz calma. — Enjoo com cheiros fortes, tontura, cansaço, atraso menstrual…— É, mas deve ser estresse. — interrompi, rápido demais. — Eu tenho trabalhado muito. E… bom, não tenho exatamente uma vida tranquila.Ela levantou os olhos e me encarou por alguns segundos.— Eu entendo. — disse. — Mas, antes de pensarmos em estresse, hormônios ou qualquer outra coisa, preciso descartar o básico.— O básico? — franzi o cenho.— Um teste de gravidez.Eu ri. Foi automático. Um riso curto, nervoso.— Doutora, é impossível. — falei, balançando a cabeça. — Foi só uma vez… e foi a pior noite da minha vida.As palavras saíra

ElizaForam apenas duas semanas, mas para mim pareceram meses. Desde que Antonella descobriu a gravidez, tudo nela mudou… o jeito de andar, os gestos, o cansaço nos olhos. Ela não fala muito, mas eu sinto sua mente sempre correndo, para o passado, para o medo, para o que ela não sabe se consegue enfrentar.E é por isso que hoje decidi levá-la para fazer exames completos. Ela não reclamou. Apenas concordou, com aquele aceno fraco e triste que tem dado para tudo.A manhã em Londres estava fria, mas clara. O duplex inteiro já estava acordado, as luzes acesas, o aroma de chá preto subindo da cozinha. Antonella desceu devagar, abraçada ao próprio corpo, vestindo um casaco grosso e um cachecol creme que quase escondia o rosto pálido.— Pronta, minha menina? — perguntei com um sorriso pequeno.Ela respirou fundo, uma respiração que tremia no final.— Estou… eu acho.Entramos no carro, e o caminho até a clínica foi silencioso. Ela olhava para fora, mas parecia não ver nada. Toquei sua mão enq

AntonellaOs dias seguintes à descoberta foram estranhos. Não havia gritos, não havia desespero, não havia coragem. Havia apenas… silêncio. Um silêncio que ocupava cada canto dentro de mim.Eu acordava, colocava qualquer roupa larga que encontrasse e ajudava a vovó nas reuniões. Respondia perguntas, assinava documentos, aprovava rótulos. Por fora, parecia que eu estava funcionando. Por dentro… era como se eu estivesse andando em um corredor escuro, tateando as paredes.Minha vó não me pressionava. Não tentava arrancar palavras de mim. Apenas colocava chá na mesa, mantinha a mão perto caso eu quisesse segurar, e seguia comigo. Mas ela sabia. No olhar dela havia sempre aquela mistura de força e preocupação que só avós têm.E foi nesse ritmo lento que algo inesperado começou a acontecer. Eu comecei a tocar a barriga.Não de propósito. De repente, enquanto lia relatórios, meus dedos estavam ali. Às vezes segurando, às vezes apenas apoiados. Era como se meu corpo reagisse sozinho. Cada vez