**Narrado por Clara**Era 18h07. O andar começava a esvaziar lentamente. As mesas, antes repletas de documentos e equipamentos, agora pareciam nuas, quase desabitadas. O ritmo dos passos diminuía e o som do elevador se tornava mais audível, ecoando pelo corredor. Minha própria mesa já estava organizada: a caneta posicionada corretamente, os papéis dispostos em ordem e a bolsa repousando ao meu lado. Meu corpo clamava por descanso, por uma cama confortável, mas havia uma conversa urgente que não podia ser adiada.Levantei-se e caminhei até a porta dele. Com dois toques secos, invoquei sua atenção.— Entre.As persianas estavam meio abertas, permitindo que uma luz cinza entrasse no ambiente. Miguel estava concentrado, escrevendo em seu caderno preto, como sempre fazia, demonstrando a calma de alguém que dita suas próprias regras ao mundo. Quando ergueu os olhos para mim, sabia que era meu momento de falar.— Fale, Clara.Parei a cerca de um metro de distância da mesa. Não fiz questão de

Gosto ainda mais quando não há dramatizações.Eu poderia ter mandado que trouxessem a bolsa. Notei o olhar dela direcionado para o lounge, lá no fundo. Porém, não a trouxe. Foi um teste de ritmo. Um teste de dependência. Eu quis testar e ela passou. Mesmo uma entrega com falha controlada ainda é uma entrega. Aqueles que não conseguem afastar-se do cais por causa de um remédio, acabam esquecendo o mar. Mas quem abandona o mar por causa de mim se esquece de si mesmo. Ela não se esqueceu de si e, mesmo assim, não me esqueceu na mesa. Isso é difícil de se encontrar. Raro.Mais tarde, ela pediu para ajustar o horário do dia seguinte. Era o segundo dia. Queria chegar mais tarde. Metade das pessoas que me pedem um ajuste frequentemente me oferecem novelas; a outra metade não oferece nada. Mas ela trouxe um plano. Agendou para às 6h40, 7h10 para o trabalho de planejamento, 7h20 para contatar a área de Relações Internas e Jurídico, e 10h05 no andar 42, com retorno previsto às 17h. Caso surgis

A palavra “cura” no sentido de não voltar mais a ter problemas? Não posso te prometer isso. — ela disse, mantendo o olhar fixo nos meus olhos. — Mas em relação à remissão, sim, isso é possível. Muitas pessoas conseguem viver sem lesões por meses ou até anos, em alguns casos, sem precisar de medicação. O rituximabe foi uma grande ajuda para muitas delas.— E quanto a mim? perguntei.— Você tem dois fatores positivos a seu favor: primeiro, você mantém uma rotina; segundo, a sua condição não envolve mucosas. Isso significa que o seu prognóstico é melhor. Contudo, o que pode ser um complicador é a realidade do Brasil: sol forte, calor constante e uma vida corrida. Portanto, devemos trabalhar com a seguinte abordagem: controle, remissão e vigilância. A palavra cura é muito grandiosa se acontecer, vamos comemorar; se não, podemos viver bem mesmo assim.Absorvi suas palavras. Sem sentimentalismo, sem rodeios.— Então vamos lá.ela continuou. — Hoje faremos uma observação de duas horas, uma h

**Narrativa de Miguel Satamini**Cheguei cedo ao escritório. Antes das oito da manhã, já me encontrava no andar. O elevador ainda exibia o cheiro característico de produto de limpeza, evidenciando que os faxineiros haviam acabado de sair. Conectei a tela do meu computador e organizei três relatórios sobre a mesa, quando ouvi toques suaves na porta.— Senhor… Marisa entrou, segurando uma pasta fina e documentada. — Recebemos a confirmação para o encontro de hoje à noite.Levantei os olhos da mesa e perguntei: — Quem é?— Dr. Álvaro Lacerda. Ela ajustou os óculos, como se estivesse se preparando para discutir uma questão delicada. — O local será o Neblina Club, na Sala VIP, às vinte e duas horas.Peguei o papel que ela me ofereceu. — Um advogado que escolhe uma boate para se reunir tem intenções que vão além do profissional.— Exatamente, senhor. Ela respirou profundamente, como se tentasse reunir coragem. — Perguntaram se o senhor levará alguém.Fechei o relatório de maneira tranquil

Fechei a porta da minha sala. Somente então consegui deixar o ar escapar, aliviando uma pressão que se acumulava no meu peito. Minha respiração se ajustou a um ritmo conhecido: 4 segundos inspirando, 4 segundos expirando e, finalmente, 6 segundos para soltar tudo de uma vez. No entanto, meu corpo ainda vibrava por conta da cena no corredor. Apoiei minha bolsa na mesa, sentei-me diante do computador e encarei a tela, mas não conseguia realmente ver nada.Foi quando meu celular vibrou. O nome “Mãe” piscou na tela. Não hesitei e atendi imediatamente.— Filha? sua voz soava sempre como um misto de carinho e leve cobrança. — Como foi a consulta médica hoje de manhã?Pousei a palma da mão sobre o rosto, como se pudesse apagar o cansaço com esse gesto antes de responder. — Foi apenas uma consulta de rotina, mãe. Ele requisitou os mesmos cuidados de sempre: evitar o sol, tomar os remédios no horário certinho, hidratar bem a pele. Ninguém disse que algo havia mudado.— E você está cumprindo