Isabel Matarazzo A palavra ainda ecoava dentro de mim, como uma nota musical que se alojara no fundo do meu peito e insistia em vibrar. Mãe. Uma sílaba simples, mas que carregava o peso de vinte e oito anos de ausência. Eu não sabia se ele havia percebido o que disse, se fora um lapso inconsciente ou um suspiro involuntário. Mas eu ouvira. E, embora meu corpo estivesse em pedaços, não era de dor. Era algo mais intenso, mais quente, mais assustador. Era como se, depois de décadas de um vazio silencioso, eu finalmente estivesse viva de novo. Deixei-o sozinho no quarto. O quarto. Aquele cômodo que preparei ano após ano, mês após mês, imaginando cada detalhe que pudesse agradá-lo. Um lugar que existia apenas na minha mente, até hoje. Até ele finalmente cruzar aquele limiar. — Mãe, então… ele gostou do quarto? — Vitória perguntou, sua voz suave, como sempre, quando o assunto era Liam. Meu coração apertou ao olhar para ela, minha filha, minha guerreira, que cresceu sabendo que tinha

Priscila BarcellaEu estava genuinamente feliz pelo Max. Ele sempre sonhou em ter uma família — e agora teria a chance de acompanhar cada instante, desde os primeiros chutes no ventre até o primeiro choro. Aquela criança teria o que a Mavie não teve no começo: um pai presente desde o início.— Você ouviu o seu tio, meu amor? — murmurei, traçando círculos lentos sobre a barriga, onde uma vida minúscula e milagrosa crescia. A pele estava levemente esticada, um lembrete suave da transformação que meu corpo começava a passar. — O tio Max é o melhor amigo da mamãe. Ele é daqueles que faz vozinha besta pra fazer bebê rir, que embala no colo até adormecer e que vai brigar com qualquer um que olhar torto pra você. — Um sorriso escapou dos meus lábios, acompanhado de uma pontada nostálgica. O quarto estava envolto em um silêncio acolhedor, apenas interrompido pelo tique-taque distante do relógio da sala. A luz do entardecer filtrada pelas cortinas tingia as paredes de um dourado suave, como s

Priscila BarcellaO Liam realmente parecia estar feliz com a novidade. Ficou me olhando por um tempo, em silêncio, como se quisesse ter certeza de que era real — como se tivesse medo de acordar de um sonho bom.Do nada, ele tirou meu avental com delicadeza, levantou minha blusa com os olhos brilhando, e sorriu.— Ele ou ela é tão apressadinho que já quer aparecer — brinquei, abaixando um pouco o short e virando de lado para que ele visse melhor minha barriguinha ainda tímida.Liam se ajoelhou diante de mim e aproximou o rosto da minha barriga com uma reverência que me tocou profundamente.— Oi, filhão… é o papai. Cara, eu tô tão feliz que você tá aí no forninho da mamãe — disse com a voz embargada, sorrindo com tanto amor que me fez prender o ar.Ele encostou os lábios na minha pele e deu um beijo suave. Depois outro. E mais um. Fechei os olhos por um instante, deixando aquela paz me invadir. Por tudo o que vivi, por tudo o que enfrentei, estar ali — inteira, amada e esperando uma nov

Vitória Matarazzo Cheguei esbaforida no abrigo, com o coração ainda aos pulos. Não era só pelo atraso — era por tudo. A manhã inteira parecia um surto coletivo. E agora, eu precisava parecer equilibrada. Centrada. Profissional. Mesmo com a alma desmoronando por dentro. Assim que passei pela recepção, a Alice veio ao meu encontro com o olhar preocupado. — Graças a Deus! — disse, entregando uma prancheta. — Você tá bem? A gente ficou preocupada. A visita com os pais da Tainá é hoje, lembra? Já chegaram. — Ai, meu Deus — murmurei, olhando em volta, ainda tentando recuperar o fôlego. — Eu sei, eu sei... Desculpa, teve um... imprevisto. Um acidente, mas tá tudo bem agora. — Acidente? — Ela arregalou os olhos. — Você tá machucada? — Não, não… eu que meio que… atropelei um cara. — O quê? — Alice quase deixou a prancheta cair. — Foi leve, Alice. Ele escorregou. Tá bem. Tá no hospital agora. Eu levei. Longa história. — Respirei fundo e tentei sorrir. — E ele ainda conseguiu ser

Liam Rodrigues Eu não consigo parar de olhar para a Priscila desde que voltamos para o quintal e ela se juntou às minhas irmãs numa partida de vôlei improvisada. Pela primeira vez, vi ela fazer algo que claramente não dominava — e ainda assim, lá estava, determinada, rindo dos próprios erros, caindo, levantando, tentando de novo. Era linda. Linda de um jeito novo. Autêntica. Leve. Sentado na espreguiçadeira com Belinha e Mavie no colo, cada uma enrolada em uma toalha e grudada em mim como se eu fosse um aquecedor humano, eu estava exatamente onde queria estar. Elas cheiravam a shampoo infantil e sol, e o calorzinho dos corpos pequenos me fazia esquecer até do vento que soprava de vez em quando. — Me dá uma? — meu irmão perguntou, apontando para as meninas no meu colo com um sorriso malandro. — Nem pensa — retruquei, balançando a cabeça com firmeza. — Vai fazer as suas. Ele riu, daquele jeito debochado de quem sabe que pegou no ponto certo. — Vou nada. Eu tô mais pra tio divertido