CENA IV: A PROSTITUTA

PROSTITUTA: Eu não sei mais no que acreditar... Parece que meu trabalho não me favorece... Tudo o que tenho foi o que a vida me trouxe: uma série de julgamentos. Às vezes é como se houvesse apenas sujeira, como um veneno letal... Ela chega até nós, se alastra e nos contamina... Eu realmente fico indignada! São míseros soldos por um trabalho de dar o próprio corpo para o desejo de qualquer homem e ainda receber doenças! Dizem que eu sou uma mal-agradecida, às vezes. Proferem que a culpa das pestilências é nossa. Que a fornicação é muito almejada pelos ricos e dizem ser necessária, pois muitos esperam saciar a volúpia. Eu não me importaria com isso. O corpo é a minha propriedade, cada um escolhe o que bem fazer dele. Há lares com crianças famintas, há a necessidade de alimentá-las. Os súditos do rei que não se importam em se embriagar e ter contato com outras carnes repletas de luxúria. Falam que nos prostíbulos mora o diabo, como se ele não os visitasse todas as noites. Aqui é uma mera casa de mulheres que estão para servir aqueles que se sentem seduzidos pelos nossos corpos. Meus fregueses pagam alguns soldos e eu não me recuso a servi-los com o prazer. Não me espanta saber que muitos condenam essa prática, mas a tornamos necessária para nossa sobrevivência. A vassalagem não nutre nossos corpos, ainda mais quando há filhos para sustentar. Vejo muitos homens do vilarejo em desespero pelas leis da afetividade que encontram pequenos momentos de libertinagem ao invés de se entregarem à castidade da Igreja. Não sei o que considerar a respeito de nossas crenças, será que vão nos perdoar? Dizem que um lugar muito maléfico aguarda nossas almas após nossa morte, mas eu sinceramente acredito que este já seja aqui mesmo, neste mundo cheio de guerras e pessoas más. Às vezes vêm fregueses perjuros, aqueles que traem e possuem amantes. Pobres infelizes... A traição em um casamento, que hoje é quase um juramento de fidelidade, nos trouxe à tona uma relíquia muito contundente: nosso pão por meio de nosso trabalho. [...] Pobres fornicadores... Quem vos diria, há aqueles que acreditam na pureza enquanto seus lares continuam sujos como bueiro de ratos e baratas. Todo cheio de lodo, imundo. Pois a sociedade aceita muito bem a nossa prática. Não temos talentos como os bufões dos reis. Não temos riquezas como a rainha. Não temos companheiros como os trovadores para cantar todas as noites e festejar. É um serviço como qualquer outro, você se acostuma, pois muitos vêm para desfrutar, até porque vendemos nossos corpos.

Pouca modéstia, em meus lábios há uma confissão

Pouco me importo com as feiticeiras nuas que se entregam para o mar da culpa

Suas bruxarias as levarão à condenação!

Espero não ser confundida com as damas de Lúcifer, que devotam seu tempo à fornicação com o demônio...

Mas eu não! A carne é feita para satisfazer o homem

O corpo não é outro instrumento senão de prazer!

Ainda nos isolam do restante do reino porque pensam que a praga se alastra com o contágio da doença!

Loucos estes, perdidos!

Eu não sirvo por gostar, mas para ter com o que me alimentar!

Meus filhos já estão famintos, eu quero comida na mesa e uma casa para dormir.

Luzes de esperanças se apagam para os próximos dias,

Eu vejo aqueles ditos cujos queimando mulheres, mas se fazendo de santos...

Quem são eles para me julgar?

Bendita a alma que me aceita, que não me julga, pois para mim certas vestes não cobrem os lobos que se fingem de cordeiros!

Eu quero é freguesia, minha doce agonia!

Venham, venham, podem entrar!

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