O Inferno estava silencioso. Silencioso demais.Satanás dormia — e quando a entidade primordial do Caos repousava, seus sonhos criavam labirintos que nenhuma criatura ousava atravessar. Era o sono imposto pelo Criador, o sono que evitava o colapso universal. A Grande Besta precisava descansar para que o tecido da realidade não se partisse sob sua agressividade acumulada.Mas Deus não dorme. Deus observa. Deus reordena. E, sobretudo, Deus corrige.Enquanto Satanás respirava lento e profundo dentro das câmaras abissais, o Criador abriu seu olhar novamente para a Terra — aquela pequena esfera azul perdida no Universo visível, sempre teimosa, sempre desobediente, sempre à beira da autodestruição.Ele sabia que a humanidade havia adoecido do espírito, não do corpo. A doença não estava no sangue, mas na intenção. O desequilíbrio vinha de dentro.E então Deus desceu. A TERRA RENOVADAQuando o Criador tocou a atmosfera, algo mudou. O plan

E AS DUAS TRILHAS DO UNIVERSO**A voz do Criador atravessou Arret como uma lâmina de luz que não ilumina: apenas revela. E ninguém pode fugir de uma revelação.— A vocês, habitantes de Arret, disse Ele, é exigida evolução constante. Na Terra a vibração se move, se transforma, se eleva; aqui não. Aqui tudo está parado na densidade que vocês mesmos criaram, vida após vida.As almas estremeceram. Não havia como esconder-se da verdade.— Vocês estão em Arret porque não foram capazes de se mover para cima, continuou Ele. — Não superaram medos, rancores, ódios, apegos, amores quebrados, ambição, inveja, soberba… nada disso. Vocês se acorrentaram a essas frequências e, quando a carne morreu, foram trazidos magneticamente ao único lugar compatível com sua vibração.As palavras vibravam como trovões dentro das mentes.— Tudo que vocês arrancaram da Terra — objetos, desejos, ideias, energias — veio para Arret pelo campo vibracional. Cada coisa material transferida para cá é apenas reflexo do qu

Satanás levantou a mão, e o telão brilhou outra vez, revelando a próxima cena.— Olhem ali. As vozes dos vindos de Fluchtig cessaram. Todos focaram na tela.Um homem humano, de semblante frio, avançava sobre uma mulher.— O que ele está fazendo?, perguntou Kifo.— Ele está esfaqueando a mulher. E agora… os filhos. A voz de Satanás não tinha emoção alguma. — “Mulher” é como eles chamam as fêmeas humanas.A cena se abriu. Cinco golpes. Depois mais dois. Sangue espalhou-se pelo chão humano.— Ele era bravo, explicou Satanás. — De ciúmes, matou a mulher com cinco facadas e os filhos para que não contassem nada à polícia.A imagem mudou: homens uniformizados entravam correndo na casa.— Polícia são aqueles ali. Eles seguram os criminosos pelas mãos — as “patas de cima” — e colocam aquele objeto de ferro que prende os braços. Os humanos chamam isso de “algemas”.Kifo observou, intrigado.— Olhem o que é burrice. Ele matou todos, achando que assim não seria preso. E foi preso do mesmo je

E O TRIBUNAL DO PVC JUNTO COM O ESPELHO DE CARNEA música volta a vibrar nas paredes escuras de Arrêt. Funk, batidas pesadas, guitarras ardendo, tudo misturado numa confusão sonora que só aquele mundo invertido parecia suportar. Os traficantes — agora parte do contingente dos recém-chegados “operacionais” — circulam pelo salão com a mesma arrogância de quando estavam vivos. Mas ali, diante de Satanás, nada disso significava poder real; era apenas tempero para o caos. O Tribunal do PVCA certa altura, Satanás ergue a mão e tudo silencia de forma abrupta. A escuridão do salão se abre ao meio como duas cortinas negras. Surge uma sala gigantesca, circular, iluminada por luz avermelhada que parece pulsar — como se estivesse viva. No centro, um trono feito de tubos, conexões, placas e chapas… tudo em PVC, moldado de forma grotesca, como carne artificial endurecida.— Bem-vindos ao Tribunal do PVC, — anuncia Satanás. — Aqui é onde os “grandes” da criminalidade da Terra aprendem o

Os Setenta e Sete Mil Raios e o Horizonte PerfeitoA Luz tem seu próprio modo de existir, seu próprio sopro, seu próprio ritmo. Não é feita de conquistas, posses ou heranças. É feita de soltura.E foi exatamente essa soltura — silenciosa, voluntária, consciente — que libertou os habitantes da Terra-Luz daquilo que por eras pesou sobre suas costas: a cadeia de matéria, energia densa e memórias ancestrais que se prendiam às coisas.Eles abriram mão da herança material — e, ao fazer isso, libertaram-se das sombras que adormeciam dentro das paredes, objetos, terras e histórias acumuladas por seus antepassados.Foi então que Deus, como um Grande Artesão de Constelações, removeu deles tudo o que não lhes pertencia. E, em troca, colocou ao redor de cada um apenas aquilo que brotava de seu próprio caráter, de sua pureza, de sua luz íntima.Assim o ambiente deles se tornou:— claro sem ferir os olhos — pleno de energia sutil — tecido de amor, harmonia, sabedoria — transparente como água s