Philippe respirou fundo, o maxilar um pouco travado. Estava ali, sentado em frente ao psiquiatra pela segunda vez, depois de três noites mal dormidas e um vazio que não sabia nomear.— Doutor... — disse ele, fitando o chão antes de erguer os olhos. — O senhor me pediu pra narrar como são os sonhos. Eu vou tentar... Eu não sei explicar por quê, mas parecem tão reais... como se fossem lembranças.O psiquiatra fez um gesto leve com a cabeça, sinalizando para que ele prosseguisse.— Sempre começa do mesmo jeito. Eu estou dirigindo por uma estrada sinuosa, cercada por muito verde. Sinto o cheiro de terra molhada e enxofre. Acho que são fontes termais por perto. Ao fundo, montanhas. E uma cidadezinha... eu tenho certeza de que conheço esse lugar, mas não consigo lembrar o nome. É como se estivesse na ponta da língua.Fechou os olhos, buscando as imagens.— Quando chego, sempre paro diante de um hotel simples, nada luxuoso, mas aconchegante. A f

— Muito bem. Faça isso. Vá com calma, sem pressa, mas vá. E fique tranquilo: não vou te prescrever nenhum medicamento. Você já está tomando o suficiente por conta das cirurgias. A única coisa que recomendo são algumas gotinhas de fitoterápicos à base de valeriana. Pode usar quando se sentir muito agitado. Vai te ajudar a dormir melhor, mas sem mexer no que precisa continuar se revelando nos seus sonhos.Dr. Álvaro se levantou com um sorriso gentil.— Sua memória vai voltar, Philippe. No tempo certo. E eu estarei aqui para te ajudar, se você quiser.Philippe olhou pra ele com olhos marejados, mas firmes.— Lógico, doutor. Lógico que eu quero.Eles se cumprimentaram com um aperto de mão demorado, um daqueles apertos que não pedem palavras, apenas confiança.Philippe virou o rosto em direção à porta e chamou:Antes que Philippe pudesse sair com a mãe, Dr. Álvaro deu um passo à frente, chamando-o suavemente:— Philippe..

O médico ajustou o equipamento com delicadeza e apertou alguns botões no painel. A imagem tremida da tela se estabilizou devagar, revelando contornos mais nítidos, movimentos suaves. O som do coraçãozinho ainda pulsava forte, constante. Mas então, uma nova imagem surgiu.— Olhem... — disse o médico, com um sorriso calmo. — Hoje vamos conseguir ver o rostinho dele.Ashley prendeu a respiração. A avó apertou mais forte sua mão.A tela mostrou o perfil. Primeiro de leve, depois com mais clareza. O bebê mexeu a cabecinha, como se estivesse se ajeitando pra ser visto. E então ela viu. O nariz fino. A curva suave do queixo. E algo que parecia… uma covinha. No mesmo lugar onde, nos sonhos, Philippe sorria pra ela.Ela levou a mão livre à boca e começou a chorar, os olhos arregalados de emoção.— Vó… é ele. — sussurrou entre soluços. — Ele tem o rosto do Phil. Ele tem o rosto do pai…A avó, com os olhos marejados, assentiu em silêncio. A

Quando chegaram em casa, a tarde já começava a cair. A luz dourada do sol atravessava as cortinas simples da sala, criando desenhos nas paredes. Ashley tirou o casaco, ainda sorrindo por causa do ultrassom, quando ouviu o avô chamou com um brilho nos olhos:— Vem aqui, minha flor. Quero te mostrar uma coisa.Ela seguiu até o quarto dela, sem imaginar o que encontraria. Ao empurrar a porta, ficou parada, sem conseguir dizer uma palavra.Ali, ao lado da sua cama de solteiro, estava um berço de madeira, todo lixado e envernizado com carinho. O mesmo berço em que ela dormira quando bebê. Agora, pronto para o seu filho.— Vovô... — murmurou, levando as mãos ao rosto, emocionada. — Você lixou tudo isso?— Com minhas próprias mãos — respondeu ele, orgulhoso. — Esse berço foi seu, Ashley. E agora vai ser do seu menino. Já tá firme, seguro e pronto pra receber a nossa bênção.Ela foi até ele, passou a mão na madeira polida, como quem toca

Dr. Álvaro acomodou-se na poltrona giratória à frente do casal, entrelaçando os dedos sobre o bloquinho de anotações. O consultório estava em silêncio, rompido apenas pelo leve zumbido do ar-condicionado. Ele observou Brittany por alguns segundos antes de iniciar.— Brittany, agradeço por ter aceitado vir à consulta. O que estamos fazendo aqui é uma tentativa de reconstrução da memória afetiva de Philipe, que sofreu um trauma considerável. Toda informação pode ser útil. Por isso, gostaria de conversar com você diretamente, antes de ouvir o relato dos sonhos dele, tudo bem?Ela cruzou elegantemente as pernas, inclinando levemente o queixo.— Claro, doutor. Estou aqui para ajudar no que for preciso.Álvaro assentiu, profissional.— Ótimo. Então, para começarmos, quero que você me diga com precisão: como foi o pedido de noivado?Ela franziu a testa, surpresa com a pergunta.— O pedido?— Sim. Você mencionou que é noiva