Aneliese Moore ●19h40 da noite.Tomo um gole do meu vinho, o tinto deslizando quente pela garganta enquanto o som da chuva tamborila contra as janelas da sala. O mundo lá fora parece desabar em água, e eu continuo ali, afundada no sofá, assistindo ao final de mais um episódio de The Resident. Sirius está ao meu lado, enrolado na manta de lã, apenas o focinho à mostra — e, pela forma como respira pesado, parece compreender que esta noite não é para sair. É noite de recolhimento. De observar, testar e — talvez — decidir.Sim, eu tenho um encontro com Alexander esta noite. E sim, eu admito: talvez tenha dificultado um pouco as coisas apenas para ver como ele reagiria. Me julguem se quiserem — eu tenho meus motivos. Nada cruéis, apenas... estratégicos.Para começar, ofereci à babá o dobro do valor para que não aparecesse. Depois, arrumei um encontro entre Laila e Gaspar — que, convenhamos, é um desastre anunciado — apenas para manter ambos ocupados e Laila sem me tirar do serio por algu

●Aneliese Moore ●Eu não sabia o que responder.Porque, de alguma forma, eu entendia o que ele sentia.Entendia a solidão, o medo, o desejo que se disfarça de controle.Mas, ainda assim, uma parte de mim gritava em silêncio, perguntando como aquilo poderia ser real.— Por que nunca chegou pra me falar nada? — perguntei, a voz quase por um fio.Ele respira fundo. O ar entre nós parece se partir em dois.— Porque eu tive medo... — diz, enfim.Seus olhos me encontram, e há neles mais do que eu poderia decifrar em mil vidas.— Aneliese, eu não sou o homem certo pra você. — ele continua, e sua voz soa quebrada, honesta demais pra ser confortável. — Eu sou alguém cheio de rachaduras, de fantasmas. Alguém que ainda tenta colar os cacos de um passado que insiste em sangrar. Tenho inseguranças demais, cicatrizes demais. Sou nove anos mais velho, com três filhos, e ainda tentando me convencer de que a vida não acabou. E aí veio você — tão jovem, tão viva, com esse fogo que me faz querer ser alg

● Aneliese Moore ●Dia seguinte07h45 da manhã — Aeroporto de Seattle— VOCÊ É MUITO TEIMOSO, ALEXANDER REED BLAKE! — o tom da senhorita Blake corta o ar como um trovão. Metade do saguão desvia o olhar, fingindo não estar ouvindo, enquanto a outra metade disfarça o interesse mal disfarçado em ver onde essa novela vai parar. Alexander apenas estreita os olhos, impassível, sustentando a calma de quem já decorou o script das brigas matinais. — Eu falei inúmeras vezes pra checar se estava tudo certo! — Jade continua, gesticulando como se o ar fosse culpado também. — E agora você me diz que esqueceu a porra do notebook com todos os meus projetos?! Por sua culpa estamos atrasados, Alexander! Atrasados!— Não precisa tentar pôr o aeroporto abaixo, Jade. — Alexander responde num tom cansado, passando a mão pelos cabelos e fechando os olhos como quem tenta negociar com uma enxaqueca. — Tommy já foi buscar o maldito computador.Respiro fundo e sigo em direção aos dois, equilibrando quatro copos

Aneliese MooreAgradeço aos céus — ou a qualquer divindade que tenha piedade de mim — quando finalmente chegamos a Mônaco. Foram quase quatro longas horas de viagem no total: uma hora e meia de voo de Paris até Nice, e depois mais uma eternidade — ou duas horas, segundo o relógio — de carro até a tão sonhada costa. Digo “sonhada” apenas por força de expressão, porque sinceramente, a única coisa que eu conseguia desejar naquele momento era um travesseiro e o silêncio.Aparentemente, o trajeto pareceu ainda mais demorado do que o voo de Seattle para Paris, e tudo por um motivo simples: Alexander Blake decidiu que seria uma excelente ideia fechar a cara e ignorar o mundo inteiro depois que Jade e eu voltamos das compras.Eu juro, tentei conversar. Fiz o esforço hercúleo de perguntar se estava tudo bem, se ele estava sentindo algo, se o ar de Mônaco tinha por acaso ofendido a sensibilidade dele. E o que eu recebi em troca? Uma bronca. Daquelas secas, gélidas e totalmente desnecessárias, p

●Aneliese Moore ●O encaro por alguns segundos, absorvendo o turbilhão de emoções que toma conta de sua expressão — arrependimento, esperança, medo, desejo. Tudo misturado em um único olhar. Balanço a cabeça em um gesto leve, um pequeno riso escapando dos meus lábios.— Somos duas pessoas complicadas, Alex. — digo, minha voz soando mais suave do que eu esperava. — Duas pessoas cheias de feridas, tentando recomeçar algo que nem sabíamos que precisávamos.Ele me observa em silêncio, atento a cada palavra, como se tivesse medo de perder uma sílaba sequer.— Mas eu fui sincera quando disse que queria te conhecer melhor. — continuo. — E ainda quero. Só que... precisamos de algumas condições.Ele abre um meio sorriso, aliviado.— Claro, o que você quiser, eu... —O interrompo antes que termine, pousando meu dedo indicador sobre seus lábios num pedido silencioso de calma.— Respira, Alexander. — digo entre um riso contido. — Parece até que eu ia pedir algo impossível.Reviro os olhos, divert