Faz quase um mês. Um mês desde a noite em que eu perdi o controle,desde que Rodolfo e eu atravessamos a linha que eu prometi nunca cruzar.Desde então, a casa carrega uma tensão que pulsa entre nós dois, invisível, mas presente em cada olhar, cada respiração mais próxima. Às vezes acho que até Lourdes percebe, mesmo sem dizer nada. E Clara… Clara é o ponto de equilíbrio entre nós, a pureza que me faz lembrar o motivo de eu estar ali.— Papai, hoje você me leva pra escola, né? — a voz animada de Clara me tira dos pensamentos. Ela está com o cabelo preso em duas trancinhas, o uniforme impecável e um sorriso capaz de derreter qualquer coração.Rodolfo está sentado à cabeceira da mesa, o jornal dobrado ao lado do prato. Ele levanta o olhar e sorri, mas o sorriso não chega aos olhos.— Claro que levo, meu amor.Lourdes serve café enquanto cantaolar alguma música antiga. Eu tento me concentrar na minha xícara, mas sinto o olhar dele sobre mim. O mesmo olhar que me fez perder o fôlego naquel

Fazia dias que eu estava estranha. Enjoada, tonta, o estômago revirando sem motivo. No começo, achei que fosse o café da cantina — aquele horror que chamavam de expresso —, ou talvez o nervosismo com as provas finais. Mas, naquela manhã, enquanto tentava prestar atenção na aula de Direito Penal, o simples cheiro da caneta da professora me fez querer sair correndo da sala.Quando o sinal tocou, eu fui direto para o pátio respirar um pouco. O ar fresco não ajudou muito, mas pelo menos o enjoo diminuiu. Sentei num dos bancos de cimento e fechei os olhos. O som dos alunos conversando ao redor parecia distante, abafado, como se o mundo inteiro tivesse se tornado um zumbido.— Serena? — a voz de Ana me puxou de volta.Abri os olhos devagar. Ela estava parada na minha frente, segurando dois cafés e me olhando com aquele ar de quem já sabia a resposta pra tudo.— Você está péssima — disse, sentando ao meu lado.Suspirei.— Obrigada pela gentileza.— Não estou brincando, olha pra você. Tá páli