lutando contra o laço do destino
lutando contra o laço do destino
Por: Charlene C.
capitulo 1-Festa na matilha

Depois de mais uma longa temporada lutando contra renegados em nome do rei, voltei ao castelo cercado por lobos em êxtase, celebrando a vitória como se a guerra nunca tivesse deixado cicatrizes. Eles riam, bebiam, contavam histórias e cantavam canções de glória. Mas eu, mesmo em meio àquela multidão barulhenta e eufórica, sentia-me terrivelmente só.

Sentado à mesa central com uma caneca cheia de cerveja, escutava em silêncio as bravatas dos soldados, fingindo interesse. Meus olhos vagavam pelo salão até cruzarem com os do beta do rei. Ele fez um discreto sinal com a cabeça, e, com um suspiro, me levantei e o segui por entre cadeiras empurradas e vozes soltas.

– Houve um tempo em que você comemoraria por semanas – disse ele, com um sorriso contido. – Mas um lobo ainda precisa ter uma vida, um lar para onde voltar... Não é, Antero?

Ah, ele ia tocar nesse assunto de novo. O mesmo de sempre.

Eu estava prestes a completar trezentos anos. Três séculos de batalhas, conquistas, perdas... e nenhuma companheira. Nada de alma gêmea. Nada de ligação. O rei estava começando a se preocupar. Achava que, se eu não encontrasse logo minha destinada, acabaria enlouquecendo ou arrancando o couro de meia alcateia para forrar o chão da minha sala. E, considerando meu humor ultimamente, ele não estava totalmente errado.

– Bom, eu trouxe a vitória, não trouxe? – retruquei, dando de ombros.

– O rei organizará um baile. Trará todas as fêmeas ainda não acasaladas da região. – Ele fez uma pausa. – E se você não encontrar sua companheira destinada... receberá uma escolhida.

Meu lobo, Sion, rosnou na minha mente. A ideia de ter uma fêmea qualquer, escolhida por conveniência e não por ligação espiritual, era quase uma ofensa.

Maldição, pensei. Acham que é fácil? Que se ela existisse, eu já não a teria encontrado?

– Agradeço o conselho... e a preocupação – murmurei, antes de virar as costas. Não matar o beta era, de fato, um esforço de autocontrole.

O dia do baile chegou rápido demais. E com ele, meu desprezo crescente por aquela encenação. Não tinha esperança de encontrar alguém. A essa altura, acreditava sinceramente que a deusa Selene havia me esquecido. A maioria dos lobos encontra sua fêmea aos dezoito anos. Eu, mesmo sendo um gama real de linhagem nobre, continuava sozinho. Se não fosse pelo autocontrole e pela disciplina adquirida em anos de treinamento e combate, já teria perdido a sanidade.

Resolvi tomar um banho. A água quente escorria pelas inúmeras cicatrizes espalhadas pelo meu corpo – marcas de guerras antigas e confrontos selvagens. Meus músculos estavam firmes, moldados por batalhas e treinos diários. Sabia que muitas fêmeas me desejavam. Muitas já haviam dividido meu leito. Mas nenhuma jamais despertou meu lobo. Nenhuma era ela.

Fechei o chuveiro e me enrolei em uma toalha. Ao sair, encontrei uma das servas arrumando minha roupa sobre a cama. Era a terceira vez naquela semana. Sempre encontrava uma desculpa para estar ali quando eu saía do banho.

– Saia – ordenei, sem olhar diretamente para ela.

Não permitiria que nenhuma outra mulher deixasse seu cheiro em mim. Não agora. Não quando, por menor que fosse, ainda restava uma esperança de que minha companheira estivesse em algum lugar.

Olhei-me no espelho. Barba aparada, cabelos presos na nuca, smoking preto impecável. Gravata borboleta ajustada. Estava apresentável. Pronto para mais uma noite de decepções.

O salão principal estava lotado. O brilho dos lustres refletia nas taças e nos olhos ansiosos das fêmeas. A música dançava no ar como uma promessa de encontros e paixões. Meus jardins também estavam cheios, transformados em palco para a exibição das possíveis companheiras. A presença delas apenas reforçava o desespero do rei – e do meu beta – em me acasalar.

Sion estava inquieto em minha mente. Andávamos entre os convidados enquanto ele farejava, alerta. A cada passo, eu ouvia seus murmúrios desesperados: "Não está aqui... não é ela... ainda não..."

Depois de quase duas horas circulando entre rostos desconhecidos e aromas doces demais, aconteceu.

Um cheiro distinto me atingiu com força.

Pimenta e chocolate.

Minha especiaria favorita.

Sion enlouqueceu. Uivava dentro da minha cabeça como um animal que avista seu lar depois de uma eternidade perdido.

– Ela está lá em cima. Vá buscar nossa fêmea! – ele gritou, em êxtase.

Subi as escadas com pressa, dois degraus de cada vez. Meu coração, endurecido por anos de batalhas, batia descompassado.

Ela estava ali. Em algum lugar daquele corredor.

Passei pelo meu escritório. Nada. O aroma estava mais forte. Minhas mãos suavam. Meu lobo estava inquieto. Finalmente, a porta da biblioteca apareceu entreaberta. Inalei o cheiro que agora me envolvia como um cobertor quente em uma noite fria.

Me aproximei em silêncio, empurrando a porta com cuidado. Meus olhos a encontraram e, por um segundo, tudo parou.

Ali estava ela.

A mulher mais linda que eu já tinha visto. Meu coração falhou uma batida. Senti um frio na barriga que nenhuma batalha havia me causado.

Esperei tanto por esse momento que quase não acreditei.

Obriguei-me a não avançar. Queria observá-la por mais um instante. Queria gravar aquele momento em minha memória antes que ela me visse.

Afinal, a deusa Selene não me havia esquecido. Ela estava apenas me preparando para o presente mais valioso da minha existência.

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