Mansão Rurik – Cozinha Principal - 18h47O aroma de chá fresco com especiarias preenchia o ambiente, misturando-se ao som suave da chaleira ainda quente repousando sobre a bancada de mármore. Susan vestia uma blusa de moletom larga e meias grossas. A tarde havia sido densa — as lembranças de Jenn ainda ecoavam em cada canto da mansão — e ela encontrara na cozinha um refúgio silencioso.Enquanto mexia o chá com movimentos distraídos, ouviu passos suaves se aproximando.— Que cheiro bom. — Disse uma voz feminina, de tom suave e educado, mas com algo quase... Sintético na cadência.Susan se virou. Uma mulher alta, de feições refinadas e postura impecável, estava diante dela. O jaleco branco contrastava com os cabelos loiros presos em um coque elegante. Os olhos eram frios, cinzentos como o céu antes de uma tempestade, mas o sorriso era cordial.— Espero que não tenha me adiantado. Estava à procura da despensa. A cozinha parecia o caminho mais lógico.Susan assentiu, ainda segurando a col

Horas depois do ataque, a ala restrita da mansão Rurik fora isolada por feitiços de contenção e runas de vedação. O corpo da criatura, o que restava dela, jazia sobre a mesa de autópsia no laboratório subterrâneo. A carne acinzentada da Changeling já começava a apodrecer de dentro para fora, como se a simples ausência da ilusão tivesse rompido qualquer laço com o mundo físico.Alexei observava em silêncio, os braços cruzados, o rosto tenso sob a fraca luz azulada que pendia do teto. Ao seu lado, Pavel manuseava instrumentos encantados, óculos com múltiplas lentes sobre os olhos, como se cada detalhe da criatura escondesse uma resposta.— É uma Changeling, sem dúvida. — Disse Pavel, a voz seca e precisa, como sempre. — E das antigas. Esse tipo é raro... Extremamente instável. O disfarce era perfeito. Feitiço de transmutação física, não apenas ilusão. Ela não parecia humana. Ela se tornou a médica por completo.— O que significa que a verdadeira doutora Viktoriya…? — Alexei já sabia a

O cheiro de ferro pairava no ar, pesado e nauseante. O sangue respingado nas paredes escorria em filetes lentos, tingindo o mármore branco de um vermelho grotesco. Dmitry ajudou Irina a se levantar, a mão firme envolvendo o braço magro dela, enquanto ela cambaleava, os saltos afundando nas poças vermelhas.— Respira, Irina. — Ele murmurou outra vez, os olhos ainda analisando cada canto do salão devastado. — Isso ainda não acabou.Dois guardas de Irina emergiram das sombras, pálidos, as armas ainda erguidas, embora soubessem que nada do que tinham nos coldres teria feito diferença. Um deles carregava uma pasta preta, marcada com respingos de sangue.— Senhor Rurik... — O mais jovem arfou, os olhos arregalados. — Encontramos isso no escritório, atrás do cofre. O guarda estendeu a pasta, as mãos tremendo. Dmitry a pegou, os dedos sujos de sangue manchando a capa de couro. Abriu-a com um movimento preciso. Papéis, documentos, anotações codificadas e… No topo, uma lista digitada, nomes

Mansão Rurik – Ala médica 03h41 da madrugadaO quarto estava silencioso, exceto pelo leve zumbido dos monitores médicos que acompanhavam os sinais de Susan. Carla, com olheiras profundas e um semblante cansado, não arredara o pé desde que trouxeram a amiga desacordada. Sentada ao lado da cama, segurava a mão enfaixada de Susan com delicadeza, como se sua presença bastasse para mantê-la ancorada à vida.De repente, Susan puxou o ar com força, como alguém emergindo de um mergulho prolongado. Seus olhos verdes se abriram num rompante, arregalados, confusos, mas vivos. Intensamente vivos.Carla arfou, emocionada, deixando escapar um sussurro aliviado:— Meu Deus... Susan?Ela se inclinou imediatamente, tocando o rosto da amiga.— Ei, calma, calma... Tá tudo bem. Você está segura. Você voltou pra gente.Susan piscou várias vezes, como se tentando entender onde estava. A lembrança da voz sussurrada ainda ecoava em sua mente:"Ainda não é o momento."Ela olhou para a mão enfaixada, depois p

O grande salão estava em preparação. Marina dava ordens para os criados arrumarem a mesa de reunião: longos decanters de água, bandejas com petiscos, taças de cristal. Os papéis estavam empilhados à cabeceira da mesa, onde Dmitry se posicionaria.Susan notou a atenção quase militar nos detalhes: Alexei distribuía pastas com os relatórios, enquanto Dmitry, de pé diante da cabeceira, murmurava baixinho para ela, quase sem que os outros ouvissem:— Fique atenta aos olhares. Nem todos os sorrisos hoje significarão paz. Alguns estarão apenas esperando eu baixar a guarda.O Lycan dentro dele, inquieto, sussurrava em um canto sombrio da mente:“Eles não a tocam. Ninguém olha. Ninguém respira perto dela sem nossa permissão. Um som errado e eu arranco a garganta deles, um por um.”Susan pousou a mão no braço dele, apertando com leveza.— Estou aqui, Dmitry. E eu sei. Não se preocupe comigo. Preocupe-se com eles.Dmitry se virou, curvando-se ligeiramente até os lábios roçarem o topo da cabeça