Alguns dias depoisO sol da manhã invadia a sala como uma promessa silenciosa, atravessando as frestas da persiana e desenhando linhas douradas sobre o sofá desarrumado. Os dois corpos permaneciam entrelaçados, envoltos na intimidade morna de um despertar preguiçoso. O cheiro de café distante se misturava ao perfume adocicado que ainda impregnava os cabelos de Valentina.Conde de Meow, com a imponência típica de um imperador felino, caminhava sobre as pernas de Rafael com ares de quem fazia uma vistoria de território.— Ai, ai, ai! — ele reclamou, apertando os olhos e jogando o gato para o lado com um carinho rabugento. — Seu gato me odeia.— Ele não odeia ninguém — murmurou Valentina, a voz rouca de sono carregando um charme involuntário. — Só quer dominar o mundo... e começou por você.— Ótimo. Vou me candidatar a ministro dos petiscos.Ela soltou uma risada baixa e doce, o tipo de som que faz o peito do outro vibrar. Esticou os braços num espreguiçar preguiçoso, o lençol escorregan

Na segunda-feira seguinte, Rafael recebeu um e-mail que o fez pular da cadeira com um grito que parecia mistura de susto e alegria.— Amor! — ele berrou da sala, a voz entre o choque e o puro entusiasmo.— Que foi? — Valentina apareceu na porta, com o cabelo preso num coque torto e uma colher de aveia na mão. — Alguém morreu?— Quase! Mas de alegria! Lembra daquela loja online que eu tava pesquisando? Mandei um rascunho de camiseta pra uma plataforma de vendas... E eles aceitaram! Querem lançar uma coleção com as minhas ideias!Valentina arregalou os olhos, depois soltou um grito empolgado, o tipo de som que fazia Bruce latir de susto.— Mentira!— Verdade! Aquelas frases idiotas deram certo!Ela pulou no colo dele, a colher de aveia voou, caiu no chão e o tapete virou vítima da comemoração.— Eu sabia! Sempre acreditei no seu dom de ser brega!— Você é a musa da minha cafonice, meu amor. Inspiradora das piores ideias que já viraram coisa boa!Riram alto, girando no meio da sala enqua

O grande dia da palestra chegou antes que Rafael pudesse inventar mais uma desculpa esfarrapada para se esconder debaixo da cama.Ele acordou com o sol invadindo o quarto como um holofote inquisidor, quente demais, brilhante demais — irritante demais. Conde de Meow estava plantado em cima do seu peito, encarando-o com a superioridade arrogante de quem claramente julgava sua existência inteira. E Bruce, impaciente como um personal trainer canino, arrastava a coleira pela casa, fazendo um barulho metálico que parecia um tambor de guerra.Valentina já estava a mil por hora. Andava em círculos pela sala como uma treinadora de boxe em dia de campeonato, usando um roupão que voava como capa de super-heroína.— Hoje é dia de vitória! — ela anunciou com ares de general, apontando dramaticamente para ele como se estivesse prestes a liderar um exército em batalha. — Veste tua armadura, guerreiro!Rafael, afundado no colchão e coberto até as orelhas, gemeu como um prisioneiro sendo convocado par

O sábado amanheceu barulhento na casa de Rafael. Mas não barulhento tipo trânsito engarrafado ou obra na vizinhança. Era um barulho de alegria ensurdecedor: Bruce corria de um lado pro outro, como se tivesse tomado cinco cafés expresso; Conde de Meow atacava a cortina como se ela tivesse insultado a honra felina dele; e Valentina... bem, Valentina cantava Single Ladies da Beyoncé com a afinação de um pato gripado.Rafael apareceu na porta da cozinha, o cabelo espetado, a camiseta torta, com uma meia de cada cor e cara de quem lutou contra três despertadores e perdeu.— O que tá acontecendo aqui? — perguntou, tentando não tropeçar em Bruce, que agora latia freneticamente para um pedaço de panqueca voadora.— Operação “Dia Perfeito”! — ela anunciou, girando a frigideira no ar como se fosse a Ana Maria Braga em um episódio de acrobacias culinárias.Metade da massa foi parar no teto. A outra metade caiu direto no chão.Bruce, o funcionário do mês, limpou tudo antes que Rafael pudesse prot

O dia da feira amanheceu ensolarado, com aquele céu azul que parecia ter sido pintado só pra dar sorte.Rafael acordou antes do despertador, ansioso como criança em dia de excursão. Levantou em silêncio para não acordar Valentina, mas Conde de Meow não foi tão discreto: pulou da cama direto na cara dele.— Bom dia pra você também — Rafael resmungou, tentando tirar os pelos da boca.Bruce, percebendo o movimento, começou a rodar animado, como se dissesse: “Hoje é dia de aventura!”Na cozinha, Rafael preparou um café reforçado — o que, no caso dele, era basicamente café forte e torradas queimadas.Valentina apareceu minutos depois, os cabelos bagunçados e o sorriso mais bonito do mundo.— Tá nervoso? — ela perguntou, servindo-se de café.— Nervoso é pouco. Eu tô tipo... com frio na barriga, suor na testa e um leve desejo de fugir pro Alasca.— Perfeito. Sinal de que vai ser incrível.Ele riu, sem acreditar como ela conseguia transformar qualquer momento de tensão em leveza.— Vamos faze