Me sento na beira de sua cama e olho em seus belos olhos, tentando gravar cada mínimo detalhe seu, cada momento feliz que passamos juntos, cada promessa feita. Seu rosto está mais pálido do que de costume, mas ainda é o rosto que eu amo com todas as partes do meu ser. A luz da manhã filtra pela janela e toca sua pele suavemente, como se até o sol soubesse que precisava ser gentil com ele hoje.ㅡ Meu amor... ㅡ minha voz falha, engasga, treme ㅡ O tratamento... ele não está mais funcionando.Ele me olha, confuso por um segundo, como se esperasse que eu continuasse, que dissesse que havia uma saída para isso. Que eu puxasse da manga um plano miraculoso, que dissesse que havia outro médico, outro lugar, outro milagre... Mas fico em silêncio, esperando que ele absorva o impacto das minhas palavras.E, então, sua ficha cai.ㅡ O quê? ㅡ diz, com uma pontada de incredulidade na face ㅡ Não, não... Não pode ser. Nós estamos tentando, uma hora isso iria acontecer, mas... Não, agora não, Kali. Eles

POV Kali Eu fiquei no corredor. O coração apertado, as mãos trêmulas. Ele disse que queria ser o primeiro a contar. Que precisava disso. Quer devia isso a ela. Não tive como negar.A luz da manhã entrava pela fresta da porta e da janela, dando um brilho especial para o cabelo deles dois. Vi quando ele se sentou no chão da sala, com aquele esforço disfarçado, e chamou nossa filha com a voz que eu conhecia tão bem, doce e firme, mesmo por trás da dor.Ela foi até ele rindo, com um desenho torto nas mãos. Meu peito se fechou.Eu encostei na parede, escondida da vista dos dois, mas vendo tudo. E ouvindo.ㅡ Filha... posso te contar uma coisa importante?A voz dele quebrou um pedaço do mundo. A cada palavra, meu coração sangrava em silêncio. Porque eu já sabia o que vinha, mas ela não. Ela ainda era só uma menina. Ainda dormia agarrada em pelúcia, ainda chorava quando seu leite ou biscoito caía no chão.Como contar a ela que o seu herói não ia ficar ao seu lado para sempre?Vi quando o seu

O nome dela nos quebra. Ele fecha os olhos, e eu vejo os cílios molhados.— Ela sente você se afastando. Mesmo com você ainda aqui — digo, minha voz falhando. — Como se o mundo já estivesse ensinando a ela o que é perder.Ele me puxa pra mais perto, com esforço. Me deito ao lado dele, naquela cama estreita. Apoio minha cabeça no ombro dele como fazia nas madrugadas boas. Aqueles dias em que a gente acreditava que tinha tempo.— Do outro lado... — ele começa. — Eu acho que vou ser o vento que bagunça o cabelo dela. A brisa que toca seu rosto quando você estiver com saudade.— Você sempre foi vento, Bennet — sussurro. — Mas também foi chão. O único lugar onde eu me senti segura de verdade.Ele me olha. A pele dele parece quase transparente. Mas o olhar... o olhar ainda é dele.— Sabe do que mais sinto falta? — ele pergunta.— De quê? — sussurro.— De te beijar com tempo. Sem medo do relógio, sem essa urgência de eternizar tudo antes que acabe.E eu o beijo. Um beijo lento, cheio de amor

POV Bennet Sento-me na poltrona da sala dos meus pais, aquela velha de couro marrom que estala quando alguém se move. Era o lugar onde meu pai se sentava para ler o jornal, e eu, criança, me encolhia no tapete ao lado, fingindo ser invisível.Agora sou eu quem ocupa aquele espaço. Mas não há jornal. Nem futuro.Só há essa dor lenta, esse tempo escorrendo como areia por entre os meus dedos. E meus pais, sentados no sofá à minha frente, parecendo mais frágeis do que me lembro.Minha mãe segura um lenço já úmido. Meu pai finge firmeza, com os cotovelos apoiados nos joelhos, olhando para o chão como se a resposta para tudo estivesse escondida nas fibras do carpete.— Eu sei que vocês já sabem — começo. Minha voz sai baixa, trêmula, mas firme o suficiente para romper o silêncio pesado. — Só... preciso que ouçam da minha boca.Minha mãe balança a cabeça devagar, como se cada movimento custasse um pedaço dela.— Eu não tenho muito mais tempo, eu sinto isso agora.A frase fica no ar, como se

POV KabirO silêncio no apartamento que aluguei nos Estados Unidos me recebeu como um velho amigo. Um desses amigos que você nunca gostou de verdade, mas aprendeu a suportar. Deixei a mala vazia encostada na parede da sala, sem me preocupar se estava torta ou no caminho. Tirei o casaco e joguei no sofá, ouvindo apenas o som dos meus passos e o leve zumbido da geladeira na cozinha.E então, a voz dela.— Voltou.Saniya.Não uma pergunta. Uma constatação. Um disparo contido.Me virei devagar. Ela estava parada no batente do corredor, braços cruzados, olhos fixos em mim como se não piscasse há horas.— Vim buscar as minhas coisas — respondi. A mentira saiu fácil, como um gole d’água. — Não quero que isso fique se arrastando.— Isso. — Ela caminhou um pouco, descalça, os cabelos presos num coque malfeito. — “Isso”. É como você chama nosso casamento agora?Evitei o olhar dela, como sempre. Ela insistia em me olhar como se ainda houvesse algo ali, e eu… eu não sabia mais o que via quando ol