O dia começou com um gosto estranho na boca. Isabella não conseguia nomear, mas era como se algo estivesse fora de lugar desde que ela abriu os olhos.No espelho do banheiro, a imagem devolvida parecia mais dura. As olheiras estavam mais fundas, os traços mais tensos, ela havia dormido pouco, quase nada. A mente girava em torno da palavra Carvalho. Marcelo Carvalho. Aquele nome havia perfurado os limites do passado da família como um veneno antigo, agora, cada movimento precisava ser medido, cada decisão, estratégica.Na Nexus, os corredores pareciam mais silenciosos que o normal. Havia um ruído de fundo, não sons, mas tensões. Como se todos esperassem que algo grande estivesse prestes a acontecer. Isabella atravessou o hall principal e percebeu os olhares de canto. Camila vinha logo atrás, com o tablet pressionado contra o peito.“Trouxe a lista dos contratos com consultorias externas, desde 2001.” A voz da assistente saiu rápida, mas contida.“Bom.” Isabella manteve o tom neutro. “M

A sala estava fria, mas o ar parecia soprar sobre os ombros dela como uma fornalha prestes a explodir. O painel de vidro refletia não só os rostos tensos dos conselheiros, mas também os próprios fantasmas que Isabella tentava enterrar desde a coletiva.Sentada à cabeceira da mesa, ela segurava a caneta como se fosse uma arma. Os olhos varriam os rostos um a um, ninguém sorria, ninguém se atrevia a piscar.“Senhorita Grayson...” A voz seca, de um dos acionistas mais antigos, soou. Cabelos grisalhos, expressão carrancuda. Walter Meyers. O mesmo que votou contra sua nomeação anos atrás.“...temos uma crise de imagem, uma queda de mais de 15% nas ações em menos de 24 horas, e agora, exigências da imprensa por mais esclarecimentos.”Ela apenas assentiu, o silêncio dela era uma resposta, mas não uma concessão."Essa coletiva foi um erro. Você mostrou vulnerabilidade."Um murmúrio de concordância correu a mesa. Mas Isabella não se moveu. "Eu mostrei a verdade."A frase impactou. Alguns cons

O anel voltou para o dedo com a frieza de um ferro em brasa. Isabella não olhou para ele enquanto o deslizou, apenas prendeu a respiração e ignorou o arrepio que subiu pelas costas dela. Nenhuma emoção visível, apenas o gesto. A sala de imprensa da Nexus Solutions parecia um palco com holofotes demais e ar de menos.Camila observava tudo da lateral, com os braços cruzados e o olhar duro. Ela havia tentado convencer Isabella até o último segundo. “Você ainda pode recusar.” Mas Isabella não recusou.O microfone foi ligado e os flashes começaram. Roberto ajeitou o terno com um sorriso comedido, ensaiado. “Estamos felizes em anunciar que, após um breve período de reestruturação, os fundadores da Nexus Solutions reafirmam seu compromisso mútuo, profissional e pessoal, com a continuidade e excelência da empresa.”Ele disse isso como se fosse um líder visionário, mas o que se via nos olhos dele era posse.Isabella apenas assentiu, a pele dela parecia mais pálida sob as luzes brancas. O ve

O vidro espelhado do vigésimo primeiro andar devolvia o reflexo distorcido da figura que caminhava pelo corredor com passos firmes, mas arrastados. Isabella tinha o coque apertado que prendia mais do que o cabelo. O salto dela estalava seco no mármore como uma sentença. Ela tinha ombros erguidos demais, queixo tenso, mas havia algo nos olhos dela um vazio que só quem já amou sabia reconhecer.Enzo observava ela da sala ao lado, meio encoberto pela divisória de vidro fosco. Como ele sempre fazia, invisível, mas presente. O mundo ao redor seguia o ritmo habitual da Nexus Solutions, mas o silêncio entre os dois era outra frequência, e agora era insuportável.Ela passou direto sem vê-lo. Ou fingiu não ver.Ele fechou os olhos por um segundo, os dedos ainda úmidos de café, apertaram com força a pasta que carregava. Não era sobre códigos ou sistemas, era sobre ela, sobre a forma como ela agora atravessava os próprios dias, como quem atravessa uma tempestade vestida de uma armadura rachada.

Um aroma suave de jasmim rastejou pelo corredor antes que qualquer passo fosse ouvido. Do tipo que vira a cabeça de quem passa, não por estranheza, mas por memória. Como se o perfume carregasse um segredo antigo.A porta do elevador se abriu com um som metálico e preciso.Aurora saiu de dentro dele como quem não precisava pedir permissão para existir. O vestido de seda carmim abraçava o corpo dela com a precisão. O tecido escorregava a cada passo, como se tivesse vida própria, desenhando curvas e intenções em silêncio.Os saltos, finos como agulhas, cravavam no piso de mármore com estalos ritmados. Tac. Tac. Tac. Um som que anunciava presença, não pressa.Ela não usava crachá, não precisou. Dois seguranças pararam diante da porta principal e, ao ver ela se aproximar, abriram caminho com um leve inclinar de cabeça. Um deles chegou a desviar o olhar.Aurora nem desacelerou, no saguão que levava à sala de imprensa, uma assistente deixou cair uma folha ao notar sua chegada. Outro técnic